Companhia deu a largada na corrida dos smartphones e resolveu parte do drama do setor de telecom
Viver em um mundo sem iPhone parece sinônimo de lembrar de tempos pré-históricos. Mas, exatamente hoje, o aparelho que mudou o mundo debuta e completa 15 anos de vendas. É apenas um adolescente. No mundo antes dele, comunicação por SMS, celulares com teclado físico e câmera de 2 MP eram algumas características representavam o que havia de mais moderno em aparelhos. Não à toa, o discurso de Steve Jobs ao lançar o iPhone — um aparelho que unia o iPod, telefone e permitia acesso à internet de uma vez só — ficou marcado pela frase “We’re going to make some history together today”. E continua fazendo até hoje. De lá para cá, já são 34 versões do aparelho lançadas em uma empresa que cresceu tanto quanto a própria fama com o smartphone. Há exatamente 15 anos, a Apple valia US$ 105,6 bilhões e, hoje, está avaliada em US$ 2,2 trilhões. Refletir sobre o passado da companhia parece mais do que obrigatório diante do aniversário do iPhone, bem como levantar a questão: o que será do futuro da Apple daqui para frente?
Em uma rápida volta ao passado, o iPhone começou a ser vendido em junho de 2007, mas seu lançamento foi anunciado em 9 de janeiro do mesmo ano. A apresentação de Steve Jobs comparou os resultados do novo aparelho ao que o Macintosh tinha feito no setor de computadores em 1984 — mudar a forma como eram vistos, ao mesmo tempo que tornava seu uso mais fácil. Uma curiosidade: na época da apresentação, Jobs anunciou o lançamento sem ter os direitos de uso do nome “iPhone”. Quem os detinha era a Cisco. Depois do lançamento e de um acordo judicial, as companhias concordaram que ambas poderiam usar o termo, sem mais detalhes do acordo.
O lançamento do aparelho ‘inteligente’ por uma empresa de hardware foi uma das principais surpresas, em uma análise histórica, uma vez que empresas de telecomunicações tomaram a frente na busca de novas formas de se aproximarem de clientes. Todas tentavam lançamentos que pudessem fazer os clientes usarem mais o celular. Mas quem magicamente conseguiu fazer esse uso explodir foi a Apple.
Foi só depois do iPhone que a corrida mudou: de phones para smartphones. E, com isso, em algum tempo, o problema das teles que era acelerar o uso de suas caras redes de infraestrutura mudou para conseguir dar conta de crescer na mesma velocidade da expansão do uso. Toda sorte de serviço, muitos deles inexistentes nos PCs, migrou ou foi inaugurada nos telefones móveis.
Na época, outras empresas, como Nokia e BlackBerry, dominavam o cenário e pareciam ter um reinado consistente — também sendo candidatas mais prováveis à criação de algo similar ao iPhone. Para lembrar, a companhia de origem finlandesa foi a campeã em venda de celulares em 2007, com 435 milhões de unidades vendidas, como mostram estimativas do Gartner à época.
Não à toa, a apresentação dos dados do iPhone na Apple ainda seguia um curso relativamente tímido. Ao fim de 2007, o destaque do release de resultados ainda era a quantidade de computadores Macintosh vendidos. Foram 10,3 milhões, precisamente. O iPhone aparecia em uma última tabela, depois de discriminadas todas as vendas de Mac, iPod, software e serviços. Há quinze anos, a Apple vendeu 1,36 milhão de unidades do aparelho.
Dando um fast forward no tempo, o número passou para 11,63 milhões no ano seguinte e, no outro, para 20,73 milhões, com base nos dados da companhia enviados à SEC (a CVM norte-americana). Em 2010, a companhia vendeu 39,99 milhões de aparelhos e, em 2011, 70,29 milhões.
Aquele ano, da marca dos 70 milhões, foi emblemático para ser lembrado na trajetória da própria companhia e dos iPhones por ser o ano do primeiro processo da Apple contra a Samsung por “plagiar” os modelos de iPhone e iPad. Foi um reflexo da tensão constante entre as duas companhias e um caso que só terminou sete anos depois, com a decisão judicial de a companhia sul-coreana pagar US$ 539 milhões à empresa co-fundada por Steve Jobs, por copiar três características de design do iPhone. A relação entre ambas as companhias é marcada pela rivalidade desde então, mas com seus ares de cooperação capitalista. Hoje, a Samsung é uma das principais fornecedoras de telas para os celulares da maçã.
