O Pró-Brasil surge como uma tentativa de ser o extintor do incêndio que se aproxima
Com o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945, a Europa se viu diante de um cenário aterrador: caos social, moral e sobretudo econômico. A guerra havia passado, mas os prejuízos para os países afetados por ela mostravam as garras. O fato levou à elaboração por parte dos EUA do chamado Plano Marshall, um programa de medidas econômicas envolvendo auxílio financeiro aos países europeus devastados pelas perdas ao longo da guerra. Agora, 75 anos depois, o governo brasileiro parece querer seguir a mesma linha para lidar com os danos causados pela pandemia, através de um plano de investimentos públicos em obras de infraestrutura. Entretanto, a proposta acabou dividindo opiniões: afinal, será que um plano tão divergente da postura econômica mostrada até agora pelo governo federal poderia vingar na atual conjuntura fiscal do país?
O Pró-Brasil surge como uma tentativa de ser o extintor do incêndio que se aproxima. A imprevisibilidade econômica em decorrência da pandemia e das medidas adotadas para contê-la está levando à revisão frequente das previsões de instituições públicas e privadas sobre o PIB de 2020. Para a economista Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, nos Estados Unidos, já é debatida a possibilidade de queda de 6% a 9%. Com o desemprego não é diferente. Segundo o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, a previsão é que a taxa de desocupação atinja 13,5% até o final deste ano.
A suposta saída para a crise foi apelidado por especialistas de “Plano Marshall brasileiro” e até de “Dilma 3”, e foi apresentada pelo ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República, Braga Netto, no dia 22 de abril em uma coletiva de imprensa no Palácio do Planalto. A própria Casa Civil informou que o Pró-Brasil atendia determinação do Presidente da República e se somava “ao conjunto de medidas do governo Federal já em curso no enfrentamento às consequências da pandemia no Brasil”.
Pois bem. Segundo Braga Netto, o programa foi inicialmente apresentado para atuar em dois eixos: ordem e progresso. “No eixo ordem encontram-se as medidas estruturantes como o aprimoramento do arcabouço normativo; atração de investimentos privados; maior segurança jurídica e produtividade; melhoria do ambiente de negócios; e mitigação dos impactos socioeconômicos. E, no eixo progresso, estão previstos investimentos com a realização de obras públicas e de parcerias com o setor privado”, explicou. Mas o porém logo surgiu.
A proposta, que representa uma intervenção da ala militar a pedido do próprio presidente e foi traçada sem nenhuma participação da equipe de Paulo Guedes, ministro da Economia, assim que veio à tona foi alvo de duras críticas por parte de especialistas. Para a ex-secretária da Fazenda de Goiás e head do escritório Oliver Wyman no Brasil, Ana Carla Abrão, por exemplo, o plano “é superficial e inexequível” e não passa de “uma carta de intenção”. Já o economista e sócio fundador da Tendências Consultoria Integrada, Nathan Blanche, não poupou adjetivos para a proposta. “Nunca antes na história de um país isso ocorreu. Este plano não tem pé nem cabeça! De onde vão vir os recursos? Quais são os fundos pra isso? O governo está com um plano econômico que não tem nenhum fundamento técnico. É uma coisa muito genérica e que pega muito mal para a credibilidade do País”, disse.
Guedes se arvorou em preocupações. Afinal, apresentar uma saída para a crise econômica era sua alçada, sua atribuição. Interpelado de todos os lados sobre o tal Plano Marshall que tinha sido dispensado de seu crivo, na última semana Guedes, ao lado do presidente Jair Bolsonaro, confirmou que o governo iria “prosseguir com as reformas estruturantes” e se referiu ao plano Pró-Brasil como um “estudo”.
“O programa Pró-Brasil, na verdade, são estudos, justamente na área de infraestrutura. São estudos adicionais para ajudar nessa arrancada de crescimento que nós vamos fazer. Agora, isso vai ser feito dentro dos programas de recuperação de estabilidade fiscal nossa. Nós não queremos virar a Argentina, não queremos virar a Venezuela”, afirmou o ministro.
O ministro da Economia defende a saída da crise através do investimento privado e dos cortes de gastos públicos. Em um discurso feito na última semana sobre a mitigação de controle dos impactos da pandemia na Economia, Guedes chegou a alfinetar a ala Pró-Brasil do governo: “Apertar o botão da gastança e aproveitar farra eleitoral é fácil”. Para ele, o Brasil tornou-se refém do baixo crescimento por conta do investimento público.
Guedes manifestou um descontentamento específico com o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho. Empossado em fevereiro por Bolsonaro, Marinho é um dos cabeças do Pró-Brasil, que versa explicitamente sobre a expansão dos gastos públicos, tese repudiada pelo ministro da Economia. Guedes chegou a procurar Bolsonaro para reclamar da natureza intervencionista do programa apresentado por Braga Netto.
Pró-Brasil não serve nem para iniciar a conversa, diz economista
O doutor em Economia pela Unicamp e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Everton Rosa, discorda de Guedes e argumenta que o Pró-Brasil, assim como o próprio ministro da Economia, é “bastante liberal”. Segundo Everton, dos R$ 250 bilhões anunciados pelo programa, “88% é para concessões e privatizações para os próximos dez anos”. “Temos apenas a intenção de realizar 30 bilhões de investimento público de fato. Esse plano é essencialmente de entrega de ativos públicos ao setor privado e não tem potencial de reconstrução da economia”, explica.
Professor da UFG, Everton Rosa não vê muita diferença entre o Pró-Brasil e a linha liberal / Foto: Arquivo pessoal
Para o professor, A equipe econômica está fora da realidade, mas a Casa Civil, apesar de ter um diagnóstico correto de que algo tem que ser feito, também está. Everton acredita que falou-se corretamente de Plano Marshall para economia brasileira, no sentido de um amplo plano de estímulo econômico, “mas o Pró-Brasil não serve nem para iniciar a conversa”.
Já o economista Eliézer Marins acredita que Braga Netto “tem menos amplitude de informações a respeito do projeto apresentado, o Pró-Brasil”, e rebateu as críticas de que a proposta seria “vaga” e “vazia”.
Para ele, por Guedes estar mais próximo do presidente, ou seja, por conta de ser um ministro com uma liberdade maior em sua posição, pode garantir uma avaliação mais cuidadosa e positiva para o seu projeto, fazendo com que o mesmo seja assinado como uma medida provisória.