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Bancos e pandemia: quando tributar não é a melhor solução

Artigo de Pedro Aurélio de Queiroz Pereira da Silva

Calibragem de medidas no sistema financeiro deve ser bem dimensionada para evitar abusos normativos e regulatórios

Em meio à emergência fiscal provocada pela pandemia, avultam propostas para elevar a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) de instituições financeiras.

Entretanto, o questionamento que deve ser feito é: tais medidas serão adequadas à promoção do bem-estar econômico e social em tempos de crise ou, ao revés, poderão agravar ainda mais o cenário já cambaleante dos diferentes segmentos impactados?

Entre os projetos, três deles têm sido citados com frequência. O primeiro do Senador Weverton Rocha (PDT-MA), PL 911/2020, prevê o aumento da alíquota de 20% para 50%. Já o Projeto de Lei 1349/20 do deputado João H. Campos (PSB-PE) estabelece uma alíquota temporária extra de 30% para a CSLL dessas instituições com duração até 31 de dezembro deste ano. Por sua vez, o PL 940/20 do deputado Helder Salomão (PT-ES) propõe a elevação da atual alíquota para 35%.

A verdade é que diferentemente de outras crises, os bancos serão agentes cruciais para o soerguimento de setores devastados com as medidas de isolamento social. Isto porque bastante peculiar na crise atual é o fato de que diversas empresas tiveram suas atividades abruptamente interrompidas ou drasticamente reduzidas por um fator exógeno à sua própria atuação e que está relacionado à pandemia.

A eclosão da pandemia acabou por comprometer fluxo de caixa, remuneração de empregados, e, entre outros, dinheiro para capital de giro de muitos setores. Nesse cenário, os bancos públicos e privados surgem como peças fundamentais para financiar as atividades empresariais, facilitar a emissão de debêntures conversíveis em ações e por meio da utilização de “warrants” em larga escala.

O primeiro ponto a ser considerado é que uma tributação maior em um mercado tão concentrado como o bancário poderia contribuir para a criação de um peso morto tributário, o que seria verificado com o repasse desse “custo tributário” para as empresas por meio de juros ainda maiores nos empréstimos contratados.

A maior tributação seria suportada, na prática, por aqueles que já estão sobrecarregados financeiramente e não exatamente pelos bancos. É preciso lembrar que os bancos são agentes intermediários e que trabalham, essencialmente, com recursos de terceiros.

Custos maiores na captação do dinheiro, no pagamento de tributos ou decorrentes do risco de calotes são incorporados nessa equação e, em última instância, pagos pelos próprios tomadores desses serviços. Sobrecarregar o setor nesse momento apenas contribuiria para a elevação destes custos que, suportados indiretamente pelas empresas, poderão aumentar ainda mais a inadimplência, comprometendo a higidez do sistema financeiro e a recuperação dos segmentos de mercado afetados.

Nesse aspecto, o setor passa por delicado momento com a potencialização de ativos problemáticos que poderão ultrapassar os patamares já observados no auge da recessão encerrada em 2016, como demonstrou o Banco Central em recente diagnóstico do setor veiculado por meio do Relatório de Estabilidade Financeira (REF) de abril de 2020.

Outro ponto é que tributos maiores teriam como consequência não apenas a elevação das barreiras à entrada no mercado bancário, mas também nos demais segmentos afetados pelos custos agregados na captação de recursos. Dito de outro modo, tributos maiores dificultarão a entrada e operação de novas empresas.

Isso significa que os maiores afetados não seriam exatamente os maiores players desses mercados, mas sim bancos menores, incapazes de praticar preços competitivos, pequenas e médias empresas ou entrantes que teriam dificuldade de acesso ao crédito a custos reduzidos.

Mas, afinal, o que poderia ser feito para impactar positivamente o setor bancário e, via reflexa, o setor produtivo? A resolução desta questão passa necessariamente pela introdução de maior competição no mercado bancário.[1]

Nesse sentido, estudos conduzidos nos EUA por Berger, Humphrey, Claessens, Klingebiel e Swammy sugerem que a concorrência bancária é fundamental tanto em termos de eficiência estática como dinâmica.

Haber, por sua vez, ao comparar a concorrência bancária nos EUA e México, concluiu que a cultura disseminada da concorrência americana é atribuída em grande medida à existência de efetiva concorrência entre os bancos, o que contribuiu para a facilidade no acesso ao crédito.

Por outro lado, concluem os autores que a ausência de concorrência mexicana deveu-se, justamente, à excessiva concentração bancária e distribuição do crédito em condições não-isonômicas.[2]

Outros estudos de Shaffer, Jarayaratne e Strahan conseguiram demonstrar que os Estados americanos que incentivaram a concorrência bancária lograram obter maiores taxas de crescimento econômico, crescimento mais acelerado do mercado de construção civil por meio da melhoria do acesso ao crédito e da qualidade dos financiamentos.

