Alta no número de brasileiros endividados acende alerta entre pequenos, que criam estratégias para mitigar riscos
O Brasil registrou recorde de inadimplência em outubro, com 69,1 milhões de endividados. É a maior cifra da série histórica do Serasa, iniciada em 2016. Para se adaptar ao cenário, pequenas empresas investem em análise de crédito de novos clientes e sistemas de gestão de cobrança.
Pesquisa feita pelo Sebrae em julho apontou que 34,2% dos micro e pequenos negócios do estado de São Paulo têm clientes com pagamentos em atraso. A inadimplência aumentou em comparação a 2021 para a maior parte das empresas, ainda de acordo com o estudo.
Os primeiros devedores da fabricante de móveis Quarteto, fundada em 2014 em São Paulo, surgiram neste ano. Segundo o sócio Adriano Souza, 29, a inadimplência vem principalmente de quem compra a prazo no boleto. “O mais seguro é vender no cartão de crédito, porque é o banco que paga para quem vende. No pagamento via boleto, o cliente pode ter imprevistos”, afirma.
Diego Contezini, CEO da empresa de gestão financeira Asaas, recomenda que os empresários prefiram o cartão de crédito para vendas parceladas. No boleto ou cheque, ele diz que o ideal é analisar o crédito do comprador em plataformas como SPC (Serviço de Proteção ao Crédito) e Serasa para entender sua capacidade de pagamento.
O empresário pode restringir a liberação de crédito com base na pontuação do consumidor, além de pensar prazos de pagamento que o ajudem a manter a venda sem correr maiores riscos.
Empresas que não têm recursos para acessar o score de seus potenciais clientes costumam criar padrões de venda de acordo com o perfil do comprador, afirma o professor de empreendedorismo do Insper Marcelo Nakagawa. Nesses casos, fatores como idade e fonte de renda ajudam a indicar previsibilidade de pagamento e a determinar se o vendedor pode ou não liberar o crédito.
Nakagawa diz que, nos negócios de categoria B2B (vendas de empresas para outras empresas), verificar a pontuação é ainda mais necessário, porque os valores e a complexidade da cobrança tendem a aumentar. “São vendas consultivas e demoram mais para acontecer, então permitem uma análise mais sofisticada.”
As dívidas também crescem entre os negócios, de acordo com dados de outubro do Serasa. Cerca de 6,3 milhões de negócios estão inadimplentes —desses, 5,9 milhões, ou 93,6%, são micro ou pequenas empresas.
Proprietário da camisaria paulistana Paes e Filhos, Renato Paes Júnior, 39, foca a venda em atacado para outros lojistas. Fundada em 2019, a empresa com três funcionários deve faturar R$ 1 milhão em 2022. Desde o ano passado, Renato adota medidas que o ajudaram a reduzir a taxa de inadimplentes de cerca de 12% para uma média de 5% a 7%.
O empresário consulta, no Serasa, a pontuação de crédito e as transações com outras empresas. Ele faz o mesmo procedimento com fregueses mais antigos para verificar se sua situação ainda é a mesma da última compra.
Além da análise de crédito, Renato verifica há quanto tempo existe o CNPJ do comprador, pede documentos que comprovem seu cadastro em órgãos legais, como a inscrição estadual, e pede notas fiscais faturadas de compras em outras empresas.
“Por mais que o CNPJ esteja limpo, não conste nada no Serasa e tenha informações comerciais, eu procuro construir um relacionamento financeiro com o cliente. Então, na primeira compra, fechamos uma quantidade menor de peças”, afirma.
Segundo Luiz Rabi, economista-chefe da Serasa Experian, desenvolver um relacionamento permite que o empresário amplie opções para o cliente, caso este ofereça novas propostas de negociação. Se os métodos de pagamento a prazo são restritos ao cartão de crédito, por exemplo, é possível expandir para boleto ou cheque para fregueses já fidelizados.
Estabelecer uma comunicação constante com o cliente é mais um passo para reduzir a inadimplência, ajudando-o a recordar do compromisso com o vendedor. Outra possibilidade é dar descontos para quem quitar as contas em dia.
Segundo Marcelo Nakagawa, do Insper, lembretes devem ser enviados antes de vencer o prazo dos pagamentos. A estratégia deve estar inserida em uma régua de cobrança que divide a comunicação com o consumidor em algumas etapas, de acordo com o avanço da dívida.
A régua ajuda a estabelecer políticas de cobrança, desde antes do pagamento ser efetuado até a ação judicial, caso endividado não queira negociar após ser acionado por empresas de crédito.
Na Quarteto Móveis, o sócio Adriano Souza investe em uma plataforma que o ajuda na gestão financeira, informando a situação do pagamento do cliente. O sistema automatiza a cobrança e indica se há boletos em atraso.
Adriano estabelece novos prazos se o comprador não pagar na data estipulada. Caso não quite as dívidas após três renegociações, o cliente é negativado em companhias de crédito.
Para o empresário, a judicialização é usada apenas como último recurso, caso não haja renegociação de dívidas. Neste ano, Adriano entrou com uma ação judicial para exigir o pagamento de dois clientes inadimplentes. Com 25 colaboradores, a Quarteto Móveis deve faturar R$ 3 milhões neste ano. A inadimplência ficou entre 1% e 2%.
De acordo com os especialistas, a taxa máxima recomendada é de até 5%. Mas Luiz Rabi, do Serasa, diz que a cifra depende dos rendimentos do setor em que a empresa em questão estiver inserida.
“Em alguns negócios, qualquer inadimplência acima de 1% pode dar prejuízo. Quanto menor a margem de lucro, menor o espaço para devedores”, afirma ele.
Fonte: Folha