Recursos podem ficar fora do teto de gastos e ministro diz ter aval de Bolsonaro para planejar gastos públicos
O ministro Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) negocia no governo a liberação de pelo menos R$ 8 bilhões neste ano para obras públicas a serem executadas por diferentes órgãos ligados a sua pasta.
Parte desse valor pode ser concedido por meio de emendas parlamentares, e ficar até mesmo fora do teto de gastos.
A movimentação de Marinho por mais recursos públicos gerou incômodo do ministro Paulo Guedes (Economia), que tem criticado a tentativa de se usar o Tesouro para ações não ligadas diretamente à pandemia.
Marinho, por outro lado, comunicou que tem respaldo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para planejar gastos públicos.
A justificativa é tentar reaquecer a atividade e gerar empregos no pós-pandemia.
“Se existirem divergências [com Guedes], são de visões de Estado ou algo parecido. Nada pessoal”, disse Marinho há duas semanas.
O plano de obras e ações do MDR (Ministério do Desenvolvimento Regional) depende, porém, de um acordo com o Ministério da Economia, que decidirá sobre o repasse a Marinho pelos chamados créditos adicionais.
Os R$ 8 bilhões solicitados seriam repartidos entre as secretarias da pasta do Desenvolvimento Regional. Uma parte iria, por exemplo, para a reformulação do Minha Casa Minha Vida.
Em um dos pedidos feitos por Marinho, um repasse de R$ 2,4 bilhões atenderia até emendas de parlamentares —cerca de R$ 83 milhões. Emenda é uma forma de um congressista destinar dinheiro federal para uma obra em sua base eleitoral, ganhando assim capital político.
O governo de Bolsonaro tem se aproximado de partidos do centrão —grupo independente e que representa boa parte do Legislativo— num movimento de buscar apoio político num momento de crise econômica e política.
O ministério de Marinho reúne órgãos tradicionalmente usados para agradar o centrão com cargos.
Nesta solicitação de R$ 2,4 bilhões, a SNSH (Secretaria Nacional de Segurança Hídrica) seria a maior beneficiária, com R$ 1,6 bilhão, para programações como construção de barragens e adutoras.
Três ações emergenciais são ligadas ao programa de integração do rio São Francisco (Eixo Norte, Ramal do Agreste Pernambucano e a Adutora do Agreste de Pernambuco).
A ala militar do governo, liderada pelo general Braga Netto (Casa Civil), considera que a economia não vai se recuperar quando o isolamento acabar, sendo necessário investimento público para gerar empregos rapidamente. O plano foi rejeitado por Paulo Guedes (Economia)
Outra a receber recursos é a SNS (Secretaria Nacional de Saneamento), para a qual Marinho pede R$ 582 milhões e R$ 8,6 milhões em emenda parlamentar. Nesse caso, o MDR alega querer evitar a paralisação de 94 obras pois as dotações orçamentárias do ano não serão suficientes.
Também há pedidos para SDRU (Secretaria Nacional de Desenvolvimento Regional e Urbano), Semob (Secretaria Nacional de Mobilidade e Serviços Urbanos), Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba), Sudeco (Superintendência do Desenvolvimento do Centro- Oeste), Trensurb (Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre) e FNHIS (Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social).
A aposta de Marinho para a retomada da economia brasileira após a pandemia é por meio de obras financiadas com dinheiro público. Mas Guedes pensa de outra forma: quer que os investimentos venham de empresas privadas, confiantes do crescimento do país baseado inclusive no controle de despesas públicas.
Outra discussão é como, tecnicamente, os pedidos do Ministério do Desenvolvimento Regional (R$ 8 bilhões) seriam classificados.
Se forem repassados por meio de crédito extraordinário, não ficam limitados ao teto de gastos –regra de controle fiscal para evitar a alta de despesas além da inflação e defendida por Guedes.
Mas a ferramenta (crédito extraordinário) só pode ser usada para atender despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública.
Especialistas em contas públicas ouvidos pela reportagem alertam para os riscos de o governo seguir com essa opção.
“Usar crédito extraordinário para investimentos não me parece correto, pois não estariam diretamente ligados à pandemia”, diz o economista Daniel Veloso Couri, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI, órgão do Senado que monitora as contas públicas).
O diretor-executivo da IFI, Felipe Salto, concorda com o colega e acha que a possibilidade, somada ao atual contexto de flexibilização das metas fiscais e do nível de endividamento, acende um “sinal amarelo”.
“É preciso que isso [crédito extraordinário] não transborde para ações não ligadas ao combate à pandemia e a seus efeitos sobre a renda e o emprego do trabalhador mais pobre”, afirma.
“Em 2021, temos um país para administrar e suas contas não podem estar em frangalhos. O essencial é que o espírito da LRF [Lei de Responsabilidade Fiscal] e o teto seja preservado”, diz Salto. “O quadro fiscal de médio prazo é muito preocupante”, afirma.
Membros de órgãos de controle, que preferem não serem identificados por poderem julgar processos relacionados, concordam com a preocupação.
Eles chamam atenção ao fato de o Orçamento de guerra, que suspende regras fiscais para gastos com a calamidade, estende sua aplicação a suas consequências “sociais e econômicas” (definição que daria margem a uma ampla gama de medidas).
No MDR, é ressaltado que a pasta só faz o pedido e a forma de destinação é decidida pela Economia.
O TCU (Tribunal de Contas da União) se movimenta para monitorar os gastos.
O ministro Raimundo Carreiro pediu ao governo mecanismos para identificar com precisão as despesas relacionadas ao enfrentamento dos efeitos da pandemia e a correta segregação do Orçamento regular.
Ele ainda ressaltou à Casa Civil que os gastos do Orçamento de guerra devem ser reservados para contextos extremos, apenas para despesas destinadas ao combate à crise.
Guedes vem criticando publicamente o movimento de acelerar gastos da União, mesmo sem citar o nome de Marinho ou de outro membro do governo.
Nesta semana, Guedes estava ao lado de Bolsonaro quando protestou contra a votação no Congresso que permitiu aumento de salário para certos servidores. Guedes era contra o aumento, mas, segundo a própria liderança do governo, a inserção do trecho teve apoio do presidente da República.
“A hora em que o país tem uma crise dessa, que sacrifício podemos fazer? Não é aproveitar que o gigante [Brasil] caiu e ver o que podemos tirar dele, essa não é a atitude correta. A pergunta é o quanto podemos contribuir, não o quanto podemos tirar”, afirmou em visita ao STF (Supremo Tribunal Federal).
Na semana passada, Guedes também havia feito críticas à expansão de gastos em meio à crise daquela vez direcionadas a “um ministro ou outro”.
“Seria muito oportunismo político, muita irresponsabilidade fiscal, seria imperdoável para a população brasileira se aproveitássemos uma crise na saúde para transformar seja em uma farra eleitoral, seja em um protagonismo excessivo de um ou outro ministro que queira, para se engrandecer, colocar em risco o governo do presidente”, disse.
Os prognósticos de Guedes para a economia brasileira são de uma forte recessão em 2020 e a equipe econômica já projeta um endividamento público acima de 90% do PIB neste ano com o aumento do déficit.
A agência Fitch colocou a nota brasileira em perspectiva negativa em meio à crise política e à piora fiscal. Investidores internacionais têm evitado o Brasil e outros mercados emergentes. O dólar vem alcançando patamares nominais recordes e fechou na sexta (8) a R$ 5,74. “Não queremos o risco de virar a Venezuela”, disse Guedes.
Foto: Rogério Marinho, ex-secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e atual