Grandes investidores internacionais vão esperar um “firme compromisso político do recém-nomeado ministro do Meio Ambiente com a redução do desmatamento” antes de retomar seus negócios com o Brasil, afirmou nesta quinta (24) Jan Erik Saugestad, principal executivo da gestora norueguesa Storebrand, sobre a exoneração de Ricardo Salles e sua substituição por Joaquim Pereira Leite.
“Gostaríamos de continuar apoiando o crescimento econômico brasileiro como investidores, mas a tendência de aumento do desmatamento no Brasil torna cada vez mais difícil para empresas e investidores atender às suas ambições ambientais, sociais e de governança”, afirmou o executivo.
Segundo ele, a evolução da situação em 2020 “ressalta a urgência nesse assunto, e esperamos ver um firme compromisso político do recém-nomeado Ministro do Meio Ambiente com a redução do desmatamento”.
Saugestad foi um dos líderes de um grupo de 29 grandes fundos, administradores de US$ 4,1 trilhões (cerca de R$ 20 tri, pelo câmbio atual) em ativos, que no ano passado fizeram um movimento de protesto contra o desmonte de políticas ambientais no Brasil.
“O Brasil foi considerado um modelo para o mundo em certos indicadores ambientais, com redução do desmatamento e das emissões de carbono na década de 2000 e início de 2010”, ressaltou nesta quinta o executivo.
Ele acrescentou, porém, que “o mandato de Salles desde 2019 foi marcado por altas taxas de desmatamento na floresta amazônica e uma série de investigações sobre supostas irregularidades”, o que exige evidências práticas de mudança com sua saída.
De acordo com Saugestad, políticas que garantam a gestão sustentável do ecossistema são do interesse não só dos investidores —que precisam prestar contas a seus parceiros, clientes e sociedades— mas também às empresas, populações e governos envolvidos.
A saída de Salles não foi vista por ambientalistas como um sinal imediato de mudança nas políticas brasileiras, porque seu substituto, Joaquim Pereira Leite, era próximo ao ex-ministro e seu secretário da Amazônia e Serviços Ambientais.
Nos EUA, a sensação é a mesma. Investidores e analistas ouvidos pela Folha dizem que a troca no comando do ministério não deve mudar o ritmo da entrada de dinheiro estrangeiro no Brasil, que ainda não decolou durante o governo Bolsonaro.
A avaliação é que a saída de Salles tem um verniz positivo, visto que o agora ex-ministro é investigado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), mas não é suficiente para cristalizar entre esses investidores a percepção de que haverá mudança de fato na política ambiental do Brasil.
No governo Bolsonaro, Leite também ocupou a diretoria do Departamento Florestal da pasta. O currículo do novo ministro inclui ainda passagem por empresas de consultoria e do ramo farmoquímico, além de um período como conselheiro da Sociedade Rural Brasileira.
Desde o início do governo Bolsonaro, investidores estrangeiros dizem esperar o que chamam de melhor momento para colocar dinheiro no Brasil. Eles já não estavam otimistas com o país e agiam com bastante cautela, que escalou nos últimos meses, com a piora da pandemia e a intervenção de Bolsonaro no comando da Petrobras.
O Brasil tem perdido relevância global por causa da piora de seus indicadores econômicos e não possui grau de investimento há algum tempo. A troca do ministro do Meio Ambiente, portanto, é insuficiente para mudar a fraca rota de investimentos caso não venha acompanhada de mudanças de fato nas práticas da pasta.
A eurodeputada alemã Anna Cavazzini afirmou nesta quinta que o que importa não é o ministro, mas “os resultados de seu trabalho em termos de proteção ambiental”.
Cavazzini, que integra a delegação do Parlamento Europeu para relações com o Brasil e é membro da Comissão de Comércio Exterior e o Grupo de Trabalho de Conduta Empresarial Responsável, tem sido uma das políticas europeias mais críticas do desmatamento da Amazônia.
“Com as taxas de desmatamento atingindo níveis recordes em maio, e as autoridades brasileiras apresentando medidas que prejudicarão os povos indígenas e o meio ambiente”, segundo ela, serão necessárias “mudanças mais profundas e avanços concretos e mensuráveis ??para convencer os tomadores de decisão europeus da legalidade e sustentabilidade da agricultura brasileira e indústrias de mineração”.
Para Cavazzini, a renúncia de Salles poderia propiciar “um retorno a políticas e práticas ambientalmente corretas no Brasil, mas esta será uma oportunidade perdida, a menos que o presidente [Jair] Bolsonaro esteja disposto a mudar significativamente seu curso”.
Integrante do partido Verde, a eurodeputada fez parte de um grupo de parlamentares que no ano passado pediu ao Congresso do Brasil que não deixassem avançar projetos como o do chamado “projeto de lei da grilagem” (PL 2633/2020), alterações no sistema de licenciamento ambiental (PL 3.729 / 2004) e na pesquisa e extração de recursos em terras indígenas (PL 191/2020).
Fonte: Folha