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Lei do Agrotóxico: as boas notícias no PL 1459 aprovado no Senado

Especialistas ressaltam mudanças positivas, como a classificação toxicológica baseada em gestão de risco, celeridade ao registro de produtos e a hierarquia entre os órgãos avaliadores

Agrotóxico, pesticida, defensivo, veneno. O nome do produto divide opiniões — dentro e fora do setor do agronegócio —, mas o fato é que a agricultura brasileira em larga escala necessita proteger as plantas e controlar o ambiente contra pragas e doenças por causa da alta reprodução destes agentes patógenos acelerada pelo clima tropical. Como fazê-lo é a grande discussão. É por isso que o Projeto de Lei 1.459/22, conhecido como PL do Agrotóxico, já teve outras versões que circularam por mais de 20 anos no Congresso.

Aprovado pelo Senado Federal na terça-feira, 28, o PL estava em debate desde 1999, quando o então senador Blairo Maggi apresentou uma proposta de texto que, entre outras sugestões, indicava a alteração da nomenclatura de ‘agrotóxicos’ para ‘pesticidas’, seguindo o termo utilizado nos Estados Unidos. A alteração foi acatada na votação desta semana, mas é apenas a ponta do iceberg de uma série de mudanças consideradas positivas, segundo os especialistas ouvidos pela EXAME Agro.

A classificação toxicológica baseada em gestão de risco, a celeridade ao registro de produtos e a hierarquia entre os órgãos avaliadores — Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), Anvisa e Ibama — foram os pontos ressaltados pelas fontes.

Classificação toxicológica

Eduardo Ferreira, sócio da área ambiental do escritório Machado Meyer Advogados, explica que em 1989, quando a Lei do Agrotóxico foi criada, os defensivos começaram a ser avaliados sobre o perigo que apresentavam em sua composição ‘bruta’, sem a diluição agronomicamente recomendada.

Com o novo texto e o conceito de gestão de risco, em vez de o produto ser avaliado sobre a concentração do ingrediente químico, ele passa a ser verificado conforme as condições reais de uso. Isto é, a composição diluída realmente aplicada no campo.

“Hoje, qualquer produto a ser registrado tem que ser igual ou melhor, principalmente no nível toxicológico”, afirma Décio Karam, pesquisador da Embrapa, mestre em Agronomia e doutor em Weed Science pela Colorado State University.

“São critérios técnico-científicos para demonstrar que o produto é responsável nas condições de uso. Em geral, e por isso precisa de avaliação criteriosa, é uma tendência que os novos produtos sejam mais amigáveis para o meio ambiente e à saúde, sejam mais seguros, efetivos e isso pode dar mais competitividade ao Brasil”, diz Ferreira, do Machado Meyer.

O novo sistema de classificação toxicológica é baseado no GHS, criado pelas Nações Unidas, cujas normas seguem uma padronização mundial.

Eduardo Leão, presidente da CropLife Brasil, associação que reúne empresas de defensivos químicos e biológicos, diz que a aprovação do PL moderniza a legislação que está em vigor há quase 30 anos e se iguala a outros produtores agrícolas mundiais. “A aprovação do PL 1459 cria processos mais avançados e transparentes, sem abrir mão dos rígidos critérios técnico-científicos de aprovação de novas moléculas”, afirma.

Remédio genérico

Durante as discussões sobre o PL, uma das narrativas era a de que a aprovação menos burocrática estipulada na nova lei poderia causar uma liberação desenfreada de agrotóxicos. Para lançar um produto realmente novo, porém, é preciso estudar entre 150.000 e 250.000 moléculas, o que custa aproximadamente 200 milhões de dólares, segundo estimativas da Embrapa. Por isso, a porcentagem de novos registros de agrotóxicos varia entre 1% e 2% anualmente no Brasil.

A maior parte das liberações feitas ao longo do ano se referem à mesma molécula já registrada, explica Caio Carbonari, professor da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade do Estado de São Paulo (Unesp). Funciona nos moldes do mercado de remédios genéricos, que só vão ao mercado quando a empresa detentora da patente a perde e a fórmula cai em domínio público.

Na prática, independentemente do número de ‘remédios’ que o laboratório lançar, o agricultor tende a continuar usando a mesma molécula para proteger as plantas. “As empresas que têm genéricos estão cadastrando os mesmos produtos com novos nomes, novas marcas comerciais”, diz Décio Karam, da Embrapa.

