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“Crise de saúde pública afeta economia, mas abre oportunidades”

Saldo econômico e humano negativos, mas as oportunidades para recuperação são enormes

Para superar a crise atual, é imperativo discutir e implementar ações governamentais no campo econômico. Auxiliar as famílias necessitadas no curto prazo, estabelecer uma transição saudável para a retomada da economia no médio prazo e, para o futuro, promover educação financeira que permeie a vida da população e ajude a gerir seu patrimônio em tempos de crise como este. 

É o que pensa o economista e professor do Insper Ricardo Paes de Barros, que participou da concepção do Bolsa Família durante o governo Lula e integrou o governo Dilma entre 2011 e 2015. “Quando a crise de saúde acabar, teremos perdido uma parcela significativa da nossa renda, uma parte da nossa força de trabalho e muitas vidas. Saldo econômico e humano negativos, mas as oportunidades para recuperação são enormes”, diz.

Paes de Barros afirmou, em entrevista ao CNN Brasil Business, que essa recuperação passa por uma ação coordenada entre governos federal, estaduais e municipais. “Uma das maneiras de transitar desse benefício concedido hoje para uma situação de mais normalidade, seria organizar frentes de trabalho para que essas pessoas possam ser empregadas”, explica. “Para organizar e gerenciar essas frentes de trabalho, será essencial a participação do governo local e da sociedade civil.” 

Passada a crise, quando voltarmos a andar nos trilhos, a prioridade deve ser, segundo o economista, promover educação financeira à população. “Nós estamos certamente devendo esta matéria à população, principalmente no ensino médio, e no momento atual vamos sentir falta dela”, afirma. “Deveria fazer parte da política pública encorajar as pessoas a gastar menos e a poupar mais neste momento e precisamos investir nisso no futuro.” Confira a entrevista completa:

Como entende a crise atual e como avalia a atuação do governo até aqui? 

Essa é uma crise de saúde pública em que, exatamente porque não existe nenhum tratamento disponível, a única maneira de proteger a população é o afastamento social. A prioridade nesse momento é a proteção da saúde, dos nossos recursos humanos, e a gente só consegue fazer isso através do distanciamento. 

Obviamente isso tem graves consequências seja para a atividade econômica, seja para a educação. Teremos perdas em qualquer atividade que envolva interação humana. Considero que o governo elaborou um programa extremamente poderoso de transferência de renda, que por um período de pelo menos três meses vai dar um apoio muito sólido para a população mais pobre. 

O governo e a Caixa têm mérito por implementar esse programa e identificar essa população que é bastante invisível. De tudo isso, fica uma lição de que não é vantagem para ninguém ser invisível em relação ao seu governo. Esperamos agora que seja criada uma base de dados para que possamos alcançar quem precisar de ajuda agora e também no futuro.

O que é essa invisibilidade e quais brasileiros estão nesta situação?

Temos uma economia em que grande parte das relações de trabalho são informais. Apesar do crescimento nas últimas duas décadas do emprego formal e da grande ideia de se criar o microempreendedor individual (MEI), que deu visibilidade para muita gente, ainda temos muitos trabalhadores desempregados (sem vínculo formal anterior) e outros tantos informais, que era invisível para o governo. Mesmo aqueles que estão no Cadastro Único, por vezes não têm informações atualizadas. Esperamos que, com as bases de dados que o governo está criando agora, isso acabe.

Pensando em transferência de renda, o que precisaremos fazer no pós-pandemia?

Eu acho que, como país, estamos sendo bastante solidários. Fazendo transferência de renda pouco focalizada e garantindo que todos dentro da população alvo vão receber. A partir do momento em que o Brasil começar uma retomada, não vai ser possível garantir recursos para todos. Vamos depender de um sistema de informação estabelecido em cada localidade para saber quem ainda precisa de transferência de renda e quem conseguiu voltar ao trabalho ou colocar seu negócio de pé outra vez. 

Como isso deve pautar a relação entre governo, estados e municípios?

Na retomada, vai ser praticamente impossível dar atendimento à população que mais necessita sem a participação dos municípios na identificação das necessidades dessas pessoas. Em particular, porque uma das maneiras de transitar desse benefício concedido hoje para uma situação de mais normalidade, seria organizar frentes de trabalho para que essas pessoas possam ser empregadas. 

Há trabalhos de saneamento, limpeza, atendimento e identificação de famílias vulneráveis que podem ser ocupados produtivamente, visando melhorar as condições de saúde pública e o atendimento à população. Essas pessoas, que vão estar desempenhando funções de interesse público, receberiam uma ajuda de custo, uma remuneração do governo e portanto fariam uma transição mais suave dessa situação de receber transferência para um emprego no setor privado. 

Para organizar e gerenciar essas frentes de trabalho, será essencial a participação do governos locais e da sociedade civil. É impossível fazer política social minimamente eficaz sem parceria estreita entre governos federal, estaduais e municipais, inclusive com transferência de recursos da União para manter serviços locais funcionando.

E a economia? Quanto tempo demoraremos para retomar o patamar pré-crise?

Quando a crise de saúde acabar, teremos perdido uma parcela significativa da nossa renda, uma parte da nossa força de trabalho e muitas vidas. Saldo econômico e humano negativos, mas as oportunidades para recuperação são enormes. O mais importante vai ser sair desse crescimento negativo e passar a ter um crescimento positivo. 

Não considero ser uma questão de aumentar o consumo do governo, mas sim de recuperar nossa produção. Para isso, será muito importante o ambiente de negócios. Precisamos dar condições para as empresas recuperarem o seu saneamento financeiro, restabelecer o seu processo produtivo, seus trabalhadores voltarem. A política econômica tem que ser capaz de não atrapalhar o setor produtivo e criar o ambiente mais amigável possível. 

Qual é a importância de se ter acesso à educação financeira num momento como esse?

É muito importante que a população que recebe auxílio entenda que estes recursos não vão continuar sendo recebidos para sempre. Eles precisam utilizar estes recursos com parcimônia e para satisfazer suas necessidades mais básicas, olhando para o futuro com incerteza. Na medida do possível, fazendo ainda alguma poupança precaucionária para que se não voltar a receber esse benefício no futuro, possa satisfazer necessidades básicas com o que guardou. 

Uma gestão financeira adequada é muito importante. Deveria fazer parte da política pública encorajar as pessoas a gastar menos e a poupar mais neste momento. Portanto, se a educação financeira já era importante em tempos normalidade, hoje é ainda mais, já que o nível de incerteza aumentou significativamente. Nós estamos certamente devendo esta matéria à população, principalmente no ensino médio, e no momento atual vamos sentir falta dela. 

Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/business/2020/05/18/estamos-devendo-educacao-financeira-e-vamos-pagar-na-crise-diz-paes-de-barros

Foto: Ricardo Paes de Barros – Divulgação/Insper

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