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Os cinco países que estão ensinando ao mundo como se combate o desperdício de alimentos

Os caminhões passam todos os dias, entre seis horas da tarde e meia-noite. Zanzam pelas ruas de Seul recolhendo os saquinhos amarelos, deixados em locais específicos, pelos moradores da capital sul-coreana. Os invólucros de plástico biodegradável guardam um “lixo” valioso – restos de comida.

Desde 2013, as sacolas são obrigatórias na Coreia do Sul. Vendidas em lojas de conveniência e supermercados, funcionam como uma espécie de imposto pelo alimento desperdiçado. Uma família de quatro pessoas, por exemplo, gasta em torno de US$ 6 mensais, com os sacos.

O dinheiro arrecadado com a cobrança das sacolas paga grande parte dos custos com a operação do sistema – a produção das embalagens, a comissão das lojas, a coleta e tratamento dos resíduos. Atualmente, a venda dos sacos cobre 60% dos gastos. Os governos federal e provinciais arcam com o restante.

Nos grandes complexos de apartamentos, são disponibilizadas lixeiras inteligentes. Equipadas com balança e leitor de chip por radiofrequência (RFID), as máquinas pesam o descarte e o residente faz o pagamento ali mesmo.

Depois de coletados, os resíduos são levados para centros de processamento e transformados em adubo, ração animal e biogás. Graças à política “Pay As You Throw”, a Coreia do Sul recicla quase 100% de seu lixo orgânico – em 1996, tratava apenas 2,6%. E, salva, só na capital, 400 toneladas de alimentos todos os dias. Comida em condições de consumo que, de outra feita, seria jogada fora, agora é distribuída para pessoas carentes.

Fundado em 1998, o Korea Food é mantido pelo governo e conta com cerca de 450 “filiais”, espalhadas pelo país. Cerca de 13 mil empresas, entre varejistas, atacadistas e fabricantes, contribuem para os bancos de alimentos. Para o país chegar a um dos líderes globais na luta contra o desperdício de alimentos, foi preciso tempo.

A mudança começou na virada dos anos 1980 e 1990, quando a Coreia do Sul viveu momentos de “elevada autoestima”, como define Ki-Yeong Yu, pesquisador do Instituto de Seul. Enquanto o país prosperava, o lixo se avolumava.

Espremidas em uma faixa estreita de terra, cercadas por montanhas ao sul e ao leste, as cidades começaram a ficar em espaço para os aterros sanitários. Era urgente acabar com os lixões. Quase trinta anos depois, a Coreia do Sul, agora, quer ir além. O governo agora investe também em fazendas urbanas e hortas comunitárias, de modo a evitar o desperdício de alimentos durante o transporte e o armazenamento dos produtos.

As sacolas amarelas da Korea Food
As sacolas amarelas de resíduo alimentar da Coreia do Sul

O sucesso sul-coreano resulta da combinação de vários fatores. Com um elevado índice de desenvolvimento humano e um dos melhores sistemas de ensino do mundo, o país é pequeno em extensão de terra e população. Além disso, ainda que possam ser melhoradas, as iniciativas propostas pelo governo são simples e acessíveis, o que facilita o engajamento às políticas públicas.

Mas, a grande lição da Coreia do Sul, válida para qualquer país, é a certeza de que sem a ação conjunta entre poder público, iniciativa privada, academia, organizações da sociedade civil e consumidores dificilmente se vai ao longe.

Do campo à mesa

“Coalizões intersetoriais tendem a ser mais ágeis do que governos atuando isoladamente” diz Gustavo Porpino, pesquisador da Embrapa Alimentos e Territórios, em conversa com o NeoFeed. “As parcerias podem apresentar soluções sistêmicas, que levem em conta toda a cadeia produtiva, do campo à mesa”, completa ele, reconhecido internacionalmente como um dos mais importantes estudiosos brasileiros do assunto.

O mundo põe fora um terço dos alimentos produzidos, o equivalente a 1,3 bilhão de toneladas e US$ 750 bilhões de prejuízo. As perdas e desperdícios estão associados a três das maiores crises planetárias – o aquecimento global, a degradação do meio ambiente e a insegurança alimentar.

De toda a comida não consumida, 931 milhões de toneladas foram descartadas pelo varejo, serviços alimentares e residências, informa o relatório Índice de Desperdício de Alimentos, da Organização das Nações Unidas (ONU).

Gustavo Porpino, pesquisador da Embrapa Alimentos e Territórios
Gustavo Porpino, pesquisador da Embrapa Alimentos e Territórios

Tudo bem levar restos para casa

Desde o início da década de 2010, a França vem aprovando leis e criando projetos para salvar os alimentos dos lixões. Em 2016, foi o primeiro país do mundo a proibir o descarte ou destruição pelos supermercados de produtos não vendidos, mas em perfeitas condições de consumo. O excedente deve ser doado para instituições de caridade.

Como não dá para aumentar a oferta sem organizar a demanda, a iniciativa exigiu um amplo trabalho entre governo, empresas e terceiro setor. Graças ao aperfeiçoamento das nova tecnologias, hoje as lojas estão conectadas a 5 mil entidades. Quem não cumprir a determinação está sujeito a uma multa de 75 mil euros e até dois anos de cadeia. Em sete anos, 300 mil toneladas de comida foram distribuídas.

