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Três anos em três meses: a tecnologia como legado da luta contra a pandemia

Laercio Albuquerque

Artigo de Laercio Albuquerque*

Trabalho remoto, telemedicina, educação a distância e avanço do comércio eletrônico. Em poucos meses, tudo mudou de forma rápida. E empresas e governos tiveram que se adaptar à nova realidade, deixando um legado tecnológico na luta contra a pandemia.

Estamos vivendo um dos períodos mais desafiadores de nossa história. A pandemia que assola todo o mundo nos força a ficar em casa, praticar o distanciamento social e a adotar uma nova rotina em nossas vidas e trabalhos.

Não tem sido um exercício fácil. Contudo, se esta não é a primeira pandemia que a humanidade enfrenta, certamente é a primeira que acontece quando temos do nosso lado uma grande aliada: a tecnologia.

Nos últimos meses, temos visto esforços de todos os lados para se adaptar à nova realidade, onde todos tiveram que recorrer a novas soluções como alternativa aos costumes antes estabelecidos. O resultado disso tem sido uma verdadeira revolução na relação das pessoas com a tecnologia e como a integramos em nosso dia a dia.

Quando olho para os avanços e as mudanças que têm ocorrido desde o início do período de distanciamento social, necessário para se combater a pandemia, não tenho dúvida de que no espaço de menos de três meses, aceleramos no aculturamento digital do cidadão e do consumidor, bem como nos processos digitais dentro das corporações, o que levaria anos para acontecer no ritmo anterior. São três anos em três meses. É como se estivéssemos aprendendo a nadar e de repente fomos jogados ao mar no meio de uma tempestade.

Veja o exemplo do anywhere office, trabalho de qualquer lugar, que já era uma tendência há anos, mas que vinha avançando com lentidão. De uma semana para outra, empresas tiveram que se adaptar a uma nova realidade onde todos estão trabalhando de suas casas, praticamente com a mesma eficiência, produtividade e colaboração que antes. Como eu sempre digo, o futuro do trabalho é sobre o que você faz e não onde você está. De repente, esse futuro foi acelerado, já chegou.

O tão falado trabalho remoto é apenas uma ponta de toda essa transformação. Plataformas inteiras de conectividade, videoconferência e cibersegurança sendo colocadas em total uso em prol de uma transformação em todos os segmentos, incluindo não somente o mercado corporativo, mas também o governo em todas as suas esferas.

O futuro do trabalho é sobre o que você faz e não onde você está

Datacenters sendo redesenhados, as clouds sendo readaptadas, tudo sendo readequado para suprir com qualidade esse crescimento exponencial e iminente na digitalização dos processos e das pessoas.

No Judiciário, órgãos reguladores e tribunais suspenderam os prazos processuais para se adequar a este novo momento e adotaram audiências por videoconferência. Realizaram a digitalização e integração de sistemas, além do treinamento de profissionais e usuários para utilizar as novas ferramentas.

Ou seja, práticas com anos de uso tiveram que ser reconstruídas no espaço de poucas semanas, com um saldo extremamente positivo ao trazer mais agilidade ao Judiciário, e tudo com os devidos padrões de segurança e privacidade que a instituição demanda.

Quem diria tamanho progresso entre cultura e tecnologia. Os julgamentos do Supremo Tribunal Federal e em todas as instâncias da Justiça estão a todo vapor, tudo por meio da tecnologia.

Já na saúde, a tecnologia também está sendo usada tanto para minimizar a exposição das pessoas ao risco de infecção, através de consultas a distância, como para o combate a um dos aspectos mais cruéis da pandemia, o isolamento de pacientes internados de suas famílias.

Por meio da tecnologia de vídeo está sendo possível conectar pacientes e familiares, promovendo um atendimento humanizado nos hospitais, inclusive nos hospitais de campanha.

Por meio da tecnologia de vídeo está sendo possível conectar pacientes e familiares, promovendo um atendimento humanizado nos hospitais

Contudo, estas evoluções ainda esbarravam em regulamentações e legislações específicas para o uso da tecnologia na chamada telemedicina, que conta com uma regulação temporária para suprir o combate da pandemia.