“O que muda é para dar celeridade aos processos, mas não que os produtos serão avaliados com menos rigor”, afirma Eduardo Ferreira, especialista em Direito Ambiental.

Celeridade às aprovações

Outro ponto que divide opiniões é o tempo de aprovação dos agrotóxicos. A média internacional para avaliar um novo registro é de dois anos. No Brasil, esse processo leva entre oito e dez anos.

Se de um lado há reclamações de que os produtos usados no Brasil estão obsoletos em comparação a outros países, por outro lado a morosidade dos órgãos responsáveis não contribui para a atualização do portfólio. Para os especialistas, essa situação tende a mudar com a nova legislação.

No modelo ainda vigente, cada órgão — Mapa, Anvisa e Ibama — tem 120 dias para responder. Na prática, esse prazo não é cumprido, muito em função de uma ausência de governança no processo. No modelo atual, não há uma hierarquia e os processos acabavam parados em alguma instância, sem alguém para efetivamente cobrar a continuidade da avaliação. A nova lei estabelece que Mapa, Anvisa e Ibama continuam exercendo suas funções, mas o processo para novos produtos tem de durar até 24 meses, tempo em linha com o mercado internacional.

Já aqueles defensivos destinados à pesquisa e experimentação poderão ser beneficiados com a emissão de um registro especial temporário, devendo a análise do pedido ser concluída em 30 dias pelo Ministério da Agricultura. “É uma atualização de um procedimento que é muito moroso junto aos órgãos de registro, o que na prática fazia com que o Brasil utilizasse produtos que podem estar banidos em outros países, ou com variedades obsoletas de produtos que já possuem versão mais moderna”, afirma Eduardo Ferreira.

A partir da aprovação do PL, o Mapa fará a coordenação, mas os outros órgãos continuam operando e avaliando o risco. “Tentou-se desburocratizar os processos entre os três órgãos”, esclarece Carbonari, da Unesp.

“Quando olhamos a legislação aprovada, os três órgãos continuam. E torna-se mais claro se, na possibilidade de reavaliar um produto, qual seria a incumbência de cada um”, diz Eduardo Ferreira.

Apesar de concentrar a liberação sobre os agrotóxicos no Mapa, a lei determina que, caso um produto não seja aprovado pela Anvisa, o ministério terá que acatar a decisão.

Aparelhamento dos órgãos

A leitura sobre o cenário leva à reflexão sobre a capacidade dos órgãos públicos de efetuarem a avaliação em tempo hábil. De acordo com a Embrapa, o Brasil consome anualmente mais de 300 mil toneladas de produtos com agrotóxicos em suas composições. As regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste concentram 70% do volume, sobretudo nas culturas da soja, milho, cana-de-açúcar e citros. No entanto, segundo Décio Karam, é na fruticultura e hortaliças, de pequenos e médios agricultores, que está o maior índice de mau uso dos produtos.

Isso acontece porque este perfil de produtor sofre com a ausência de agrônomos da assistência técnica pública, além da falta de fiscalização de agentes dos órgãos em campo. Agravam o cenário a falta de produtos registrados para determinadas culturas e o desrespeito ao período de carência do produto — tempo necessário para o defensivo se degradar antes de ser feita a colheita.

“Não se trata do cadastro em si somente, com a gestão de risco ambiental e saúde humana, mas aparelhar o órgão que consiga fiscalizar. Não adianta sanções graves, se o uso inadequado não é fiscalizado”, afirma Eduardo Ferreira, sócio do Machado Meyer.

“É preciso respeitar a dosagem, a cultura a ser aplicada. Se isso lá na ponta estiver sendo fiscalizado, de forma adequada e robusta, há menos possibilidade de risco à população”, diz Caio Carbonari, da Unesp.

Sanção presidencial

O texto, que tramitava há mais de 20 anos no Congresso Nacional, agora, seguirá para sanção presidencial.

“Como é um processo que foi e voltou dentro da Câmara e Senado, agora a aprovação já é definitiva no Poder Legislativo, e o Poder Executivo faz uma avaliação de constitucionalidade e passa por questão de orçamento. O Executivo pode indicar vetos, mas não totalmente, e sim, uma análise por artigo e dispositivo. Ainda assim, no caso de veto, é possível voltar às Casas”, diz Eduardo Ferreira.

Em suma, como diz o advogado, “o Executivo vai ter que se organizar para dar efetividade à lei”.

Fonte: Exame

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