Seguindo na linha cronológica, em 2016, a empresa atingiu a marca de um bilhão de aparelhos vendidos, o que foi celebrado pelo CEO da empresa, Tim Cook. Há seis anos, coincidentemente, as vendas do aparelho começaram a cair pela primeira vez. No trimestre encerrado em junho de 2016, a Apple vendeu aproximadamente 15% menos do que no mesmo período do ano anterior. O lucro líquido caiu 27% no mesmo trimestre, para US$ 7,8 bilhões.
Deixando de olhar a foto daquele momento para olhar ‘o filme’, é fato que o produto ainda deve permanecer como carro-chefe da companhia por algum tempo, mas não tem mais a trajetória acelerada de crescimento de uma década e meia atrás. No detalhe, o iPhone representava 62% das vendas totais da companhia da maçã em 2018 e, em 2021, esse percentual foi para 52% — completando a sequência de quedas suaves, mas contínuas, ao longo dos últimos quatro anos.
Pandemia, semicondutores e novos desafios
O desafio da queda de vendas do iPhone ganhou ares ainda mais complexos com a pandemia e as rupturas nas cadeias de suprimentos globais. Em 2020, o iPhone chegou ao patamar mais baixo de contribuição da receita da Apple em relação aos cinco anos anteriores: 50%. Não que tenha faltado esforço. Segundo estimativas do Gartner Group, a Apple foi a maior compradora de semicondutores em 2020, com um investimento de US$ 53,6 bilhões, aumento de 24% em relação a 2019.
Coincidência ou não, no mesmo ano, a companhia anunciou que começaria a produzir os próprios processadores M1, em substituição aos processadores da Intel, usados pela empresa desde 2006. Os novos componentes foram introduzidos nas linhas MacBook lançadas no mesmo ano.
Em 2021, o problema continuou para a empresa, que teve de reduzir a produção do iPhone 13 em até 10 milhões de unidades, dadas as dificuldades da cadeia global de suprimentos para a fabricação dos aparelhos. Segundo estimativas da Bloomberg, a empresa esperava produzir 90 milhões de aparelhos nos últimos três meses do ano passado, mas passou a dizer que o número ideal ficará abaixo disso porque empresas como a Broadcom e Texas Instruments estavam com dificuldades de entregar componentes.
As consequências para a cadeia de suprimentos ficaram ainda mais pesadas ao longo de 2022, com a guerra na Ucrânia. O combo de situações contribuiu para que a companhia mantivesse a produção de iPhones nos patamares observados no ano passado: 220 milhões de aparelhos fabricados em doze meses.
No fim do ano passado, rumores começaram a circular de que a companhia estaria fabricando o primeiro modem 5G para iPhones. As informações, divulgadas pelo site Nikkei, apontam que a TSMC teria sido escolhida pela Apple para fabricar esses componentes. Não custa lembrar, a companhia taiwanesa é a fornecedora exclusiva da Apple para fabricação de chips desde 2016.
Em 2022, entretanto, o cenário de desafios de suprimentos se soma ao de preocupações com uma possível recessão global, o que, é claro, pode afetar os resultados da companhia, especialmente em países menos desenvolvidos. Apesar dos efeitos incertos do que isso pode trazer em consequências, ao mesmo tempo, a predominância da empresa da maçã nos Estados Unidos — uma das principais regiões fontes de receita para a companhia — pode ajudar a segurar o baque.
Não custa lembrar, o número de usuários de iPhone cresce ano após ano, ainda que em ritmo reduzido no passado recente, de acordo com estatísticas compiladas pelo site alemão Statista. Em 2022, a estimativa é de que 118,1 milhões de norte-americanos usem o dispositivo. É um comportamento difícil de ser mudado, porque quem está acostumado com o ecossistema da Apple não quer sair dele. Faz parte do cotidiano, nos Estados Unidos, apenas substituir o aparelho mais antigo pela versão atual.
Wearables, softwares e mais
Diante da desaceleração do crescimento dos iPhones ao longo dos últimos anos, a Apple reorientou o foco para criar novas avenidas de crescimento. A seção de wearables da companhia (que contempla vendas de AirPods, Apple TV, Apple Watch, Beats, HomePod, iPod touch e acessórios) já é maior do que a de vendas de Mac e de iPad, individualmente. Em 2021, gerou vendas líquidas de US$ 38 bilhões. Além disso, tem um crescimento em patamares consistentemente elevados nos últimos quatro anos, sempre igual ou acima de 20% ao ano. Não à toa, a companhia deve lançar mais de 10 produtos ainda neste ano, como mostram estimativas da Bloomberg — entre eles, estão novos modelos do Apple Watch, AirPods e Headsets.