Todavia, antigas discussões sobre o tema, para uma regulação definitiva, certamente voltarão rapidamente e com mais força no momento pós-crise.

Há outros desafios também. De um dia para o outro, milhões de estudantes passaram a estudar de casa. Por conta disso, vimos que mesmo as instituições de ensino privadas e com maior acesso a novas tecnologias não estavam 100% preparadas para o ensino a distância (EAD).

Nas instituições públicas – responsáveis pela educação de 85% das crianças e jovens brasileiros -, principalmente aquelas das comunidades mais carentes, o problema é ainda maior.

Muitas famílias não dispõem de computador, celular e nem mesmo internet em casa, e veem a educação de seus filhos ser prejudicada neste período. Porém, olhando o esforço feito por tantos que estão apoiando no combate à Covid-19, estou otimista de que após a pandemia, o EAD ou estudo online será completamente diferente.

Dúvidas de antes deixarão de existir tendo em vista o vasto conjunto de casos desenvolvidos durante este período de crise.

Outra mudança de hábito fundamental que tem ocorrido, que com certeza será duradoura, é na relação do consumidor com o varejo. A pandemia levou uma legião de consumidores a buscarem alternativas no e-commerce.

Uma pesquisa da NZN Intelligence de março aponta que 71% dos brasileiros buscavam aumentar o volume de compras online após o início da pandemia.

Uma pesquisa da NZN Intelligence de março aponta que 71% dos brasileiros buscavam aumentar o volume de compras online após o início da pandemia

São milhões de brasileiros que estão tendo seus hábitos digitais acelerados a uma velocidade astronômica, e que com as boas experiências de compra dificilmente voltarão a comprar em lojas físicas com a mesma frequência que antes.

Uma nova realidade que obriga varejistas de todos os setores a se adaptarem. Eles se tornarão varejistas digitais para atender a consumidores digitais.

É uma revolução tecnológica, cultural e comportamental que veio para ficar. Seja na nossa vida pessoal e profissional, quando a pandemia passar, muitos não voltarão na plenitude aos seus hábitos anteriores, pois já enraizaram o uso destas soluções para o seu dia a dia.

Contudo, para garantir que o país esteja verdadeiramente pronto para este próximo passo, é fundamental adaptar as nossas leis e regulamentações para acompanhar estas mudanças, não apenas facilitando a adoção de novas tecnologias por todos os setores produtivos, como também garantindo que nenhum deles, assim como nenhum cidadão, fiquem para trás.

E isso é um ponto extremamente importante no legado que pode ser deixado para o progresso do país. Normalmente leis direcionam o comportamento das pessoas e das corporações, agora o comportamento já foi acelerado, três anos em três meses, e as leis precisam acompanhar.

Se não acompanharem, perdemos o bonde. Se acompanharem, damos um passo enorme em prol da eficiência do país e da qualidade de vida do cidadão brasileiro.

E para a construção de uma sociedade digital, precisamos também ajudar todos a se tornarem cidadãos digitais. Para tanto, não basta garantir o acesso à internet a todos brasileiros, mas também garantir a capacitação digital para que o cidadão use a tecnologia plenamente, com todos os benefícios sociais, econômicos e humanos que ela traz.

A pandemia vai passar e um de seus efeitos será a concretização na sociedade da ideia de que a tecnologia deixou de ser luxo e se tornou um bem essencial para a qualidade de vida das pessoas.

Não tenho dúvidas de que venceremos a batalha contra esta doença, mas também acredito que precisamos tirar importantes lições deste período tão difícil.

Com estes ensinamentos e com uma busca por inovação e desenvolvimento tecnológico pensados em prol da sociedade, sem deixar de lado a segurança e o direito à privacidade, tenho certeza que estaremos ainda mais preparados para crises futuras.

*Laercio Albuquerque é presidente da Cisco Brasil. Com mais de 30 anos de experiência no setor de tecnologia, o executivo ocupou importantes posições de liderança no Brasil e América Latina. Antes da Cisco, trabalhou por 20 anos na CA Technologies, onde foi presidente para América Latina, e também passou por BCN, Duratex e Pirelli. É graduado em Análise de Sistemas e Administração de Empresas pela Faculdades Associadas de São Paulo (FASP) e tem MBA Executivo pela Insper.

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