“Sem dinheiro não adianta nada, o dinheiro é fundamental“
Como Alexandre Birman, o CEO do grupo Arezzo, “subiu na árvore” antes de o tsunami chegar
O executivo se preparou com uma certa antecedência para a crise causada pela pandemia. Em entrevista ao NeoFeed, ele conta os bastidores da operação para deixar o grupo pronto para a guerra, como a empresa está se saindo e a virada digital da economia.
Alexandre Birman, CEO do grupo Arezzo & Co, é praticante de triatlo, um esporte que traz duas características fundamentais para lidar com crise iniciada pela pandemia: disciplina e sofrimento.
Como nas exaustivas provas, Birman está adotando a disciplina para implementar mudanças na companhia durante um momento de muito sofrimento para a economia mundial e, claro, nacional.
Com sete marcas como Arezzo, Anacapri e Schutz, uma rede de 752 lojas e fábricas próprias, o grupo, que faturou R$ 2,03 bilhões no ano passado, teve de fechar todas as lojas físicas temporariamente e viu quase 90% de seu faturamento desaparecer.
Birman, entretanto, já estava se antevendo a esse tsunami que varreria a economia nacional. Semanas antes da quarentena ser decretada em quase todo o País, alertado dos perigos por seu pai e fundador do grupo, Anderson Birman, ele “subiu na árvore”, como diz, para não ser engolido pela onda.
Birman desenhou um plano emergencial colocando todos os funcionários em home office, acessou linhas de crédito de R$ 500 milhões para fortalecer o caixa e preparou a rede para vender digitalmente.
Em duas semanas, colocou mais de cinco mil vendedores para vender online, um trabalho que levaria dois meses na questão de infraestrutura. “Batemos o nosso recorde no e-commerce na última quinta-feira, 16 de abril, e vendemos R$ 2,3 milhões em um único dia”, diz Birman ao NeoFeed.
Na entrevista que segue, ele fala sobre os planos que traçou com o pior cenário, dos desafios para manter a operação e a moral dos franqueados, mas se diz otimista. “No fim do ano teremos 90% do faturamento do ano passado”, afirma. Acompanhe:
Como tem sido a adaptação a esses novos tempos? Afinal, o grupo tem lojas próprias, franquias e também conta com fábricas.
Não dá para negar que é uma transformação, os impactos são vários. Mas preciso confessar que estamos extremamente confiantes nesse momento por conta de uma série de fatores. Primeiro, nós temos um modelo de negócios asset light. Por mais que tenhamos uma presença vertical, desde o desenvolvimento de produto, indústria própria, lojas próprias e distribuição multicanal, temos um ROIC (Retorno sobre o capital investido) médio de 30%. Além disso, nossa empresa tem uma característica histórica de ser geradora de caixa. Meu pai (Anderson Birman, fundador e maior acionista do grupo Arezzo) nunca olhou muito para lucro líquido puro e muito menos para Ebitda. Sempre olhamos para caixa, sempre foi historicamente o nosso grande driver. Tanto é que tem um relatório que meu pai criou no começo dos anos 1990 que é, religiosamente, gerado toda a semana. Ele se chama ZPF.
O que é o ZPF?
Zerar a posição financeira. É uma conta que o meu pai chama de “o balanço de padeiro”. ‘Se eu for fechar o meu negócio amanhã, o que eu tenho?’ Você tem o seu caixa, soma o quanto tem a receber, soma o seu estoque a custo, subtrai a contas a pagar de fornecedores e subtrai seu custo fixo por três meses. O resultado disso sempre foi altamente positivo. Controlamos isso há 30 anos e toda semana esse valor tem de crescer. Sem dinheiro não adianta nada, o dinheiro é fundamental. Cash is king mais do que nunca. Entretanto, não adianta ter dinheiro e não ter cultura. A empresa tem uma cultura extremamente aguerrida. A nossa empresa é muito rápida. Então, você junta caixa, cultura, governança… Esse é o momento que as empresas que não têm governança sofrem mais.
Você conseguiu, minimamente, se preparar para essa crise?
Meu pai tem um papel de mentor para mim e temos um encontro semanal, todas as sextas-feiras. No dia 6 de março, que parece que foi um tempão atrás dentro dessa loucura que estamos vivendo, ele me deu um aviso. ‘Estou lendo as matérias sobre a pandemia, estou sentindo que vai ser muito mais sério do que todo mundo está pensando, queria que você se preparasse para uma crise jamais vista. Vai ser pior do que a Segunda Guerra Mundial’.
Como foi receber essa mensagem?