Ainda de olho em verticais promissoras, está a vertical de serviços da companhia, que vai desde propaganda, AppleCare, cloud, conteúdo digital, serviços de pagamento e outros. No último ano, trata-se de vertical que cresceu 27%, com US$ 68,4 bilhões em vendas — uma cifra que vem sobre o crescimento de 16% atingido de 2019 para 2020 e de 2018 para 2019.
É uma estratégia adotada pela companhia e divulgada a analistas com maior ênfase, pelo menos desde 2018. “Temos uma base instalada de aparelhos enorme e crescente. Tivemos recordes em muitos produtos na área, como Apple Music, serviços de nuvem, App Store e Apple Care, e o Apple Pay ainda está crescendo exponencialmente”, afirmou Luca Maestri, diretor financeiro da Apple, na teleconferência com investidores em novembro de 2018. Na época, a expectativa do Goldman Sachs era que a receita da Apple com serviços chegasse a US$ 52 bilhões em dois anos.
Diversificar também foi um caminho seguido pelas rivais, inclusive pela rival Samsung. A sul-coreana declarou, há quatro anos, um plano para investir US$ 22 bilhões em inteligência artificial, 5G, carros e tecnologias para o setor biofarmacêutico. A Xiaomi, no mesmo ano, também já usava o negócio de celulares para expandir a oferta de serviços e de publicidade.
Ainda assim, no caso da Apple, está longe de tomar rumos mais certos dentro da geração de receita dentro da companhia. Hoje, menos de 10% do total é formado pela oferta de serviços – o que mostra ao mesmo tempo a força da companhia no hardware mas também coloca em jogo a capacidade de sobreviver em meio a um ambiente mais hostil em geração de receita recorrente.
O que o futuro reserva
Independentemente do caminho que a companhia siga, é inegável a importância que o iPhone teve nos últimos quinze anos não só dentro da própria Apple, mas para o desenvolvimento de todo o setor de tecnologia norte-americano. Direto ao ponto, dá para dizer, sim que a companhia da maçã é uma mola propulsora dos resultados conquistados pelas FAAMNG nos últimos anos.
“O movimento iniciado pelo iPhone, de ter acesso à internet na palma da mão, permitiu que pessoas que jamais poderiam pagar para ter banda larga em casa pudessem acessar informações na palma da mão. Isso contribui para o desenvolvimento de aplicativos ao longo do tempo e até mesmo para o desenvolvimento do comércio eletrônico, pensando de forma mais ampla”, afirma Sequeira.
Pensando apenas no impacto do setor de tecnologia sobre o mercado — e sobre a influência da Apple para esse resultado — em 2021, as FAAMNG tinham um valor de mercado de mais de US$ 8 trilhões, superando o PIB de diversos países. Uma análise feita pela Magnetis em novembro do ano passado mostrou que, de 2016 a 2021, o índice das Big Techs rendeu 992,02% e o S&P 500, principal referência da bolsa norte-americana, 257,89%. Um investimento e tanto.
Mesmo em meio à mudança de direção do mercado, penalizando ações de tecnologia em meio ao temor de recessão global, a companhia ainda mostra desempenho diferenciado. Uma matéria publicada pelo Wall Street Journal aponta que a Apple ainda supera o desempenho da Nasdaq e de muitos outros pares de tecnologia no acumulado do ano — além de ser uma das únicas que ficam em território positivo em uma análise dos últimos 12 meses.
Olhando especificamente para os iPhones, a adoção do 5G pode ser outro ponto a jogar a favor para as vendas da companhia de Cupertino. Nos Estados Unidos, acordos da AT&T, T-Mobile e Verizon estão na disputa para atrair consumidores para as próprias redes e negociações já avançam a passos bem mais largos do que no Brasil.
O futuro de curto prazo da companhia divide opiniões, segundo o WSJ. Enquanto alguns analistas esperam que o fim dos lockdowns na China possa trazer novo fôlego para a venda de iPhones, o banco Morgan Stanley adverte que, em cenário de restrição de gastos, 55% dos respondentes da pesquisa realizada por eles pretendem segurar gastos com eletrônicos.
A companhia parece demonstrar a capacidade de atravessar o período turbulento atual. Assim como a bolha da internet não acabou com todas as empresas do setor, a crise atual não deve mudar o papel de destaque de empresas consolidadas de tecnologia. É um solavanco que vai afetar principalmente empresas menores e que, no limite, pode oferecer uma oportunidade às big techs, dado o preço descontado de ativos.
É para esse futuro que a Apple parece caminhar. Com uma legião de usuários conquistada desde os tempos do iPhone, a companhia parce disposta a se adaptar para o necessário para sobreviver aos próximos bem mais do que 15anos.
Fonte: Exame