“Todo incêndio começa podendo ser apagado com o pé”, diz o advogado e empreendedor Rogerio Cavalcante. Sob essa premissa, ele fundou em Jundiaí, interior de São Paulo, a Um Grau e Meio —meta para o aumento da temperatura na Terra estabelecida pelo Acordo de Paris, em 2015.
A empresa vende o serviço de monitoramento de focos de incêndio em plantações e matas nativas. Para isso, instala câmeras que identificam ocorrências em um raio de 15 quilômetros. “Nós reduzimos o tempo de detecção de horas para três minutos”, afirma.
A startup é uma das cinco brasileiras selecionadas para se apresentarem na COP26, a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas que este ano ocorre em Glasgow, na Escócia, no final de outubro. Ao seu lado estão Eco Panplas, Tesouro Verde, Lemobs e Scipopulis.
Elas estão participando de uma imersão de sete semanas no ecossistema de inovação tecnológica pelo meio ambiente. Na fase atual, estão em contato com as empresas selecionadas dos outros nove países participantes. A última etapa é uma rodada de apresentação de suas empresas para líderes da sociedade civil, políticos e grandes investidores que estarão na conferência.
Para Cavalcante, a vitrine que o evento representa será de grande valia. A sua empresa está em um esforço de internacionalização e em processo de abrir filiais na Índia e em Portugal. Além disso, um contrato com a empresa de alimentos JBS com foco no pantanal deve aumentar a área monitorada para 6,5 milhões de hectares, sendo 3,5 milhões de área nativa.
O COP26 Global Scale-Up Programme, como foi batizado (e que pode ser traduzido como Programa Global para Empresas em Crescimento), é inédito. Ele foi gestado pela CivTech Alliance, uma rede de organizações criada para trocar experiências de gestão pública.
Nessa aliança estão a InvestSP, organização social vinculada à Secretaria de Fazenda e Planejamento do estado de São Paulo, o IdeiaGov, hub de inovação liderado pelas Secretarias de Desenvolvimento Econômico e de Governo do estado e pela Procuradoria-Geral do Estado, e o BrazilLAB, hub que conecta empreendedores com o poder público. Os três foram os responsáveis por coordenar a seleção de startups no Brasil.
Foram 18 projetos escolhidos em dez países do mundo nas áreas de resiliência ambiental (que envolve, por exemplo, reaproveitamento da terra e proteção do meio ambiente), redução do desperdício de comida e descarbonização do transporte.
A área ambiental é a mais representada na sigla ESG (termo para boas práticas ambientais, sociais e de governança) no Brasil, segundo dados divulgados em setembro deste ano pela plataforma Distrito, que periodicamente produz relatórios do cenário de inovação no Brasil. São 315 startups envolvidas com o tema no país, 35 a mais que as da categoria social e 40 a mais que as de governança corporativa.
Apesar da liderança, é a última em relação a investimentos dos últimos dez anos. Foram US$ 1,055 bilhão investidos nas startups que atuam na área social, US$ 495,1 milhões nas de governança e U$ 239,5 milhões nas que se dedicam ao meio ambiente.
“Um dos nossos objetivos é levar nossa solução tecnológica para vários lugares do mundo, e a COP26 é uma oportunidade muito boa de dar essa visibilidade e participar das discussões”, afirma Felipe Cardoso, fundador da Eco Panplas, outra empresa selecionada.
A solução a que se refere é viabilizar a reciclagem de plástico contaminado. Fundada em 2014, a empresa oferece uma alternativa à agua para descontaminar embalagens, especialmente as de óleo lubrificante. “Cada litro de óleo é capaz de contaminar 1 milhão de litros de água”, explica Cardoso.
Os equipamentos que eles patentearam separam completamente o plástico do óleo sem precisar gastar tanta água quanto no método tradicional. “No nosso caso a gente recupera o óleo e ele se transforma em um subproduto, é vendido”, explica.
Cardoso afirma que o negócio se tornou rentável porque eles conseguem vender esse plástico para a indústria com um valor 10% mais baixo do que a matéria-prima virgem.
