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Desenvolvimento e soberania em risco

Artigo de Robson Braga de Andrade*

Em artigo publicado no jornal Valor Econômico, o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, ressalta que é grave a perspectiva de continuidade no retrocesso dos investimentos em ciência, tecnologia e inovação

A crise da saúde pública causada pela pandemia tornou indiscutível a relevância de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) para que as sociedades possam responder às pandemias e outras ameaças. Rapidamente, a comunidade brasileira de CT&I, compreendendo um amplo conjunto de capacitações nas universidades, em instituições de pesquisa e nas empresas, mobilizou-se e vem contribuindo ativamente para a busca de soluções.

Essa pronta capacidade de resposta é resultado de décadas de formação de pessoas e da prática continuada de pesquisa básica e de desenvolvimento tecnológico. É um privilégio para o Brasil, por exemplo, contar com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e com o Instituto Butantã, instituições capacitadas para desenvolver vacinas na fronteira das inovações mundiais.

Sem elas, o país não teria conseguido enfrentar, desde o fim do século 19, epidemias e endemias – tais como a peste bubônica, a tuberculose, a febre amarela, a doença de Chagas, a dengue e o zika vírus –, e restaria inerme ante a pandemia.

A CT&I tem sido, também, fundamental para desenvolvimento de setores econômicos relevantes. Como exemplo, devemos a expansão da soja competitiva nas regiões de Cerrado à pesquisa científica na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). A capacitação acumulada no Centro Tecnológico Aeroespacial (CTA) e no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) viabilizou o sucesso da Embraer. A exploração do petróleo em águas profundas e ultraprofundas não seria possível sem a contribuição do Cenpes-Petrobras.

De outro lado, na esfera empresarial, a pesquisa e desenvolvimento (P&D) começou a ganhar corpo com consistência, especialmente pela indústria, e consciência por meio de iniciativas como a Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI), criada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) há 10 anos com o objetivo de aumentar a participação do setor privado no investimento nacional em CT&I.

Nessa perspectiva, a divulgação, pelo IBGE, em 16 de abril, dos resultados da Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (Pintec), referente ao período 2015-2017, soou como um estridente alerta. Sob forte recessão e expressiva queda dos investimentos nesse período, houve um recuo substancial da taxa de inovação no Brasil.

Entre 2014 e 2017, o percentual de empresas inovadoras caiu de 36% para 33,6%. Como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), o investimento em P&D das empresas da amostra reduziu-se de 0,58% para 0,5% e, em valores correntes, caiu de R$ 81,5 bilhões em 2014 para R$ 67,3 bilhões em 2017.

É importante ressaltar que, concomitantemente, houve forte contração do apoio público à área de ciência, tecnologia e inovação no país. De acordo com a Diretoria de Estudos e Políticas Setoriais de Inovação e Infraestrutura (Diset), do Instituto de Pesquisas Aplicadas (Ipea), um fator decisivo para a redução da relação P&D/PIB entre 2014 e 2017 é o acentuado declínio no suporte público à pesquisa e desenvolvimento nas empresas. A instituição destaca que o percentual de empresas inovadoras que receberam algum apoio público caiu de 39,9% em 2014 para 26,2% em 2017.

Chega a ser alarmante a compressão do orçamento federal alocado para a área de CT&I nos últimos três anos, sendo inquietante a significativa retração do Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia-(FNDCT); a queda da subvenção à inovação pela Finep, agência pública que financia estudos e projetos de inovação no país; a forte contração das bolsas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); e a anunciada intenção de incisivo corte nos projetos de P&D da Petrobras.

Mais grave ainda, considerando a piora das condições fiscais por conta da pandemia, é a perspectiva de continuidade no retrocesso dos investimentos nacionais em CT&I.

Isso é inaceitável, pois coloca em risco não apenas o nosso potencial de desenvolvimento tecnológico, mas também a soberania nacional. Por exemplo: a desarticulação, nos últimos anos, do complexo industrial da saúde, com retrocesso da indústria de equipamentos médico-hospitalares, elevou, de forma significativa, a dependência do setor de importações de insumos e equipamentos.

A necessidade de importação de ventiladores pulmonares – item essencial para o tratamento de infectados pela covid-19 -, bem como o desvio de encomendas por parte de concorrentes desleais, é apenas o exemplo mais recente. Não fora a presença de duas pequenas indústrias sobreviventes, capacitadas para suprir 11 mil novos ventiladores, o país estaria totalmente à mercê dessa dependência.

Não é segredo que, apesar das restrições fiscais, as economias industriais avançadas e algumas emergentes estão empenhadas em uma verdadeira corrida pelas oportunidades que advirão da 4ª Revolução Industrial. Lideranças políticas, governos e sociedades nesses países compreendem que investimentos em ciência, tecnologia e inovação são prioritários e insubstituíveis, pelo elevado retorno social e econômico que propiciam.

Nesse contexto, lamentavelmente, o Brasil corre o risco de se atrasar ainda mais em relação às tecnologias exponenciais e/ou disruptivas. Refiro-me às inovações impulsionadas pela crescente conectividade (5G), pelo impacto da alta capacidade computação e análise de grandes massas de dados, pela inteligência artificial e pela automação avançada. Essa revolução digital, por sua vez, instrumentaliza o célere avanço das nanotecnologias e biotecnologias genéticas.

De olho no futuro, a comunidade brasileira de CT&I vem, a duras penas, lutando para concretizar projetos de fronteira, como exemplificam, entre outros, os casos do Laboratório de Luz Sirius, do Centro Nacional de Pesquisas em Energias e Materiais (CNPEM), o desenvolvimento de pequenos satélites, e projetos específicos nas áreas de genética e bioeconomia. 

Os grandes desafios que estão no porvir – tais como a digitalização abrangente das sociedades, a manufatura avançada, a mudança climática, a saúde e a qualidade de vida ante novas pandemias – exigem estratégias robustas e de longo prazo. Meritórias, as iniciativas supracitadas não têm, de per si, massa crítica para mover o sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação, em trajetória ascendente, à semelhança do que ocorre na maioria dos países industrializados. 

Sem uma mudança profunda de compreensão no governo e na sociedade sobre a natureza estratégica da inovação, da pesquisa e desenvolvimento e a soberania nacional correm, como nunca, um altíssimo risco. Precisamos agir, antes que seja tarde.

*Robson Braga de Andrade, presidente da Confederação Nacional da Indústria -(CNI)

As opiniões aqui veiculadas são de responsabilidade do autor. 

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