Em “Nem Negacionismo Nem Apocalipse”, Gesner Oliveira e Arthur Villela Ferreira se propõem a discutir os desafios ambientais globais com um olhar brasileiro, sob o argumento de que o país tem um perfil de emissões de gases poluentes bem diferente da média mundial.
O livro surgiu da percepção de que o material didático do curso de Economia e Meio Ambiente, da Escola de Administração da Fundação Getúlio Vargas, era “praticamente todo de origem norte-americana ou europeia, com enfoque em questões que não são necessariamente as nossas”.
Daí, o subtítulo “Economia do Meio Ambiente: Uma Perspectiva Brasileira”. Os autores pontuam que, enquanto a geração de eletricidade e o transporte representam 53% das emissões globais de gases do efeito estufa, no Brasil, 60% das emissões vêm de atividades ligadas ao agronegócio ou ao desmatamento.
Já o setor de energia, majoritariamente renovável, é responsável por apenas 8% das emissões brasileiras. Esse perfil, afirmam Oliveira e Ferreira, “representa uma oportunidade de diminuição comparativamente mais rápida das emissões, por meio do controle das atividades ilegais ligadas ao desmatamento”.
O livro é dividido em duas partes principais. Na primeira, os autores expõem de forma bastante didática teorias e conceitos econômicos e de funcionamento de mercados que embasarão os debates setoriais da segunda parte da obra.
Na parte final, são discutidos os principais problemas e apresentadas propostas de soluções de uma série de atividades econômicas, do transporte à produção de bens, algumas de mais fácil outras de mais difícil implementação em um país com sérias restrições fiscais e elevada informalidade na economia.
Para o principal desafio —as emissões ligadas ao uso de terras—, há propostas comportamentais já em disseminação pelo mundo, como a substituição de proteína animal por outros tipos de proteína. Caso o rebanho brasileiro de gado fosse um país, diz o estudo, seria o terceiro maior emissor global de gases do efeito estufa.
Entre as soluções propostas neste sentido, há desde a proteína de insetos, que tende a ganhar força ao ser usada em produtos processados, às já razoavelmente populares proteínas vegetais que emulam carnes de animais, como gado ou peixe. O desenvolvimento das chamadas “carnes limpas”, produzidas em laboratório, tende a ampliar o leque de opções.
“Isso já está se concretizando, com a oferta de hambúrgueres vegetais em redes de lanchonetes como a americana Burger King e a brasileira Lanchonete da Cidade”, dizem os autores. A diferença na pressão pelos recursos naturais é sensível, afirmam: a produção de um hambúrguer da Impossible Foods usaria 96% menos área e 87% menos água do que um tradicional.
O segundo problema é de mais difícil solução, já que depende de um esforço das autoridades no combate à secular prática de grilagem de terras públicas no país. É um problema “de múltiplas dimensões, com ramificações na economia, na política, no meio ambiente e na segurança pública”, ressaltam Oliveira e Ferreira.
O “ciclo da grilagem” tem como principal objetivo lucrar com a venda das terras após sua regularização, mas se inicia com o desmatamento e queimadas para abrir pastos e passa geralmente pela produção de gado de baixa produtividade e pelo cultivo de soja, para ampliar o valor do terreno. É alimentado por dificuldades e falhas na fiscalização, apoio político e programas de anistia a invasores.
Os autores frisam que 16,6% das terras no Brasil não estariam tituladas, uma área equivalente ao tamanho da França, Alemanha e Espanha somadas. Além dos efeitos do desmatamento, essas áreas “sem dono” não têm a produção certificada e nem acesso a financiamento ou programas para melhorar a produtividade.
Ao propor soluções para outros setores, como coleta de lixo, os autores destacam que a existência de uma “economia subterrânea” gera assimetrias que dificultam a implantação de políticas públicas: como impedir, por exemplo, que um cidadão decida simplesmente jogar seu lixo na porta de casa para evitar pagar uma taxa pela coleta mais sustentável?
A ilegalidade é um desafio também no enfrentamento do maior problema. Mesmo com medidas importantes como as moratórias da carne e da soja, que visam eliminar a compra de produção de terras ilegais, há diversos mecanismos para driblar a fiscalização, como “esquentar” os produtos em fazendas legalizadas antes de vender ao próximo elo da cadeia.
Os autores concluem que “nada será como antes” após a pandemia, que trouxe novo foco ao debate ambiental, mas o crescente poder político de bancadas ligadas ao agronegócio e exemplos de desmandos na área ambiental de um governo que costuma receber em seus gabinetes suspeitos de atividades ilegais indicam que é preciso quebrar estruturas políticas para obter avanços no Brasil.
Fonte: Folha