À frente da área de marketing da fabricante de eletrodomésticos Electrolux, a paulistana Cris Duclos contratou metade da equipe de 60 profissionais em meio à pandemia. Ainda não chegou a encontrar pessoalmente com a maioria deles, devido ao isolamento social ainda vigente na empresa.
O crescimento da área comandada por ela tem uma relação muito próxima com as mudanças de hábito dos consumidores nesse período. A maior parte dos novos contratados trabalham junto à área de experiência do consumidor, com atenção especial à jornada digital de compra.
Segundo ela, cerca de 20% das vendas de produtos da marca já acontecem virtualmente no país. O volume, dois anos atrás, não passava de 10%. “O consumidor estava acostumado a ver o produto online e depois comprar na loja física. Toda essa barreira foi quebrada em meio à pandemia”, afirma.
Hoje 75% das pessoas de sua equipe são mulheres – e parte das novas contratações ajudaram a companhia a atingir o atual patamar 28% de mulheres na liderança. A meta é chegar a 35% até 2022.
“Há pouco tempo contratei uma grávida. Por que não? Ela será menos competente por isso? Não. Ela vai ficar alguns meses fora, e a empresa consegue se organizar para isso”, diz. Com um filho de 18 anos e uma filha de 15, ela conta como conciliou maternidade e carreira: “Fui promovida grávida, encontrei muitas pessoas que me apoiaram”.
Com 20 anos de atuação em marketing e experiência do consumidor, ela iniciou sua trajetória na Electrolux em 2019. Nesse período, conduziu o relançamento da marca Continental, de produtos mais populares. Antes disso, passou pelo segmento de serviços, nas operadoras de telefonia Vivo e Claro. Pós-graduada em Marketing pela ESPM, MBA na Fundação Dom Cabral e com especialização em marketing na Kellogg School of Management, ela fez toda sua carreira na área de experiência do cliente. A seguir, os principais trechos da entrevista de Cris Duclos a Época NEGÓCIOS.
Como a mudança de hábitos dos consumidores na pandemia afetou os negócios da empresa?
Logo que percebemos que a pandemia não acabaria tão cedo, começamos a monitorar o comportamento do consumidor com pesquisas realizadas de 15 em 15 dias. Houve uma ressignificação da casa, o que acabou gerando um aumento de interesse e do uso de eletrodomésticos. As pessoas passaram a cozinhar mais, limpar mais a casa, ter um contato mais íntimo com o eletrodoméstico. Para o nosso negócio, houve aumento na demanda e procura acima de 50%. A casa faz parte da nossa vida e da nossa identidade. E, na pandemia, a casa virou restaurante, academia, lugar para happy hour, tudo. Lançamos em outubro a campanha “sua casa bem vivida”. Em maio, entramos com a campanha “sua casa é tudo”.
E como esse novo cenário se refletiu nas vendas?
As vendas online cresceram rapidamente nesse período, o que acelerou as mudanças na jornada do consumidor. Ele estava acostumado a ver o produto online e depois comprar na loja física. Toda essa barreira foi quebrada em meio à pandemia. Buscamos nos aproximar dos clientes neste momento, voltamos investimentos para canais digitais e para toda a logística, como melhorar entrega e instalação. As vendas online representam hoje 20% das vendas – poucos anos atrás não passavam de 5%. A taxa de crescimento tem sido acima de 50% ano sobre ano. Na China, já equivale a 50%. A gente se voltou muito para a jornada do consumidor, desde o momento da busca até o momento da compra.
O varejo também está se reposicionando, de duas maneiras. As lojas físicas são cada vez mais um centro de experiência e não de compra. A Track and Field, por exemplo, está montando cafés dentro das lojas. A Fast Shop e a Via estão inaugurando novas lojas-conceito. Em algumas lojas no Chile, onde as vendas online de eletroeletrônicos já estão mais avançadas, as pessoas conseguem usar um QR Code para se conectar com um representante de vendas da Eletrolux e tirar dúvidas sobre o produto na mesma hora. Existe outra movimentação do varejo, no sentido de criar superapps, criar grandes marketplaces. Não só vendendo produtos, mas evoluindo muito na parte tecnológica e entrando em segmentos financeiros também. A Eletrolux passou a investir mais em equipamentos menores, como liquidificadores, purificadores de ar e de água, e até potes para armazenar alimentos.
Como criar novas estratégias num momento de rápida transformação de hábitos?
Minha área cresceu bastante nesse período, com a contratação de 30 pessoas.a Avançamos principalmente nessa área de experiência do consumidor e B2C. Por coincidência, antes mesmo da pandemia, já vínhamos com um posicionamento global da marca voltado para dentro de casa: Better Living. Aqui adaptamos para: Sua casa bem vivida.
No Brasil, já vínhamos num movimento de transformação. Em 2019, quando ingressei na companhia, a marca era muito low profile e precisávamos mudar isso. A ideia era torná-la mais atuante e mais parte da vida do consumidor, com o propósito muito claro. Ao mesmo tempo havia o desafio de lançar a marca Continental, mais democrática e popular. Usamos a campanha Atualiza, que tem a ver com a quebra de qualquer estereótipo. A mensagem principal é que o papel da mulher não é só na cozinha, é onde ela quiser. É a ideia de que na casa precisa existir um trabalho mais colaborativo das pessoas. Retratamos situações em que isso não acontece e nesse momento entra o mote “Atualiza”.
Por último tinha o desafio de passar a se relacionar com o consumidor. A empresa não tinha dados do cliente. Era totalmente B2B. Agora conseguimos juntar dados desde a hora do onboarding, quando faz uma compra, até o momento em que vai utilizar o produto, dando dicas para a longevidade dos artigos
Como tem sido a experiência de liderar remotamente?
