“Estão descobrindo agora como financiar compras, algo que a gente sempre fez”. A frase é de Roberto Fulcherberguer, presidente da Via (antiga Via Varejo), dona das marcas Casas Bahia e Ponto Frio, sobre uma tendência que ganha força no exterior e começa a desembarcar no Brasil: o Buy Now Pay Later (compre agora, pague depois). Para o executivo, o BNPL nada mais é do que o bom e velho crediário com uma roupagem nova — o que não significa que a companhia queira ficar de fora da moda. Desde 2020, quando adquiriu a fintech banQi, a Via está digitalizando o “carnê das Casas Bahia” e agora no terceiro trimestre vai levar a solução para fora das lojas próprias, começando pelos 70.000 lojistas que estão no seu marketplace.
Em essência, o BNPL tem dois objetivos: facilitar as compras para os consumidores sem acesso a cartões de crédito e ajudar os lojistas a vender mais online e diminuir os custos de aquisição de clientes. Mesmo entre as empresas digitais, a modalidade não é bem uma novidade. A startup sueca Klarna, avaliada em US$ 45,6 bilhões e uma das principais referências no assunto, foi fundada em 2005. Mas é inegável que essa indústria fora do Brasil vive o seu ápice agora, impulsionada pelo crescimento do e-commerce desde o início da pandemia.
Na visão da consultoria CB Insights, o crediário digital chama a atenção dos varejistas principalmente por sua capacidade de alavancar as vendas entre os millennials e os jovens da geração Z. Estima-se que em 2020, nos Estados Unidos, as compras feitas com BNPL somaram entre US$ 20 e US$ 25 bilhões. Até 2025, a expectativa é que a modalidade de pagamento cresça de 10 a 15 vezes, ultrapassando US$ 1 trilhão em volume transacionado por ano ao redor do mundo — especialmente com gigantes como Amazon, Walmart, PayPay e Apple lançando suas próprias soluções. No Brasil, startups como a colombiana Addi e a brasileira Dinie, que receberam, respectivamente, investimentos de US$ 140 milhões e US$ 3,8 milhões em 2021, tentam trazer o crediário digital para o varejo brasileiro.
Diante dessa movimentação, a Via não fica parada e alega ter um trunfo em mãos: seis décadas de experiência financiando as compras dos brasileiros. Ao final de junho, a companhia tinha mais de 4 milhões de clientes ativos no crediário, totalizando uma carteira de R$ 4,7 bilhões — 53% maior que no mesmo período de 2020. “Acreditamos que crédito é um pilar extremamente importante e temos muita inteligência acumulada sobre como fazer isso. O segredo não é ter bilhões para investir ou muita informação, é preciso saber como combinar os dados para ser assertivo, e isso leva tempo”, diz Fulcherberguer.
Com o banQi, a Via digitalizou seus motores de crédito para acelerar a análise dos clientes sem aumentar as taxas de inadimplência, que giravam em torno de 4,7% no final do segundo trimestre. Aos poucos, o carnê de papel vai dando lugar ao aplicativo da fintech, seja nas compras feitas nas lojas físicas ou no e-commerce. “Mais da metade dos clientes já não levam o papel para casa”, diz o presidente. A digitalização também ajudou a levar o crediário para pelo menos 1.500 cidades que não têm lojas físicas das marcas do grupo.
Com a operação própria de crediário digital engatilhada, a Via vê o marketplace como a nova fronteira a ser explorada. A intenção da varejista é ainda no terceiro trimestre começar a oferecer seu serviço de BNPL para as compras feitas nas lojas de terceiros dentro dos seus sites. Para isso, a empresa conta com a ajuda da startup GoPublic, na qual investiu na semana passada, para dar mais robustez ao seu modelo de análise de crédito. “A GoPublic tem uma ferramenta complementar que pode alimentar nosso motor de crédito com mais dados e, no futuro, nos ajudar a fornecer crédito de capital de giro para os lojistas”, diz Helisson Lemos, vice-presidente de marketplace da Via.
Levar o “carnê das Casas Bahia” ao marketplace é forma que a Via encontrou para se diferenciar da concorrência: os sortimentos podem ser parecidos em várias lojas online, mas as formas de pagamento ainda não são. “Hoje a penetração do e-commerce no Brasil é de 10% a 11% e está limitada a pessoas dos grandes centros com cartão de crédito no bolso. A medida que as compras online vão se expandindo, é preciso dar novas formas para o consumidor sem cartão ou limite no banco comprar”, afirma Fulcherberguer.
O crediário não é a única aposta: a Via está empenhada em desenvolver infraestruturas de concessão de crédito. Pelo banQi, a companhia já soma mais de R$ 16 bilhões em crédito pessoal pré-aprovado para mais de 15 milhões de clientes. “As pessoas querem crédito não só para comprar produtos, mas para pagar dívidas, fazer cursos. A vantagem é que com o banQi conseguimos chegar a um cliente que não está acostumado a entrar em agência bancária, mas sim a ir até as Casas Bahia” diz André Calabró, diretor de soluções financeiras da Via.
Já para as pessoas jurídicas, a Via planeja lançar um vertical para atender microempreendedores. Inicialmente, a solução vai oferecer uma conta digital e depois uma maquininha para fazer transações. A expectativa do grupo é usar a experiência da fintech Celer, adquira em abril, e a da GoPublic para analisar o perfil dos lojistas e conceder crédito para eles investirem no próprio negócio. A partir desse relacionamento, a Via planeja levar seu crediário para as lojas físicas de terceiros, usando a maquininha do banQi como intermediária.
Outros dois investimentos em startup que a companhia anunciou na semana passada dão pistas do caminho que ela deve seguir na jornada financeira. Além da GoPublic, a varejista investiu na Poupa Certo, uma fintech de gestão e educação financeira, e o byebank, uma plataforma de investimentos em criptomoedas. “Não temos a pretensão de desenvolver todas as soluções que precisamos dentro de casa, dividindo as atenções entre milhares de serviços. Por isso, a gente se aproxima dos empreendedores que estão no ecossistema”, diz o presidente da Via.
Fonte: Exame