Em meio à crise da Covid-19, o Brasil alavancou o número de bancarizados: de janeiro de 2020 a junho de 2021, 38 milhões de brasileiros abriram a primeira conta bancária, impulsionados pelo pagamento do Auxílio Emergencial, lançamento do PIX e crescimento das fintechs, informou o Banco Central, em evento da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).
No entanto, segundo especialistas ouvidos pelo g1, com a perda de renda da população nesta crise, os números não representam um avanço real em inclusão financeira.
De acordo pesquisa realizada em janeiro pelo Instituto Locomotiva, 11% dos bancarizados não movimentaram a conta em dezembro de 2020, o que representa um total de 17,7 milhões de brasileiros.
Em outubro de 2019, antes da pandemia, dados dos seis meses anteriores apontavam que uma média de 7,5 milhões de bancarizados que não movimentavam a conta a cada mês.
O contexto econômico justifica parte desse aumento. A consultoria IDados, com base nos indicadores da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), aponta que a renda do trabalhador é a menor desde 2017.
Além disso, o Ibre/FGV estima que o PIB per capita irá crescer 4,1% em 2021. Com isso, o brasileiro deverá terminar o ano ainda 0,9% mais pobre na comparação com 2019 e 7,5% abaixo da máxima histórica de 2013.
Segundo Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, se o banco não oferecer facilidades suficientes aos clientes para incentivá-los a movimentar a conta, eles podem preferir não movimentá-la ou simplesmente sacar todo dinheiro para obter benefícios com dinheiro vivo, principalmente em período de crise.
“As pessoas confundem bancarização com ter um lugar para fazer saque ou depósito. Bancarização tem que ser colocar à disposição das pessoas uma gama de serviços financeiros que possam fazer diferença na vida delas”, afirmou Meirelles.
Marcelo Neri, diretor do FGV Social, afirma que o sistema financeiro do Brasil é mais voltado para o consumo e é ‘”relativamente desigual”, uma vez que exclui quem não consegue comprovar renda e acumula dívidas. Esse cenário, no entanto, tem mudado, pondera.
“O Bolsa Família criou mecanismos para a distribuição de renda no Brasil. No ano passado, a Poupança Digital da Caixa [criada para os brasileiros receberem o Auxílio Emergencial] também foi um empurrão para as pessoas manterem uma poupança”, disse.
Na avaliação do economista, com a maior concorrência do mercado por conta das fintechs, novos serviços devem ser lançados e as taxas, reduzidas — principalmente no segmento de crédito. O risco, alerta, é de a inadimplência continuar subindo.
“Para avançar [em maturidade financeira], a população precisa da estabilidade do país e do próprio governo. 41% do brasileiros recebem dinheiro de parentes e amigos em casos urgentes. Vivemos uma forma pré-capitalista de lidar com a emergência”, analisou.
De acordo com o Banco24Horas, o Auxílio Emergencial foi um forte aliado da bancarização do país e, consequentemente, da própria empresa. Com a necessidade dos usuários sacarem o benefício social, a empresa teve de reforçar a presença em periferias e regiões afastadas das metrópoles.
Segundo Luiz Stefani, diretor de autoatendimento da TecBan, dona do Banco24Horas, 54% das unidades da empresa estão na região Sudeste, 21% no Nordeste, 7% no Norte, 10% no Sul e 8% no Centro-Oeste. Atualmente, existem 24 mil caixas eletrônicos da marca no país.
Sobre a crise que econômica enfrentada pelo país e os 11% dos brasileiros que não movimentam a conta bancária há um mês, Stefani garante que as operações de saque mantêm a empresa positiva.
“Em momentos de dificuldade, há mais procura pelo dinheiro físico. Ele é um porto seguro. Mas se a economia piorar, todo mundo vai perder e, aí sim, vamos ser impactados”, afirmou Stefani.
Fonte: G1