Movimento prega diminuição do ritmo de produção de roupas para reduzir impacto do setor
Pequenas marcas de slow fashion conquistam a atenção de um público crescente interessado em produtos com apelo sustentável. Ao mesmo tempo, têm como desafio comunicar preços em geral mais altos, em um cenário de inflação estourada.
Slow fashion é um movimento mundial que mira a desaceleração da indústria da moda. Sua proposta é diminuir o ritmo em que roupas são feitas e lançadas, gerando peças menos perecíveis —tanto em questão de estilo, quanto na qualidade. Isso torna possível reduzir o impacto ambiental da produção.
Para se ter uma ideia, de 2000 a 2020, a quantidade de roupa produzida no mundo dobrou, segundo estimativa do Fórum Econômico Mundial. E quase nada é reciclado: 87% das fibras usadas na produção são incineradas ou terminam em aterros sanitários.
Adepta do slow fashion, a marca paulistana MyFots conseguiu bons resultados no primeiro ano de pandemia, quando concentrou as forças na operação de comércio online —as vendas foram 25% maiores em relação a 2019.
Quando o pior das restrições sanitárias já tinha ficado para trás, a estratégia da empresária Tatiana Marcondes, 41, criadora do negócio, foi mudar a loja física para um ponto de mais movimento no mesmo bairro, Pinheiros, zona oeste de São Paulo.
Na nova loja, aberta em julho de 2021, tem conseguido manter consumidoras antigas e ser vista por novas. “As vendas cresceram 50% no primeiro semestre [de 2022]. O problema é que tudo está mais caro. Com as despesas aumentando, estamos tendo que nadar e nadar”, diz Tatiana.
Ela afirma que os custos da marca subiram cerca de 40% no primeiro semestre deste ano em comparação ao mesmo período de 2021, o que provocou um reajuste de preços.
Antes de ter seu negócio, a empresária já trabalhou em grandes grupos de varejo, com o ritmo da chamada fast fashion. “Tudo tinha que ser feito para ontem, e rapidamente as peças não valiam nada.”
Tatiana abriu sua empresa em 2011 e hoje trabalha com diferentes tecidos que ajudam a diminuir o impacto no ambiente, entre eles orgânicos e naturalmente coloridos. Outra tecnologia, explica, permite ao tecido absorver menos odores e sujeira e, com isso, reduzir o número de lavagens.
O preço das roupas produzidas em pequena escala acaba sendo mais alto do que as roupas dos grupos de fast fashion. Uma camisa da MyFots, por exemplo, custa R$ 550. A comunicação direta com as consumidoras é a forma de explicar a realidade da sua marca, afirma a empresária.
“Com o contato próximo, elas [clientes] sabem enxergar o valor do tecido ambientalmente sustentável, do trabalho dos nossos parceiros.”
Para Valeska Nakad, coordenadora da graduação de design de moda da Belas Artes, há boas oportunidades atualmente para o slow fashion.
“Essas marcas vão ter público sim, até porque ficaram muito próximas de uma questão de sustentabilidade, de respeitar o tempo das pessoas e da natureza”, afirma. Mas isso não implica, contudo, o fim da moda rápida, diz.
Nakad lembra que também há slow fashion em grande escala, que geralmente vende peças básicas. “A definição de slow fashion diz respeito sobretudo ao ritmo de lançamentos; as outras questões são consequência.”
Alaine Colucci, 60, à frente de um ateliê de roupas com seu nome, também fez uma transição de fast para slow fashion há pouco mais de uma década. “Tinha uma confecção com meus pais em que a gente produzia 5.000 peças por mês. Hoje, faço cerca de mil peças a cada seis meses”, diz.
Coordenadora da pós-graduação em fashion business da Faap (Fundação Armando Álvares Penteado), Marília Carvalhinha diz que o sucesso ou o fracasso de uma nova marca depende da capacidade de identificar um nicho e entregar a ele um valor coerente. “Conseguir estruturar seu modelo de forma a gerar caixa e operacionalizar tudo isso com eficiência não é fácil.”
Segundo Alaine, a divulgação em redes sociais e eventos são essenciais para conquistar mais público.
A empresária chega a vender 120 peças em eventos que duram de dois a quatro dias. No início da pandemia, sem que eles pudessem ser realizados, sofreu uma queda nas vendas. Mas, no momento, o desafio é a alta nos custos.
“Precisei aumentar meus preços por causa da inflação. Tudo com o que eu trabalho aumentou, meus fornecedores e serviços “, explica. Com o reajuste, as clientes compram em menor quantidade, afirma a empresária.
Também dona de uma marca paulistana que leva seu nome, Georgia Halal, 38 , está traçando estratégias para uma retomada após o fim do distanciamento social. “Na pandemia, a gente teve que migrar para o online e passou a vender para todo o Brasil”, conta.
Ao mesmo tempo, a loja física, em Pinheiros, está recuperando o movimento. “Quero tornar a empresa mais sustentável, atingir mais pessoas e mudar a realidade de outras mulheres com a costura.” As roupas de Geórgia não são divididas em coleções. Segundo ela, as peças são feitas para durarem muitas estações.
Fonte: Folha