Todos os dias, o técnico em informática Edson Pereira da Silva, de 35 anos, visitava gráficas e universidades para alugar e fazer a manutenção de impressoras em São Paulo. Mas a pandemia fechou as universidades e reduziu drasticamente o trabalho nas gráficas. Em outubro de 2020, ele foi demitido.
Edson, que mora com a esposa e o filho de 3 anos no Itaim Paulista, no extremo leste de São Paulo, agora está desempregado e a família sem sua principal fonte de renda. Mesmo assim, eles não terão o direito de receber o auxílio emergencial.
“Estou tentando entrar no aplicativo (para solicitar o auxílio) e não tenho chance. Se o governo liberasse esse valor, eu conseguiria ir ao mercado comprar pelo menos alguma coisa. A gente necessita muito de arroz e feijão. Só o pacote de arroz está R$ 22 reais”, afirmou.
O Brasil encerrou o primeiro trimestre com 14,2% de desempregados, a maior taxa já registrada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE na série histórica, iniciada em 2002. São 14,3 milhões de pessoas sem trabalho.
Com a nova regra do auxílio emergencial deste ano, o governo diminuiu o número de pessoas que terão direito ao benefício. Em 2020, 68 milhões de pessoas receberam o socorro financeiro para amenizar os efeitos da crise econômica causada pela pandemia do coronavírus.
Já neste ano, a ajuda federal será destinada a cerca de 40 milhões de famílias, 28 milhões a menos. E, ao contrário de 2020, quando o auxílio era de R$ 600 e depois de R$300, agora ele será limitado a um pagamento por núcleo familiar e terá valores entre R$ 150 e R$ 375.
De acordo com o economista e diretor da FGV Social, Marcelo Neri, não é possível dizer quantas pessoas tinham renda em 2020, perderam o emprego e não terão direito ao benefício neste ano. Porém, ele afirma que a ausência do auxílio pode causar um “efeito devastador” nessas famílias.
“São pessoas que estão numa situação crítica por muito tempo, então ela acaba ficando crônica. O seguro desemprego é pago no máximo durante seis meses. Então, quem deu azar de ficar desempregado durante a pandemia ou ter o contrato suspenso, agora ficará sem o auxílio”, afirmou.
Esse é o caso do técnico Edson Silva, que recebeu cinco parcelas do benefício. A última foi em março deste ano.
“Eu estou trabalhando como motorista de aplicativo para pagar a prestação do carro. Está bem apertado e eu estou bem preocupado. Não sei o que vai ser daqui para frente. Já enviei muitos currículos pela internet porque a gente não pode abaixar a cabeça. A empresa onde eu trabalhava disse que só deve contratar novamente depois de dois um três anos, quando se recuperar da crise”, afirmou.
Efeito menor do auxílio na redução da pobreza
Um estudo feito pela FGV Social, a partir de microdados extraídos da PNADC e da PNADCovid, apontou que o impacto do auxílio emergencial na redução da pobreza este ano será menor que em 2020.
De acordo com o estudo, em abril de 2021, com a volta do auxílio, o número de pobres caiu de 12,83% para 10,34%. Isso representa 5,3 milhões de pessoas que saíram da pobreza (R$ 246 por pessoa ao mês). Ainda assim, 22 milhões de brasileiros devem continuar sobrevivendo com menos de R$ 8,20 por dia em abril.
De acordo com o economista Marcelo Neri, em agosto de 2020, a população pobre no Brasil chegou ao seu menor número desde o início da série histórica, iniciada em 1976, graças ao auxílio emergencial. Na época, 9,5 milhões de pessoas estavam vivendo com menos de R$ 246 por dia- 4,52% da população.
Com a nova regra deste ano, as pessoas que vivem sozinhas receberão quatro parcelas do auxílio no valor de R$ 150 cada. As famílias com duas ou mais pessoas terão direito a R$ 250 durante o mesmo período. No último ano, eram permitidas até duas cotas por núcleo familiar.
Na avaliação do economista Marcelo Neri, o governo poderia ter estendido o benefício a mais pessoas.
“É melhor dar para quem não precisa do que faltar para quem precisa. Não estamos falando apenas de pobreza, mas também de risco de vida. O governo talvez tenha sido muito generoso no começo e pouco no meio e essa instabilidade é ruim, principalmente para os pobres”, afirmou.
Doações à população pobre também diminuíram
A situação fica ainda pior com a falta de doações.
Segundo o monitor das doações de covid-19, balanço feito pela Associação Brasileira de Captadores de Recursos, nos meses de abril, maio e junho de 2020, as empresas chegaram a doar em média R$ 58 milhões por dia.
Esse valor caiu para R$ 6 milhões de julho a setembro e para R$ 2 milhões de outubro a dezembro. A média de janeiro a março de 2021 é de cerca de R$ 800 mil.
Segundo o economista Marcelo Neri, isso ocorre porque estamos passando por um momento onde a maioria está numa situação crítica, então poucos podem ajudar.
“Todo mundo está na parte baixa da montanha-russa. E quando está todo mundo numa situação ruim, as pessoas não conseguem se ajudar. Nossa percepção é a de que a própria sociedade civil está ajudando as comunidades mais carentes”, afirmou.
Fonte: BBC