Ele afirma que viu uma possibilidade de negócio e propósito trabalhando em grandes indústrias. “Os recicladores não tinham uma solução e a indústria queria ficar livre desses materiais, que têm alto poder de contaminação”, explica.
Com uma unidade em Hortolândia, no interior de São Paulo, eles planejam mais seis plantas nos próximos cinco anos.
Na área de redução de desperdício da comida, o Brasil enviará à COP26 a Lemobs, que desenvolveu um software que otimiza a logística de produção de refeições em escolas públicas. Esse é um dos projetos voltados para gestão pública que a GovTech, localizada no Parque Tecnológico da UFRJ, desenvolveu.
O produto é fruto de uma experiência em Maricá (RJ), explica o fundador da empresa, Sérgio Rodrigues. “A gente identificou que havia muito desperdício em função do processo manual de solicitação de alimentos”, afirma. Troca de merendeiras, chuvas e ausência de alunos, por exemplo, interferem na demanda e na oferta.
A startup mapeou, então, informações como peso, altura, alergias e intolerância alimentar de cada estudante. “A solicitação de alimentos passou a ser baseada na necessidade nutricional daquele conjunto de alunos”, explica. Com isso, afirma, os erros em solicitação de pedidos diminuíram 20%.
O software que organiza esses pedidos é entregue às escolas junto com um tablet. “A solicitação de alimentos é mediada por esse aplicativo, que calcula as quantidades do pedido”, explica Rodrigues. O programa ainda sugere cardápios —que são preparados anualmente em conjunto com as nutricionistas da escola— e alimentos locais.
Rodrigues conta que percebeu o impacto que a tecnologia poderia gerar no meio ambiente quando fazia o doutorado na UFRJ e participou do desenvolvimento do aplicativo Lixo Zero. Lançado em 2013, ele foi usado pelo governo na Copa do Mundo de 2014 e nas Olimpíadas de 2016.
“A lei de limpeza urbana já existia, mas quase ninguém era multado. Com o aplicativo, houve quase 60% de redução de lixo na rua”, afirma. “Isso gerou em mim e nos outros sócios o estalo de que a gente poderia trabalhar com meio ambiente e tecnologia juntos, além de empresariar.”
As outras duas inciativas selecionadas foram a Tesouro Verde e a Scipopulis.
A primeira é uma plataforma pública criada em 2008 pela Secretaria da Fazenda de Goiás e pelo programa Brasil Mata Viva. Por meio de blockchain, a plataforma é um instrumento de crédito que quantifica florestas nativas preservadas e as transforma em potenciais recursos financeiros. Os chamados “créditos verdes” podem ser adquiridos por empresas, para compensar o uso de recursos naturais, ou voluntariamente por pessoas físicas.
Já a Scipopulis é uma empresa fundada em 2014 que transforma grandes bases de dados de transporte público em mapas e gráficos de fácil visualização que auxiliam a gestão pública da mobilidade urbana. O Trancity, nome da ferramenta, já foi implementado em grandes cidades da América Latina, como São Paulo, Rio de Janeiro e Santiago, no Chile.
A COP26 vai ocorrer dois meses após relatório do IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU) mostrar que há impactos das mudanças climáticas que não são reversíveis no prazo de séculos ou até milênios.
“A compensação não vai resolver o problema. As empresas devem olhar para as suas práticas internas, para ações efetivas de como reduzir as emissões para somente em um terceiro momento, quando esgotadas as duas primeiras alternativas, usar a compensação”, afirma Rogerio Cavalcante, da Um Grau e Meio. “O que está havendo é uma inversão, o caminho mais curto.”
O relatório mostra que a crise climática já agrava secas, tempestades e temperaturas extremas. Nos próximos 2.000 anos, o nível médio global do mar deve elevar de 2 a 3 metros se o aumento da temperatura ficar contido em 1,5°C. Um aumento de até 2°C já elevaria os mares em um intervalo de 2 a 6 metros.
“Se nós continuarmos emitindo a quantidade de CO2 que estamos emitindo, não vamos conseguir brecar o aquecimento global até 1,5 °C”, diz Cavalcante.
Fonte: Folha