Paulo Guedes apresentou primeira etapa do projeto do governo, mas ainda há incerteza sobre conjunto total da proposta e como será tramitação no Congresso
Após meses prometendo enviar uma reforma tributária ao Congresso, o governo Jair Bolsonaro decidiu apresentar sua proposta em partes. Na terça-feira (21), o ministro da Economia, Paulo Guedes, entregou ao Parlamento um projeto de lei (PL) que unifica dois impostos complexos (PIS e Cofins) em um único tributo novo, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), com alíquota única de 12%.
Segundo o governo, essa mudança trará simplificação para as empresas pagarem seus impostos e deve reduzir os litígios administrativos e judiciais em torno da cobrança do PIS e Cofins. O princípio do CBS é o mesmo do IVA, imposto sobre valor agregado, adotado em mais de 160 países. Ele é cobrado da empresa no momento da venda dos produtos (bens ou serviços) e, caso esse item sirva de insumo para outra empresa, ele recebe créditos a serem reduzidos do imposto que será cobrando na comercialização final.
A substituição do PIS e Cofins pelo CBS, porém, deve ter impactos diferentes dependendo do setor econômico: algumas empresas podem ter redução de tributos, enquanto outras podem passar a pagar mais, o que deve gerar resistências à aprovação da mudança no Congresso.
De modo geral, especialistas na área tributária ouvidos pela BBC News Brasil consideraram positivo o pontapé inicial do governo para a reforma tributária, destacando a importância de simplificar o sistema. Eles destacaram, porém, que ainda há muita incerteza sobre as demais medidas que o governo promete anunciar e como a reforma tramitará no Congresso, onde outras duas propostas mais amplas, que unificam também impostos estaduais e municipais, são negociadas desde 2019 no Senado e na Câmara.
“Conversei com colegas economistas da área de tributação e o primeiro impacto (com o a proposta do CBS) foi positivo”, afirmou à reportagem Isaías Coelho, ex-chefe das divisões de Administração e Política Tributária do Fundo Monetário Internacional (FMI) e ex-secretário-adjunto da Receita Federal.
“O que vai provocar bastante discussão é como ficam os outros projetos (em análise no Congresso). De alguma maneira esses projetos todos têm que convergir, têm que haver algum projeto de acomodação global, porque todos os governos tributam a mesma vítima, que é o contribuinte. Então, devem fazer isso da maneira que doa menos”, disse ainda.
Próximas etapas
O Ministério da Economia diz que sua proposta de reforma tributária terá mais três etapas e prevê que ao menos uma delas será apresentada em até trinta dias. Além da criação do CBS, haverá mudanças na cobrança de IPI (Imposto Sobre Produtos Industrializados); alterações na tributação da renda de empresas e pessoas físicas; e desoneração da folha de pagamentos.
Nesse último caso, Guedes deseja que a redução de impostos cobrados sobre a contratação de trabalhadores pelas empresas seja compensada com a criação de uma taxa sobre transações financeiras similar à antiga CPMF, proposta impopular que enfrenta resistências no Congresso.
Bolsonaro solicitou ao Congresso que o PL apresentado na terça seja analisado em regime de urgência. Por ser um projeto de lei, a medida tem uma tramitação mais simples que as duas propostas de emendas constitucionais (PECs) em discussão desde o ano passado no Congresso, que traçam reformas tributárias mais amplas.
No entanto, como a proposta do governo para a reforma ainda não foi completamente anunciada, é possível que alguns setores pressionem parlamentares a não aprovar uma parte sem que antes se negocie o todo, analisa o economista do IFI (Instituição Fiscal Independente) Josué Pellegrini.
“Vai ter gente ganhando e gente perdendo (com a mudanças de impostos), isso é inevitável. Pode ser que quem perde queira que se discuta outras etapas da reforma agora, para poder calibrar agora o bolo todo”, afirma.
Segmentos do setor de serviços são os que mais têm criticado a criação de um imposto sobre valor agregado com a alíquota única para substituir o PIS e Cofins.
Isso porque, como esse setor tem cadeias produtivas mais curtas que a indústria, terá menos créditos para abater quando o imposto proposto pelo governo, o CBS com alíquota de 12%, incidir sobre suas vendas. Já o PIS e Cofins têm alíquotas que variam a depender se a cobrança gera créditos cumulativos ou não, mas acabam sendo menor que 12% no caso de cadeias de produção curtas.
Por outro lado, o setor de serviços, que é intensivo em mão de obra, quer muito que seja aprovada a desoneração da folha de pagamentos, proposta que o governo ainda encaminhará ao Congresso.
Pandemia e eleições também dificultam tramitação
Além da resistência de alguns setores, o contexto de pandemia de coronavírus e proximidade das eleições municipais também deixam a advogada tributarista Mirian Lavocat pouco otimista sobre a rapidez com que a reforma seja apreciada no Congresso. Para ela, o governo demorou a apresentar sua proposta e decepcionou ao começar de forma tímida, com uma parte dela.
Ex-conselheira do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), ela considerou positiva a intenção de simplificar o sistema com a criação do CBS, e diz que o texto proposto pelo governo de fato esclarece pontos sobre créditos tributários que reduziriam as disputas judiciais na área.
Por outro lado, ela teme que o CBS, na forma proposta pelo governo, resulte em aumento da carga tributária. Na sua avaliação, o texto apresentado pelo governo estabelece uma base de arrecadação do novo imposto mais ampla do que a base sobre o qual seriam calculados os créditos tributários
“Todo o setor empresarial aguardava muito por essa proposta. Como o próprio governo se intitula um governo reformista, eu esperava mais”, criticou.
Fonte: Época