Black Friday é mais que uma 6ª feira. É uma semana, é um mês. É um estado (promocional) de espírito.
Mas será que funciona?
Eu acho que sim.
Agora, enquanto o querido leitor joga pedras simbólicas em mim e diz que Black Friday é pura enrolação, vou construir algumas perspectivas. E pra isso é interessante a gente colocar o chapéu do vendedor e depois o do cliente.
A Black Friday se consolidou nos EUA como uma liquidação eminentemente pós-Thanksgiving (que por sinal não tem nada de Ação de Graças no sentido religioso. Celebra a união entre os colonizadores e os índios. E coitados dos perus, que sempre acabam sendo as estrelas principais da mesa – e lá nem tem Chester).
Aqui no Brasil não tem o Thanksgiving e a data virou sinônimo de promoção pesada. Começou com eletro-eletrônicos e vazou pra todos os segmentos.
Mas como muitos aproveitadores são aproveitadores, aqui distorceram o real senso promocional e aumentaram os preços para depois dar descontos. Acabou sendo a piada de “a metade do dobro” ou a “metade do triplo”. A puxada promocional se dissolveu e a Black Friday acabou com problemas de credibilidade.
Só que o ecommerce alcançou voos mais altos pouco antes da pandemia e mais ainda nela e muitos concorrentes passaram a ser omnichannel: vender em todos os canais, de forma integrada. Isso de certa forma purificou o conceito promocional da Black Friday, porque atualmente só sobrevive quem é de fato correto, já que omnichannel inclui vender pela internet e pela internet tudo se compara.
A velha prática de aumentar o preço pra demarcar depois acabou deixando de fora da competição pelo cliente aqueles players tolinhos que acham que são muito espertos. Não enganam mais quase ninguém. O cliente compara, o cliente pesquisa, o cliente não é tolinho.
Então, na perspectiva de comerciantes e fabricantes sérios, a Black Friday se tornou um projeto robusto, com muito planejamento, muita negociação com os fornecedores, com muita dedicação a preços de fato mais convidativos. E publicidade honesta. Claro que tem os caroneiros, aquelas lojas que usam o material de decoração igual ao do vizinho, mas que não estão bem no espírito da coisa.
E pra consumidores sérios, que de fato querem comprar: muitos descontos de verdade. Já não funciona a conversa de desacreditar o que está claramente demarcado (sim, tem sim os enganadores, mas já são minoria). Então começa a festa. Mais ainda porque a primeira parte do 13º salário chega perto do evento e, para quem compra com cartão, dá pra contar até com a segunda parte.
Alguns exageros ainda atrapalham a pressão que a Black Friday poderia fazer no Brasil: promoções funcionam bem quando oferecerem vantagens adicionais e temporárias. Repetindo: temporárias. A Black Friday americana tem um poder de fogo excepcional por ocorrer – literalmente em uma 6ª feira. Tudo bem, vamos estender até o domingo. Lá eles também fazem isso. E começam na 4ª ou na 5ª feira, beleza, all right, good job. Isso já faz com que ela seja o dia mais longo do ano, pois tem o tamanho de um final de semana enooooorme, ou de uma quase semana mesmo.
Mas aqui tem exagero: estender o que seria uma 6ª feira promocional pra um mês inteiro de ofertas dissolve a pressão pela compra imediata. Aquela coisa de não precisar correr porque dura o mês (quase) todo.
Isso não ajuda nada na pressão de compras (me lembrei de uma loja na Rua Toneleros, em Copacabana;RJ, que ficou anos com a vitrine pintada de promoção para entrega das chaves. Acho que ninguém queria as chaves de volta…).
No final da história, entre vendedores e compradores, na Black Friday salvaram-se todos. Salvou-se sobretudo, nos últimos tempos, o conceito de uma promoção séria, com vantagens reais para quem compra. Capaz de deixar o Papai Noel com ciúmes, já que muita gente antecipa agora o Natal.
Sem medo de canibalização: é melhor entrar logo na competição pelo bolso do cliente do que deixar o concorrente sozinho.
Boas compras! Boas vendas!