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Crise do clima vai afetar cadeias de exportação do Brasil, diz relatório

Adaptação às ameaças ambientais têm ficado em segundo plano, embora o problema já seja perceptível, dizem especialistas

Secas, tempestades e outros eventos extremos vão se tornar cada vez mais frequentes e intensos nos próximos anos. Conforme destacou o IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU), a atual crise do clima é sem precedentes e, pior, irreversível.

No setor privado, a necessidade de não agravar esse cenário vem ganhando força diante da pressão por boas práticas ESG (ambiental, social e de governança, na sigla em inglês). No entanto, as medidas de adaptação a esse “novo normal” seguem escassas, o que pode implicar em prejuízos não só para empresas, mas para setores inteiros.

Em relatório lançado em fevereiro, o IPCC evidenciou o descaso internacional com iniciativas de adaptação às ameaças do clima. Segundo o painel, a maior parte do financiamento climático tem sido direcionada para projetos de mitigação, isto é, que visem reduzir as emissões de gases de efeito estufa.

Iniciativas de proteção têm ficado em segundo plano, muito embora o problema já seja perceptível.

Dados do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) mostram que as temperaturas no Brasil já estão mais altas, enquanto as chuvas, mais intensas. O agronegócio, por exemplo, que representa cerca de 27% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional, é um dos grandes prejudicados, sofrendo com perdas de safras e morte de animais.

“As mudanças climáticas atingirão as cadeias de abastecimento, mercados, finanças e comércio internacionais, reduzindo a disponibilidade de bens no Brasil e aumentando seu preço, bem como prejudicando os mercados para as exportações brasileiras”, diz o relatório do IPCC, que posiciona o país como um dos que mais serão afetados por questões ambientais.

Apesar dos alertas, a economia brasileira não parece estar preparada para lidar com as ameaças.

André Ferretti, ambientalista e gerente da Fundação Grupo Boticário, afirma que medidas de adaptação climática deveriam ser essenciais na agenda corporativa. No entanto, o tema ainda é muito incipiente.

“Infelizmente nós estamos até mais atrasados do que na mitigação, que também está aquém do que deveria”, diz.

Ele explica que os esforços pela descarbonização evitam que o problema se intensifique, enquanto a adaptação visa uma redução de risco e dos efeitos danosos que as mudanças climáticas trazem para os negócios.

“Adaptação é [tarefa] extremamente necessária, independentemente do que estamos fazendo em mitigação. Não é uma coisa ou outra, elas têm que andar juntas”, afirma. “Ainda que conseguíssemos hoje, ou num curtíssimo prazo, zerar nossas emissões, aquilo que emitimos em excesso permanece na atmosfera causando efeitos por décadas ou séculos”, acrescenta.

Segundo Ferretti, alguns governos locais estão implementando conceitos de adaptação para revisar planos diretores, por exemplo. Mas, considerando que boa parte da infraestrutura e dos modelos de negócio foi projetada para uma realidade climática que não existe mais, é fundamental que o tema seja discutido pelo setor privado também.

Clima eleva risco aos negócios

No Brasil, o agronegócio é o setor econômico mais vulnerável às mudanças climáticas, mas não o único

Vanessa Pinsky, especialista em ESG e pesquisadora da USP, destaca o mercado energético —fortemente baseado em hidrelétricas— como outro segmento bastante exposto ao clima, além das seguradoras e do setor financeiro como um todo.

“Eu tenho muitas dúvidas sobre em que medida as empresas estão de fato olhando para a necessidade de adaptação numa perspectiva de risco sistêmico para o negócio”, afirma.

Ela ressalta que as ameaças climáticas já estão bem mapeadas, e não se tratam de futurologia. “A alteração do ciclo de chuvas em várias regiões do Brasil é um fato dado, vai acontecer —em menor ou maior medida, dependendo do quanto conseguirmos conter o aquecimento global”, diz.

Ela também destaca outros problemas irreversíveis ou próximos a um ponto de inflexão, como o derretimento de geleiras (que elevam o nível do mar), a savanização da Amazônia (que modifica o clima em diversos biomas) e o branqueamento de corais (que afeta a cadeia marinha).

“O cenário é tão complexo que isso não é problema de uma empresa. É problema de setores e do país como um todo. Precisamos de uma política pública pautada em estratégia e investimento de longo prazo em ciência, tecnologia e inovação”, afirma Pinsky.

Fonte: Folha

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