China e Estados Unidos passaram os últimos anos em uma intensa guerra comercial que mudou a geopolítica global. As duas potências brigam para mostrar ao mundo a melhor tecnologia, os melhores números da economia e as maiores áreas de influência sobre outros países.
Mas há um ponto em que o gigantismo chinês é difícil de ser batido: sua data comemorativa de compras.
O Ocidente tem nesta sexta-feira uma edição da Black Friday que deve bater novos recordes, sobretudo em meio ao “ano de ouro” do e-commerce durante a pandemia.
Mas nada se compara ao chamado Dia do Solteiro, a “Black Friday chinesa”, que aconteceu há algumas semanas, em 11 de novembro. A princípio uma resposta ao Dia dos Namorados em universidades, a data é promovida desde 2009 como um dia nacional de compras na China — que aos poucos vem se estendendo a outros países com empresas chinesas, incluindo o Brasil.
Neste ano, Alibaba e JD.com, principais varejistas chinesas, venderam juntas mais de 115 bilhões de dólares no período do Dia do Solteiro, recorde absoluto em relação ao ano passado.
Projeções indicam que a Black Friday de 2020 deve movimentar nos EUA cerca de 39 bilhões de dólares, incluindo o período que próximo à data de compras, como o feriado de Ação de Graças (nesta quinta-feira, 26) e a Cyber Monday na próxima segunda, 30. É uma alta que pode chegar a 50% em relação ao ano passado, mas ainda assim pouco mais de um terço do que foi vendido no Dia do Solteiro.
Globalmente, é difícil fazer projeções sobre o tamanho da Black Friday, mas, para o Brasil, estimativa da Compre&Confie projeta cerca de 7 bilhões de reais em vendas no e-commerce na data, alta de mais de 70% em relação ao ano passado. Até às 13h desta sexta-feira, já haviam sido vendidos quase 3 bilhões de reais, segundo monitoramento em tempo real da Compre&Confie.
É mais um capítulo da disputa por influência econômica entre China e EUA, agora no varejo. As varejistas chinesas e outras empresas do país vêm crescendo para além do território chinês, mas seguindo amparadas por um mercado consumidor sem igual na Ásia, com mais de 1 bilhão de pessoas só na China.
Apesar de ainda ser uma data majoritariamente chinesa, o Dia do Solteiro teve justamente as empresas americanas — da Apple à Nike — como maiores vendedoras no mercado chinês. No ano passado, até a cantora americana Taylor Swift foi convidada pela Alibaba a abrir o evento.
Neste ano, por exemplo, a Xiaomi ultrapassou a Apple no terceiro trimestre como terceira maior fabricante de celulares do mundo. No ano passado, a Huawei já havia passado a Apple como segunda colocada, atrás só da sul-coreana Samsung.
Outro dos embates na guerra sino-americana foram as declarações do presidente americano, Donald Trump, sobre proibir o TikTok nos EUA caso não fosse vendido para uma empresa americana. O movimento de Trump terminou por fazer o TikTok, que pertence à chinesa ByteDance, fechar um acordo com as americanas Oracle e Walmart para um sistema de operações específico nos EUA — o app, contudo, não foi efetivamente vendido, e a forma como a parceria com as empresas americanas vai de fato funcionar ainda está pouco clara, com a decisão devendo ficar para o governo do presidente eleito Joe Biden.
A Huawei também é alvo frequente dos EUA, que proíbe a operação da companhia no país e vem fazendo lobby para que outros países não comprem suas redes de 5G (incluindo no Brasil).
Neste mês de novembro, os chineses também fecharam o “maior acordo comercial do mundo” no Pacífico, com seus tradicionais parceiros asiáticos, como o Vietnã, e incluindo ainda aliados americanos, como Austrália e Coreia do Sul. O bloco comercial abrange um mercado de 2,2 bilhões de pessoas e 26 trilhões de dólares, ou um terço do PIB global.
A economia chinesa é uma das únicas dentre as grandes do mundo que devem crescer em 2020. A projeção é que a China cresça mais de 2% em 2020, segundo projeções de economistas ouvidos pela Reuters em outubro. Embora o crescimento chinês deva ser o menor em mais de 40 anos, a economia americana tem recessão certa mesmo com a recuperação dos últimos trimestres, e tem queda no PIB estimada entre 3 e até 4%.
A própria Alibaba — fundada pelo empresário Jack Ma, o homem mais rico da China — é um exemplo do gigantismo chinês, com vendas superiores a 1 trilhão de dólares no ano fiscal passado. As vendas do Dia do Solteiro na companhia quase dobraram em 2020 ante 2019. O Dia do Solteiro só para a Alibaba rendeu 10 vezes mais que as vendas brutas do Magalu em 2020 (até setembro), 15 vezes as da B2W e cinco vezes as do Mercado Livre.
“Todo ano acontecem vários lançamentos de tecnologias e produtos, diferentemente do que ocorre no Brasil onde não se lança nada no Black Friday. Além obviamente da pandemia, o impacto nos negócios nos últimos meses torna a data ainda mais importante”, diz In Hsieh, fundador da consultoria Chinnovation, em entrevista anterior à EXAME sobre a data chinesa.
Mesmo na comparação com a gigante americana Amazon, o Dia dos Solteiros tem números impressionantes. A Amazon não revela seu volume bruto de vendas (o chamado GMV), mas estimativas apontam para mais de 160 bilhões de dólares, sem contar este ano de 2020 em meio ao coronavírus, que deve fechar com volume ainda maior. Assim, a Alibaba vende no Dia do Solteiro pouco mais de um quarto de tudo que a Amazon vende em um ano. A Amazon também ganha com venda de infraestrutura de tecnologia e outros produtos, da Alexa ao Kindle, e têm uma influência comercial maior no Ocidente do que a Alibaba.
Mas na guerra comercial do varejo de fim de ano, ficou difícil para os americanos competir.
Fonte: Exame