Trabalhei muito tempo em agência de propaganda.
Tinha cliente que passava briefing sólido, consistente, com todas as pegadas, pra que pudéssemos elaborar planejamento sólido e criar peças que de fato faziam o consumidor ser impactado e entender que não poderia mais viver sem aquele produto ou serviço, diante de diferenciais tão essenciais e claros.
Tinha cliente pra quem o briefing era algo do tipo “se vira nos 30”. A gente não usa essa expressão, mas até que poderia combinar com o fato de comerciais em TV geralmente serem de 30 segundos. Na verdade, pra esse grupo de fregueses, o briefing não tinha nada que desse pra criar em cima. E a agência que se virasse.
A propaganda é a alma do negócio
O curioso é que ambos os tipos de cliente sempre pareciam aliviados depois de falar com a agência. A partir daquele momento passava a ser nossa a responsabilidade de fazer a magia acontecer. Com ou sem bom briefing.
Magia acontecer queria dizer: fazer a marca decolar e vender e vender e vender. A crença sempre foi que a propaganda era a alma do negócio.
Hoje sou cliente, como se fala, ou seja, anunciante, marketing. E continuo ouvindo de colegas, de alunos, de clientes, a mesma coisa: a comunicação (up grade de propaganda) é a alma no negócio. Será?
O produto é a alma do negócio
Vamos separar as responsabilidades aqui. Quando o produto ou serviço de fato tem uma história pra contar, algo que de fato represente valor pro cliente, a comunicação terá elementos pra impactar e seduzir o consumidor.
Por etapas: a comunicação será responsável por tornar público o diferencial que de fato faz o produto/serviço fazer sentido. O objetivo será chamar a atenção, transmitir os elementos que geram valor ou informar alguma promoção que seja importante. Atrair consumidores pra marca e ajudar a criar um posicionamento, uma tangibilização pra ela.
Mas isso garante a venda? Não; não mesmo. Vai chamar a atenção, vai despertar interesse, vai levar consumidores ao ponto de venda ou aos links certos da internet. Mas a venda só vai ocorrer se o produto de fato parecer maravilhoso (parecer não quer dizer que seja), se as condições de venda e de entrega forem atraentes. E mesmo que dê tudo certo, até aqui só se conseguiu uma primeira compra, quase uma experimentação.
Pro negócio se transformar de fato em um negócio, pra que a marca se consolide, o produto – combinado com o preço e à disponibilização ao consumidor – precisa fazer diferença.
A comunicação não é a alma do negócio. O negócio é alma da comunicação. A comunicação apresenta essa alma.
Hamburguerias Beco Diagonal e Burger 63
Há algumas semanas fui a uma hamburgueria temática, então recém-inaugurada em SP: Beco Diagonal. Me senti no filme do Harry Potter. Linda, confortável, atendimento cordial, tudo ótimo. Até a hora em que chegaram os hambúrgueres. Pretensiosos apenas. Pequenos, com gosto bem comum mesmo, nada nada de especial. Quase ridículos pelo preço que cobram. Sobremesa pior ainda.
Valeu ter ido conhecer – mas não voltamos mais.
O que aconteceu? A comunicação não funcionou? Funcionou sim, e muito bem. Tomei conhecimento pelas redes sociais, me senti atraído a ir e fiquei lá um tempão em pé na fila (impossível fazer reserva), gastei minha grana lá. Mas a partir do momento em que a comunicação me levou até o produto, coube ao produto se justificar e mostrar a que veio. O produto não fez isso.
Invertendo, a Burguer 63 se comunica pouco. Pelo letreiro e decoração deu vontade de entrar. Viramos clientes regulares. O produto é ótimo, dá vontade de voltar. Novamente, a Comunicação me levou até o produto. A partir daí foi ele que fez e aconteceu.
Sem concorrência
A propaganda (só pra retomar a expressão que usei no começo) salva produtos e serviços regulares ou medíocres? Na verdade, pode sim atrair muita gente pra primeira compra, pra experimentação. Mas a gente só volta a comprar marcas fracas quando não temos opções. Ou quando as opções são piores do que elas.
Ainda existem segmentos assim, com poucas opções.
Pena de nós, consumidores, que acabamos tendo de entregar nosso suado dinheiro a quem não merece. E essas marcas ainda devem acreditar que a comunicação os redime de atender direito. Enquanto não houver concorrência, paciência.
Comunicação boa antecipa o fim
Mas a boa propaganda e as demais ferramentas de comunicação antecipam o fim de produtos e de serviços ruins.
Quanto mais gente experimentar e se frustrar, mais comentários negativos haverá nas redes sociais e mais cedo estas marcas deixarão o mercado. E aí ficarão as corretas, brilhantes, as que fazem sentido: aquelas que aliam produtos e serviços espetaculares com preços justos, com a distribuição adequada, com comunicação honesta, que saberá usar as suas características pra seduzir – e não pra frustrar.
Então, qual de fato é a alma do negócio?
Se você quiser enviar comentários, entre em contato através do email igdal@ism.com.br