O ministro Paulo Guedes (Economia) divulgou neste domingo (26) um material apontando avanços promovidos na reforma administrativa aprovada na comissão especial da Câmara dos Deputados, apesar de o texto já ter sido desidratado antes mesmo de chegar ao plenário.
Guedes enviou dois arquivos a jornalistas por um aplicativo de mensagens. Um deles, de três páginas, compila perguntas e respostas sobre a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) aprovada na madrugada da última sexta-feira (24) pela comissão especial da Câmara.
No documento, ele fala sobre a estabilidade dos servidores, um dos pontos alterados pelo relator na comissão especial, Arthur Maia (DEM-BA). Em seu parecer, ele estendeu a estabilidade a todos os novos servidores, ainda que com a possibilidade de demissão em caso de desempenho insuficiente.
No arquivo encaminhado, Guedes defende que a PEC “moderniza a gestão pública ao definir critérios objetivos para demissão do servidor, atual e futuro, por baixo desempenho, e prever que futuros servidores, mesmo estáveis, perderão o cargo se este for considerado obsoleto ou desnecessário.”
O outro arquivo enviado pelo ministro compila 21 pontos listados como avanços promovidos pela reforma, entre eles a eliminação de distorções e benefícios para novos servidores e a possibilidade de desligamentos em caso de cargos que venham a ser considerados obsoletos ou desnecessários.
A iniciativa do ministro ocorreu poucos dias após a aprovação do texto na comissão especial da Câmara dos Deputados. Apesar da defesa de Guedes, a avaliação de especialistas é de que a PEC deixa a desejar em muitos aspectos, em especial por não atacar alguns dos pontos que mais geram insatisfação na administração pública.
“A PEC em si é um erro. Não precisa de uma nova PEC para incluir uma avaliação de desempenho, que é a coisa mais importante”, afirma a economista Elena Landau, que comandou o programa de privatizações no governo FHC.
Na avaliação de Landau, houve um foco excessivo na discussão sobre estabilidade do servidor, “o que é um erro.” “Estabilidade é um ganho democrático. O funcionário público tem que ser preservado de perseguição política em mudanças de governo.”
Além disso, continua, uma das únicas justificativas para o governo encaminhar uma PEC seria incluir outros Poderes —o que não ocorreu. “Como pode, além de não incluir outros Poderes, trazer privilégios para forças policiais? Só piora.”
“O texto continua muito ruim. O relator usa a PEC para colocar conceitos e atribuições que vão, no futuro, engessar uma reforma de carreiras e a regulamentação de uma avaliação de desempenho”, diz a especialista Ana Carla Abrão Costa.
Guilherme Tinoco, assessor especial da Fazenda de São Paulo, vai na mesma linha. Segundo ele, as reformas econômicas estão sendo desfiguradas, “não servem ao propósito original e às vezes até prejudicam.”
Tinoco ressalta que a reforma administrativa não coloca em vigor um sistema mais “meritocrático” e ainda protege vários interesses corporativos. “Não é, no geral, uma boa reforma. As mudanças que estão sendo feitas agora parecem mais para marcar um posicionamento do que para resolver de verdade os problemas.”
Para o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, a reforma administrativa é uma oportunidade perdida de avançar na reestruturação do setor público.
“Não creio ser suficiente fazer as mudanças apenas para quem entrar no sistema, não será o bastante para equilibrar o crescimento do gasto público esperado para os próximos anos”, diz. “Além disso, há medidas que também beneficiam sobremaneira a carreira militar em detrimento do que deveria ser entendido como isonomia em uma reforma administrativa. É mais uma reforma em que a pressa poderá parir algo ruim.”
O economista-chefe da Necton, André Perfeito, pondera que, apesar de não resolver os principais problemas, a reforma pode diminuir a tensão sobre a discussão do tamanho do Estado e ajudar os gestores públicos.
“O governo deve se beneficiar da aprovação da reforma, por estar gastando muita energia com ela. Mas isso não deve afetar as percepções do mercado sobre a dinâmica de juros, por exemplo.”
Na Câmara, o texto também é alvo de críticas. Para o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), a PEC traz avanços nos instrumentos de cooperação entre iniciativa privada e serviço público, na avaliação de desempenho e no corte de gastos em períodos de crise fiscal. “Mas é fundamental incluir membros de Poderes, o que farei em destaque apresentado em plenário, para que seja justa e para todos.”
O deputado professor Israel Batista (PV-DF), presidente da frente parlamentar Servir Brasil, de defesa do serviço público, afirma que o relatório de Maia “ficou muito ruim para os servidores e para o serviço público de uma forma geral.”
“Ele retomou artigo que permite várias hipóteses de terceirização, com os acordos de cooperação”, critica. “A redução da jornada de trabalho até 25% quando for atingido o limite de gastos com pessoal também é outra preocupação, e nós entendemos que ela pode atingir inclusive servidores de carreiras típicas.”
A expectativa do deputado é que a disputa no plenário seja muito acirrada. “Nós entendemos que, se a votação fosse hoje, o governo não teria os 308 votos [mínimo para aprovar uma PEC]. Mas sabemos também que as negociações estão muito intensas.”
Avanços citados por Guedes
- Eliminação de distorções e benefícios para novos servidores, como férias superiores a 30 dias e promoções baseadas exclusivamente em tempo de serviço
- Aprimoramento das regras de avaliação de desempenho individual, que deverão contribuir para o alcance dos resultados institucionais do órgão ou entidade, com definição de parâmetros claros e objetivos
- Eficiência para a atuação da Administração Pública: dá flexibilidade para ajustes dos quadros de pessoal, mediante desligamento de futuros servidores que exerçam atividades obsoletas ou desnecessárias
- Regras mais claras e ampliação das possibilidades de contratação temporária. Retira a subjetividade presente na atual redação constitucional e deixa expressa a possibilidade de contratação para atividades permanentes, desde que de natureza estritamente transitória
- Em situação de crise fiscal, inclusão de medida que permite a redução da carga horária no limite de 25%, com correspondente redução de remuneração, antes que seja aplicada medida mais drástica de demissão de servidor, hipótese já prevista no texto atual da Constituição
- Definição das atividades exclusivas de Estado: resolve lacuna existente no texto constitucional desde 1998
- Estabelecimento de extinção do vínculo e aposentadoria compulsória para empregados públicos da administração direta, autárquica e fundacional que atingirem 75 anos, padronizando a regra já aplicável a outros empregados
Fonte: Folha