Contar apenas com a força da lei, porém, não é o suficiente. Por isso, as prefeituras francesas investem em programas de conscientização. O desperdício per capita no país é de cerca de 30 quilos anuais, sete dos quais ainda nas embalagens. Cartazes nos supermercados incentivam os consumidores a comprar menos. Em Paris, os garçons estimulam os clientes a levar os restos para casa. Feio é deixar comida no prato.

Gratidão pela comida

O resgate de alimentos do fluxo dos resíduos pressupõe melhorias nos hábitos de consumo, como reforça Gustavo Chianca, representante adjunto no Brasil da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), em entrevista ao NeoFeed.

E, como qualquer comportamento apreendido, quanto mais cedo a mudança for incorporada, melhor. “Embora o país ainda enfrente um grande desperdício, geralmente acompanhado pelo crescimento da renda familiar”, conforme análise da FAO, o Japão levou o tema para dentro das salas de aula.

Do maternal à faculdade, as crianças, adolescentes e jovens estão resgatando o valor do “tadakimasu”, o sentimento de gratidão pela comida, tão arraigado nas gerações mais velhas. E, na prática, a filosofia se concretiza em ensinamentos de como tirar proveito máximo do que os alimentos têm a oferecer ou só adquirir o que será consumido.

Um estudo multicêntrico, de psicólogos japoneses e alemães e publicado, em 2022, na revista especializada Waste Management, é contundente: o respeito pelos alimentos está associado a comportamentos menos perdulários.

Do “válido até” para o “melhor antes”

Outro ponto crucial, na opinião de Chianca, é a “flexibilização dos regulamentos e padrões de requisitos estéticos para frutas, legumes e verduras”. Cerca de metade dos alimentos jogados fora são vegetais.

Em um mundo onde 830 milhões de mulheres, homens e crianças passam fome, desperdiçar alimentos porque eles são imperfeitos esteticamente é um contrassenso. Entre 25% e 30% das 37 milhões de toneladas de cenouras produzidas globalmente, todos os anos, por exemplo, não chegam aos consumidores por causa de sua aparência, informa o relatório “A Beleza (e o bom gosto!) estão no interior”, elaborado pela FAO.

No Brasil, os feiosos e os prestes a vencer ficam com 2% do faturamento bruto anual dos supermercados. Aliás, os rótulos dos produtos alimentícios sempre foram motivo de confusão entre os consumidores, no mundo todo. Cerca de 60% das pessoas rejeitam alimentos, com o prazo de validade prestes a expirar, apesar de seguros para o consumo.

Em parceria com a indústria, o governo da Noruega trocou o termo “valido até” foi trocado por “melhor antes”. Além disso, os noruegueses dispõem de uma rede de supermercados focada no comércio de produtos fora do padrão e/ou quase vencidos.

As novas políticas da Noruega são fruto do trabalho de 12 ministérios – do Meio Ambiente ao da Educação. Em fevereiro de 2023, o governo nomeou um comitê especial para encontrar novas soluções para o descarte inadequado de alimentos. Os noruegueses querem chegar a 2030 salvando metade das 355 mil toneladas de comida jogadas fora, anualmente.

De um post a um movimento nacional

Ainda na Escandinávia, para a Dinamarca conseguir diminuir, em treze anos, o desperdício em 25% e poupar cerca de US$ 640 milhões, a ação da ONG Stop Spild Af Mad foi essencial. Fundado em 2008, pela designer gráfica Selina Juul, o movimento nasceu com uma página no Facebook.

Vinda Rússia, onde viveu tempos de escassez de comida, Selina queria apenas compartilhar dicas. O movimento foi tomando uma proporção tão grande que, atualmente, a Dinamarca é o país europeu com o maior número de iniciativas contra o desperdício.

Boa parte dos projetos dinamarqueses busca derrubar o estigma em torno dos vegetais ditos feios e alimentos prestes a vencer. Foram criadas lojas dedicadas única e exclusivamente à venda desses produtos, a preços reduzidos.

Campanhas orientam a população como evitar o desperdício em casa e tirar proveito máximo da comida. E, entre os varejistas, ficou acertado o fim dos descontos em massa, para evitar a compra exagerada de alimentos.

Lançado em 2015, por três empresários do setor alimentício, o aplicativo To Good To Go conecta consumidores a mercados, restaurantes e padarias, facilitando a venda do excedente de comida, a custos menores.

Dado sucesso na Dinamarca, a plataforma é hoje usada em 16 outros países, inclusive os Estados Unidos. O To Good To Go fechou 2022 com 164 mil empresas cadastradas e 62 milhões de usuários ativos.

Imposto sobre a comida posta fora, bancos de alimentos, venda de excedentes e/ou produtos imperfeitos esteticamente e próximos do vencimento, campanhas de conscientização… Como costuma dizer Selina Juul, “nós todos comemos, nós todos desperdiçamos alimentos, nós todos somos parte do problema, mas também parte da solução”.

Fonte: Neofeed

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