Muitas pessoas da minha equipe nunca vi pessoalmente. Aqui estamos planejando uma volta híbrida. Valorizamos a presença física, sobretudo para encontro dos squads, das equipes multidisciplinares. Temos atividades que funcionam melhor em salas de reunião, com post its. Estamos aguardando o momento de voltar, mas ainda não sabemos quando será. Não foi fácil para ninguém. Saímos no dia 18 de março de 2020 e já faz quase um ano e meio que estamos nessa situação. Nesse momento tão assustador para todo o mundo, queremos estar mais próximos das pessoas. Ao mesmo tempo, temos incentivado os profissionais a reduzir o ritmo de calls, a estimular semanalmente períodos de descanso.
Pensamos não apenas no nosso público interno, mas também no consumidor. Existe uma essencialidade do nosso produto. Se a geladeira quebrasse no auge da pandemia, o impacto seria muito grande na vida de alguém com restrições de opções de alimentação fora de casa. Também olhamos para a sociedade, com doações de máscaras e equipamentos.
Como você planejou sua carreira? Como foi a construção desses passos?
Minha carreira foi acontecendo. Não comecei pelo marketing, e sim pela área de customer service. Bem no início da carreira já comecei nessa área, e é um privilégio passado pela operação, aprendido com os consumidores em call center. Depois migrei para CRM (customer relationship management). Fiquei quase 20 anos em telecom, num contexto de crescimento acelerado e competição acirrada, em que pensar na retenção e fidelização era crucial. Depois passei por uma agência digital, a Wunderman, hoje Wunderman Thompson. Lá atendia Google, Porto Seguro, Dell. Consegui trabalhar em vários segmentos diferentes e de maneira muito digital. Mais tarde, quis voltar a trabalhar num anunciante de novo. Nunca tinha passado por bens de consumo. Os desafios propostos pela Electrolux naquele momento me interessaram. É uma fase de aproximação do consumidores que se vê em toda a indústria. A Ambev, a Diageo, a Unilever, todas as marcas de bens de consumo estão tentando se conectar mais com o consumidor e ter uma atuação mais próxima e com mais inteligência. Hoje se relacionar com o cliente é core.Tanto na indústria ou no serviço.
Você tem dois filhos. Como conciliou maternidade e carreira?
Nunca vi como um impeditivo. Nunca pus em xeque se teria ou não filhos e tinha certeza de que aquilo não iria me prejudicar profissionalmente. Fui promovida grávida, encontrei muitas pessoas que me apoiaram naquele momento. A maioria dos meus pares durante boa parte da carreira, desde que me tornei diretora com 30 anos, era de homens. Em muitas ocasiões eu era a única mulher. Isso mudou bastante. Há pouco tempo contratei uma pessoa com quase 6 meses de gravidez. Por que não contratar? Ela será menos competente por isso? Não. Ela vai ficar alguns meses fora, e a empresa consegue se organizar para isso. Meus filhos sabiam que eu era muito feliz. Nos momentos em que eu estava com eles, vivia um tempo de bastante qualidade. Meu filho tem 18 anos e minha filha tem 15. É possível ser mãe e ter uma carreira. Vai sobrar menos tempo para qualquer outra coisa. Mas são escolhas. Aquilo que era importante para mim, ter filhos e uma carreira, eu tive e assim foi.
Como o tema da diversidade é tratado dentro da empresa?
Temos comitês para discutir a questão de diversos grupos subrepresentados, como gênero e gerações. O etarismo é um dos temas mais importantes porque temos uma população envelhecendo. Queremos garantir evolução em vários âmbitos. O primeiro deles é o educacional: queremos fazer com que as pessoas tenham acolhimento dentro das organizações. Também queremos evoluir com mais estruturação de processos. E efetivamente já temos 28% de mulheres no comando hoje. Tínhamos como meta alcançar esse patamar em 2022, mas já atingimos neste ano.
Por que não ser uma mulher, para mulheres estarem nessa entrevista e outros grupos em que a gente atua? Debatemos semanalmente esse tema com nosso CEO Ricardo Cons. Olhamos números e vemos como estamos “atualizando” nosso jeito de ser. Usamos até o mote da nossa campanha da Continental para saber se a gente estava praticando o lema em todo o nosso ecossistema. Parece básico, mas não deveria nem ser mais uma discussão. Nas campanhas também temos buscado retratar pretos, homossexuais, pessoas de diversas idades. Antes eram só pessoas de 25 anos, bonitas, brancas. Temos buscado diversidade também entre os influenciadores que temos em vista. Temos realizado ações importantes para quebrar estereótipos.
No dia da igualdade feminina, por exemplo, espalhamos outdoors por vários lugares da cidade com invenções feitas por mulheres. Escrevia as frases no masculino, como, por exemplo: “Sabe que o cara que inventou a cerveja é uma mulher?” Marcas do nosso tamanho têm a responsabilidade de levar para a sociedade esse questionamento. As marcas têm esse papel de formentar esse assunto que é tão importante.
E como essa agenda de diversidade pode entrar na rotina pessoal dos líderes?
Com a doação de tempo. Tempo é uma coisa bastante escassa nos tempos atuais. Como a gente consegue dedicar um pouco do nosso tempo e conhecimento para impulsionar pessoas que estão num outro momento? Recomendo que essa pergunta seja feita por todas as gestoras e por todas as mulheres que estão no mercado de trabalho numa posição mais favorecida.
Fonte: Época Negócios