A estereotipada guerra fiscal emergiu em linhas gerais junto com a autonomia de determinados entes da Administração Pública Direta, com incentivos nos impostos de sua competência e o objetivo de captar a atenção de empresas e investidores. A intenção era que eles enraizasem seus negócios na região, e dessa forma, alavancassem sua economia e a arrecadação tributária.
O embate assevera-se ainda mais no que tange ao ISS. Além da disparidade do que se refere à alíquota, tendo em vista a autonomia dos municípios em regrar esse percentual dentro dos limites estabelecidos, há tempos que a famigerada controvérsia atinente à localidade do recolhimento é de fato uma vertente que onera os contribuintes de forma geral.
Nesse contexto, e com o advento da lei complementar nº 116/2003 que, em conjunto com a CRFB 88 e a EC n° 37/2002, regula as diretrizes gerais no que se refere às relações desse tributo, foi proporcionada maior roupagem legal à sua cobrança e instituição.
Como exemplo, podemos citar a definição da prerrogativa de competência para os municípios definirem a responsabilidade pelo crédito tributário à terceira pessoa; a alíquota máxima de 5%; definição como fato gerador à prestação de serviços que constam na lista anexa à referida lei.
Já no que tange ao local do recolhimento, a referida legislação segregou diversos tipos de serviço. De modo que a regra geral dispõe que o ISS deve ser recolhido no município onde está sediado, seja pelo prestador ou, na falta dele, no local de sua residência. Porém, há exceções que estabelecem o recolhimento onde o serviço é de fato prestado.
Vale destacar que, na hipótese de o serviço ser proveniente do exterior ou quando sua prestação tenha sido iniciada no exterior, o tributo será devido na sede do tomador ou intermediário. Outra hipótese é que ele seja recolhido no local da instalação dos equipamentos, no caso dos serviços de cessão de andaimes, palcos, coberturas e outras estruturas de uso temporário.
Por fim, outra suposição é que ela ocorra no local da demolição para os serviços de demolição; ou ainda no local do município onde está sendo executado o transporte, no caso dos serviços de transporte de natureza municipal, entre outros.
Amparado pela defesa de seus próprios interesses e visando aumentar suas respectivas receitas primárias, comumente são vislumbrados entraves entre municípios, que, de um lado, afirmam que o aludido imposto deve ser recolhido no município onde a empresa prestadora do serviço está localizada. De outro lado, há aqueles que defendem o recolhimento do ISS no local onde o serviço foi prestado, emergindo por derradeiro duas tributações atreladas a um mesmo fato gerador concreto, ou seja, com bitributação para o contribuinte.
Atualmente, em razão da problemática mencionada, há municípios em três cenários distintos que pleiteiam e exigem a arrecadação do ISS para si. O município em que os serviços produzidos são disponibilizados ao tomador; aquele em que ocorre a produção dos serviços prestados, e ainda um terceiro que reivindica a receita do ISS por abarcar as sedes administrativas das empresas prestadoras do serviço.
Diante disso, as diretrizes precisam ser conscientemente delimitadas, com regras claramente conhecidas por todos, sem qualquer tipo de possibilidade de interpretação dúbia que favoreça um ou outro município. A situação atual é um evidente desvio de finalidade do legislador que favorece claramente os administradores públicos que burlam a letra da lei, ao utilizar interpretações tortuosas para arbitrariamente compelirem os contribuintes quanto ao recolhimento do tributo.
Uma alternativa que seria factível e que, certamente, desoneraria a bitributação seria o compartilhamento da receita intermunicipal, em situações como as acima descritas, apesar de cabalmente obstado por força da onerosa operacionalização do procedimento citado.
Nesse cenário, o município de São Paulo criou a partir de 2006 o CPOM – Cadastro de Prestadores de Outros Municípios, e o CENE – Cadastro de Empresas Não Estabelecidas, como é chamado em outros municípios, com o propósito de combater a sonegação, prevendo que empresas de outros municípios façam um cadastro prévio e comprovem por meio de um rol probatório, como contas telefônicas, IPTU, entre outras, que possuem o estabelecimento extramunicipal.
Já em hipótese contrária, ou seja, quando a empresa não está cadastrada na referida plataforma, ou não consegue comprovar a sua localidade, o tomador do serviço, isto é, o seu cliente, é compelido a fazer a retenção do ISS. Hipótese ainda em que a referida empresa fica suscetível de ser cobrada no domicílio onde supostamente está instalada. Em outras palavras, paga-se duas vezes o mesmo imposto.
Diante disso, na tentativa de cercear e por fim na referida penumbra, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou no dia 2 de dezembro de 2019 uma proposta que prevê a transição para que o ISS, a cargo dos municípios, passe a ser pago para a cidade onde os serviços são de fato prestados. Tal regimento vale para serviços de planos de saúde; planos médico-veterinários; administração de fundos, consórcios, cartões de crédito e débito, carteiras de clientes e cheques pré-datados; e serviços de arrendamento mercantil (leasing).
A proposta original prevê uma transição pela qual, até o fim de 2020, 66,5% do ISS desse tipo de serviço deverá ser destinado ao município do local do estabelecimento do prestador do serviço, e 33,5% ao município do domicílio que contratou. Em 2021, 33,5% do ISS ficará com o município do local do estabelecimento do prestador do serviço, e 66,5% com o município do domicílio do tomador dos serviços. Em 2022, 15% ficará com a cidade do prestador do serviço e 85% com o tomador dos serviços. Já a partir de 2023, 100% do ISS ficará com o município do domicílio de quem contratou o serviço.
A proposta acima, apesar de embrionária, necessitará ainda do crivo do Senado e do Presidente da República, mas pode representar um sinal de elucidação de definição legislativa, a fim de obstar a inevitável e certeira enxurrada de ações, possivelmente derradeira no início do prosseguimento da consignação em pagamento do tributo por parte das empresas, até que a questão relativa ao efetivo destino do tributo seja dirimida de uma vez por todas.
Por Matheus Marques Borges, advogado da FH