Cetorelli e Strahan demonstraram que o aumento do número de empresas e a maior quantidade de empresas de menor porte estão, fortemente, associados ao grau de concorrência bancária. Por fim, Zingales, Guiso e Sapienza evidenciaram que a ausência de concorrência bancária na Itália era um fator que dificultava a abertura de startups por jovens empreendedores.[3]

No Brasil, barreiras são erigidas artificialmente como a exigência de recebimento de salário no banco como condição para que clientes obtenham benefícios como taxas menores de financiamentos ou por meio de isenção de tarifas bancárias mediante investimentos ou contratação de serviços específicos, o que acaba fazendo com que usuários do serviço permaneçam fidelizados, pois, não poderiam transferir também seus financiamentos e investimentos sem perder os benefícios. Os chamados switching costs (custos de transferências) provocam uma fidelização forçada e é algo marcante no setor financeiro.

Outro fator apontado como determinante para inexistência de concorrência no setor bancário é a vantagem informacional de um banco com posição dominante sobre seus concorrentes e, principalmente, sobre potenciais entrantes, o que se traduz em um acréscimo de poder de mercado após a “captura” do usuário do serviço.

Nakane esclarece que modalidades de crédito, cheque especial e, entre outros, conta garantida para pessoas jurídicas criam situações de “locked in”, isto é, aprisionamento de clientes, em razão da barreira erigida para transferência.[4]

Tal situação é também verificada na dificuldade imposta pelos bancos à realização de transferências bancárias, limitação de valores, exigência de cadastros prévios ou presença física em agências como condição para efetivação de TEDs, DOCs e demais transações.

Assim, é preciso avaliar com muito cuidado o impacto de medidas tributárias em tempos de pandemia, notadamente, para que os custos da intervenção não sejam maiores que os benefícios esperados.

Nesse aspecto, a calibragem dessas medidas no sistema financeiro deve ser bem dimensionada, avaliando-se seu impacto previamente, até para que sejam evitados eventuais abusos normativos e regulatórios que poderiam trazer consequências ainda mais graves para o bem estar econômico e social, menor eficiência econômica, custos maiores para o setor produtivo e desestímulo à concorrência bancária.[5] Aumentar tributos é solução fácil, mas longe de ser a mais inteligente, neste momento.


[1] Embora o artigo enfoque a questão concorrencial, uma das importantes medidas para impactar positivamente o sistema financeiro passa pela concessão de poderes mais amplos ao Banco Central para atuação no mercado secundário de crédito para imprimir maior liquidez às empresas, injetar dinheiro no mercado e, assim, garantir maior segurança nas transações, de modo que as instituições financeiras tenham incentivos a emprestar mais e a juros menores. Em grande parte, estas medidas estão previstas na chamada PEC do Orçamento de Guerra (Proposta de Emenda à Constituição 10/20).

[2] Os estudos referidos nesse parágrafo são extraídos da obra Rethinking Bank Regulation – Till Angels Govern  de BARTH, James R., CAPRIO Jr., Gerald; ROSS, Levine. New York: Cambridge. 2006, p. 50-51.

[3] Estudos também extraídos da obra Rethinking Bank Regulation – Till Angels Govern  de BARTH, James R., CAPRIO Jr., Gerald; ROSS, Levine. New York: Cambridge. 2006, p. 50-51.

[4] Para maiores detalhes sobre os fenômenos de switching costs locked in no setor bancário, consultar NAKANE, Márcio I. Concorrência e spread bancário: uma revisão da evidência no Brasil. Relatório de Economia Bancária e Crédito. Dezembro de 2003. Banco Central do Brasil. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/?SPREAD>. Acesso em: 29 jun. 2016. Tratamos do tema em nosso “Direito Antitruste. Os Fundamentos da Promoção da Concorrência.” São Paulo: Editora Singular, 2018.

[5] A propósito do tema do abuso de poder regulatório e da avaliação de impacto regulatório, previstos na Lei de Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019), recomenda-se a leitura do artigo “Lei de Liberdade Econômica e a Defesa da Concorrência”, escrito em conjunto com a Professora Juliana de Oliveira Domingues e publicado no livro Lei de Liberdade Econômica – e seus Impactos no Direito Brasileiro (Coordenação de Luis felipe Salomão, Ricardo Villas Bôas Cueva e Ana Frazão), Editora RT, São Paulo, 2020.

*Pedro Aurélio de Queiroz Pereira da Silva – Mestre em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente é Procurador na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).

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