Crescimento do setor de games nos últimos faz empresas de fora se voltarem aos jogadores
Gamer não é mais um adjetivo que acompanha somente produtos como computadores, notebooks, mouses, teclados e cadeiras.
Hoje, o termo pode vir acompanhado de palavras até recentemente pouco frequentes no meio, como banco, consórcio e fundo de investimento. Decorados com os coloridos leds RGB, imagens de franquias famosas e jogadores encarando a tela do computador, esses serviços agora atraem um público cujo consumo até então era mais restrito e disperso.
Os games nunca tiveram tanto fôlego. Esse mercado deve movimentar US$ 203,1 bilhões (R$ 1 trilhão) em 2022, um crescimento de 5,4% em relação ao ano passado, de acordo com a consultoria Newzoo.
Agora, contudo, a força econômica dos videogames não se deve tanto aos produtos das marcas mais reconhecidas, como Nintendo, PlayStation e Xbox, mas sim aos jogos de celular —mais acessíveis e numerosos—, à criação de conteúdo e aos eSports.
No Brasil, o setor movimenta cerca de R$ 10 bilhões ao ano e tem crescimento anual de dois dígitos. Segundo a Pesquisa Game Brasil de 2022, 74,5% dos brasileiros afirmaram ter o costume de jogar videogames, um crescimento de 2,5 pontos percentuais em relação ao ano passado.
“Se você parar para ver, quase todo mundo é gamer hoje. Qualquer jovem de 12 anos a 25 anos joga com algum tipo de intensidade. Ou vai ser um dos momentos de entretenimento do dia ou está sendo uma das profissões em que ele está tentando se desenvolver. Hoje, isso faz parte do comportamento”, afirma Luiz Fiebig, head de games, eSports e metaverso do Itaú.
Aproveitando esse embalo, marcas tentam se aproximar desse setor cada vez maior e diverso. Para Fiebig, essa tendência mostra que sempre houve público gamer no Brasil, mas até pouco tempo atrás era fechado em si mesmo.
“No momento que essa comunidade começou a ganhar espaço na mídia e visibilidade através de marcas e fãs, ela começou a chamar mais atenção. Cada vez mais marcas vão querer se conectar a essa comunidade”, diz.
Bancos como Santander e Banco do Brasil oferecem consórcios para a compra de computadores gamers (com foco em processamento gráfico) e patrocinam campeonatos de eSports, streamers e eventos de jogos. A XP Investimentos ainda oferece um fundo de investimentos focado em empresas do setor.
“O público de games hoje é muito engajado e consistente. Dedica muitas horas, investe na experiência, gosta de se envolver com isso de alguma forma. Não é um público em que a empresa vai entrar para desenvolver um produto ou serviço e logo depois vai cair. Pelo contrário, a curva só cresce”, explica Carlos Silva, coordenador da Pesquisa Game Brasil (PGB).
O Itaú lançou em março o Player’s Bank, cujo nome já delimita o público-alvo, o banco do jogador. Desde então, mais de um milhão de pessoas já solicitaram abertura de conta. Além de oferecer vantagens direcionadas a essa audiência, como cashback em lojas de games, o banco oferece comunicação pelo Discord, programa de troca de mensagens popular no meio.
Foram essas vantagens que fizeram o analista de sistemas Daniel Russo, 24, decidir torná-lo seu banco principal.
“O Player’s Bank olha bem o nicho e atende suas necessidades, o que antes o mercado não fazia. Por exemplo, eu consigo comprar jogos e periféricos [mouse, teclado, fones de ouvido] com desconto, recebendo cashback. Isso foi o que mais me chamou a atenção”, diz.
Para ele, a comunicação pelo Discord representa um grande avanço. No canal do Player’s Bank (aberto ao público), é possível ver clientes interagindo entre si, com atendentes e moderadores, sugerindo novas funcionalidades e apontando problemas no aplicativo.
“Quando você tem um problema com um outro banco, precisa ligar na central e resolver sozinho com eles. O interessante da comunicação pelo Discord é que você consegue ver quantas pessoas passaram por aquele problema e podem te ajudar. Não passa aquela sensação de que você está sozinho enfrentando um mar”, afirma Daniel.
Esse movimento, contudo, não se restringe a instituições financeiras. A Coca-Cola lançou neste ano o sabor Byte do refrigerante. Energéticos como TNT e Red Bull são presenças constantes em eventos do ramo. O Burger King tem uma linha de alimentos em parceria com a LOUD, uma das principais equipes de eSports do Brasil.
“Tem setores mais bem amarrados em relação a conhecimento e uso desse público, como bebidas, energéticos e food services, e outros que estão começando, como o setor de cosméticos, meios de pagamentos. O momento que a gente vive hoje pode ser de grande oportunidade para essas marcas, porque você pode ser um pioneiro dentro do seu setor”, diz Carlos Silva.
O movimento chegou até a Anitta. A cantora lançou na quarta-feira (29) a música “Tropa”, em parceria com o game de celular “Free Fire”. O single promove o lançamento da personagem “A Patroa” no jogo, disponível desde sábado (2).
Ela se aproximou do público de games após passar a transmitir partidas de Free Fire pelo Facebook em 2020. O envolvimento com o nicho fez surgir a demanda para que um personagem inspirado nela fosse lançado no jogo.
“Agora, para todas as marcas que eu estou fazendo alguma coisa, eu sempre penso no público gamer, em como a gente pode agradar esse público. Acho que, muitas vezes, as marcas esquecem desse mundo, que é imenso e tem um leque de oportunidades”, disse Anitta em entrevista coletiva.
Contudo, para Carlos Silva, da PGB, é importante que a busca por esse tipo de público não seja apenas decorativo.
“Só faz sentido quando a empresa consegue conectar isso com consistência à sua proposta. Você não pode entrar no nicho só com uma casca. Tem que ter coisas que entreguem valor nesse contexto. Você pode criar cascas em cima disso, mas se no interior aquilo que você está levando para o público não for verdadeiro, eles vão saber”, diz.
Fonte: Folha