Antônio Ermírio fez fortuna apostando na indústria nacional
Empresário nacionalista e pregador das virtudes do setor produtivo, ex-presidente do Grupo Votorantim tinha horror à especulação financeira
Em tempos de desindustrialização e lucros exorbitantes do mercado financeiro fica difícil acreditar que um dos primeiros brasileiros a aparecer na lista de bilionários da revista Forbes foi um industrial que tinha horror à especulação financeira. Símbolo de empresário nacionalista, Antônio Ermírio de Moraes não poupava críticas ao lucro fácil dos bancos. “Se eu não acreditasse no Brasil, seria banqueiro”, declarou certa vez.
Como uma pequena empresa pode atrair e reter talentos?
A frase resume bem sua trajetória. Um dos grandes protagonistas da industrialização brasileira, ele sempre viu sua atuação como parte do esforço coletivo pelo desenvolvimento econômico e social do país. E foi com esse espírito que transformou o Grupo Votorantim em um dos maiores conglomerados industriais do Brasil e da América Latina, com atuação nas áreas de mineração, metalurgia, papel e celulose, cimento e suco de laranja.
Um dos grandes industriais da história do país, Antônio Ermírio não escondia sua antipatia com os bancos: “Se eu não acreditasse no Brasil, seria banqueiro”
Mas nem sempre foi assim. A Votorantim surgiu como uma tecelagem nos arredores de Sorocaba (SP) em 1918, fundada pelo imigrante português Antonio Pereira Ignacio. Em 1924, sua filha, Helena, casou-se com o engenheiro pernambucano José Ermírio de Moraes, com quem teve quatro filhos – entre eles um menino chamado Antônio Ermírio, nascido em 1928.
Formado pela Escola de Minas do Colorado, nos Estados Unidos, José Ermírio se tornou o braço direito do sogro na Votorantim e começou a expandir os negócios da empresa, transformando-a em um conglomerado industrial. Entre 1935 e 1938, o grupo passou a atuar nos setores químico, de cimento e metalúrgico, desempenhando um papel pioneiro nessas áreas no país.
De pai para filho
José Ermírio transmitiu o espírito empreendedor para os filhos e um deles
seguiu especialmente de perto seus passos: aos 16 anos, Antônio Ermírio partiu
para os Estados Unidos para estudar engenharia metalúrgica na mesma faculdade
que o pai, a Escola de Minas do Colorado. Ao se formar, em 1949, o jovem voltou
ao país para trabalhar na Votorantim, e, logo de cara, recebeu uma missão nada
simples: montar a nova empresa do grupo, a Companhia Brasileira de Alumínio
(CBA).
Na época, a produção de alumínio era dominada por grandes empresas norte-americanas, como Alcan e Alcoa, mas Antônio Ermírio não se intimidou diante do desafio. Inaugurou a CBA em 1955 com uma produção tímida, de mil toneladas por ano. Sessenta anos depois, a produção havia saltado para 466 mil toneladas por ano, fazendo da CBA uma das maiores empresas do ramo em todo o mundo.
Um dos segredos do sucesso de Antônio Ermírio foi nunca dar um passo maior que a perna. Na hora de investir em um novo projeto, ele sempre buscava financiá-lo com recursos próprios, recorrendo o menos possível a empréstimos bancários. O pé atrás com as instituições financeiras se devia a um trauma vivido logo nos primeiros anos da CBA. No começo dos anos 1960, a empresa passou por um aperto nas contas e o empresário tomou empréstimos que teve que pagar ao longo de 15 anos, sempre sob a marcação cerrada dos credores.
Bilionário sem ostentação
Com a morte do pai, em 1973, Antônio Ermírio assumiu o comando do Grupo
Votorantim, mas a posição na empresa não foi a única coisa que ele herdou do
patriarca da família. José Ermírio ensinou os filhos a valorizar o trabalho e
não ostentar, e Antônio Ermírio seguiu as duas lições à risca. Workaholic,
costumava trabalhar 12 horas por dia e fazia questão de se vestir da maneira
mais simples possível.
A austeridade fazia com que as pessoas não só não o reconhecessem, como subestimassem sua condição social. Certa vez, Antônio Ermírio entrou em uma loja de relógios importados no centro de São Paulo e, ao perguntar o preço de um modelo, o comerciante respondeu: “não é para o seu bico”. Mal sabia o vendedor que estava falando com um dos homens mais ricos do país, um dos únicos três brasileiros que entraram na primeira lista dos bilionários do mundo elaborada pela revista Forbes em 1987.
Nessa época, Antônio Ermírio se dedicava a diversificar ainda mais os negócios do Grupo Votorantim, que em 1988 entrou no ramo de papel e celulose e no ano seguinte passou a produzir suco de laranja. Por ironia do destino, em 1991 a expansão do grupo chegaria ao setor mais criticado por ele: o financeiro. Criado naquele ano, o Banco Votorantim nasceu para financiar as atividades das empresas do grupo, mas logo se abriu para clientes externos e passou a gerar lucros significativos.
O eterno industrial, no entanto, não comemorava o bom desempenho de seu banco. Muito pelo contrário: nunca se conformou com o fato de a instituição financeira dar mais lucro que a menina dos olhos do empreendedor, a CBA. “Fico triste ao ver que uma coisa tão fácil é mais lucrativa do que algo que me tomou a vida inteira”, lamentou certa vez.
Foi assim, como um pregador das virtudes do setor produtivo, que Antônio Ermírio comandou o Grupo Votorantim até 2001, quando foi diagnosticado com Mal de Alzheimer e deixou a presidência do conselho de administração, passando a batuta para seus filhos. Nos anos seguintes, seu quadro de saúde se agravou e ele acabou morrendo de insuficiência cardíaca em agosto de 2014 – bem a tempo de não assistir a uma das piores crises da história da indústria nacional.
Foto: Divulgação