Eu achei que ele estava louco, bem louco. Falei para ele, ‘você está vendo coisas, está ficando com medo.’ Na segunda-feira, 9 de março, comecei uma reunião com o time e disse para eles o que o meu pai havia dito. O time disse: ‘Ah, Alexandre, seu pai está muito negativo’. Botei o meu pai no viva-voz, ele disse que as lojas iam fechar, o mundo ia parar e todo mundo perder o emprego. O pessoal disse, ‘se for assim como o seu pai disse, estamos ferrado mesmo, hein!.’ No dia seguinte, fui para uma feira de calçados no Rio Grande do Sul e veio a notícia que tinha um italiano que estava na feira e estava com coronavírus. Eu tinha 60 pessoas na feira e pedi para todos voltarem. Aí, vi que o negócio era sério mesmo.
E aí, o que decidiu fazer?
A partir dali, no dia 13 de março, fiz uma reunião com todos os franquiados dizendo que tinha uma grande chance de todas as lojas serem fechadas. No dia 18, todas as lojas foram fechadas. Estou te contando isso para mostrar que tivemos uma antecipação para a preparação para a crise. O que aconteceu naquele dia 6? Imagina que você está numa praia e chega alguém (no caso foi meu pai) dizendo que está vindo um tsunami gigantesco. Mas ninguém está vendo tsunami nenhum, está vendo o mar meio batido. Alguns acreditam e resolvem subir na árvore. Outros dizem ‘você está louco, não tem tsunami nenhum’. Só que, de repente, veio um tsunami enorme que arrebentou com tudo. A questão é que o tsunami ainda está batendo.
O que você fez para subir na árvore e se proteger desse tsunami?
A empresa já tinha uma posição de caixa forte. Tínhamos R$ 250 milhões de caixa e eu cheguei para o meu CFO e falei o seguinte: ‘quanto você tem de linha de crédito ao custo máximo de CDI mais 2%?’ Ele me respondeu que tínhamos R$ 500 milhões com prazo de 18 meses. Disse para ele pegar tudo. Ele me disse que eu estava louco. Resolvemos pegar R$ 250 milhões. Aprovamos isso no conselho de administração em duas horas. Passou uma semana e pegamos mais R$ 200 milhões. Ou seja, a empresa terminou no dia 31 de março com muito dinheiro em caixa. Essa foi a primeira árvore.
Qual foi a segunda?
Começamos a ser proativos com a segurança das pessoas. Antes de qualquer quarentena, perguntei quanto tempo levaria para colocar a empresa inteira em home office. Me responderam que levaria uma semana, mas perguntei se dava para fazer em dois dias. Fizemos isso, demos treinamento, álcool gel, trouxemos infectologista… Depois disso, olhamos o ciclo de negócios.
O que foi feito nesse caso?
Tem um processo do calçado que a primeira coisa que você faz é pegar o couro e cortar. Tudo o que não está cortado, cancela. Com isso, cancelei 25% da produção. Aí, falamos das lojas. Como preparar para fechar? Como está a nossa omnicanalidade? A gente tinha uma ferramenta que sabia que seria muito poderosa, que é a capacidade de fazer uma venda remota. Ou seja, através de um aplicativo, você, como vendedor, pode acessar o estoque do e-commerce e fazer uma venda. A gente chamava de vendedores digitais. Perguntei para o meu diretor de TI quantas pessoas estavam usando a ferramenta. Ele me disse que 100 pessoas usavam. Perguntei para ele, então, quanto tempo levaria para migrar 5 mil vendedores para a ferramenta. Ele me respondeu que levaria dois meses. Disse para ele que precisava em duas semanas. E conseguimos. Transformamos a empresa em digital. Tanto é que batemos o nosso recorde no e-commerce na última quinta-feira, 16 de abril, e vendemos R$ 2,3 milhões em um único dia.
Qual era o recorde até então?
Era de R$ 2 milhões na Black Friday do ano passado. Vendemos mais do que numa Black Friday. Estamos crescendo 124% no e-commerce, neste mês, sobre uma base que já é alta. O e-commerce nosso já representava 12,5% do nosso faturamento total.
“Estamos crescendo 124% no e-commerce, neste mês, sobre uma base que já é alta”
Para termos uma ideia, se hoje o grupo estivesse com as lojas físicas abertas, qual seria a parcela do online no faturamento total?
Seria o equivalente a 25% do nosso faturamento.
O grupo tem centenas de franqueados que devem estar preocupados. Como vocês lidaram com isso?
Tivemos um alinhamento muito rápido, não deixamos a turma tomar susto. Fomos muito proativos na forma de parar os faturamentos. Desde os anos 1990, a gente sempre separou o que é o serviço da franqueadora, que são os royalties para cobrir as nossas áreas de pesquisa de produto, comercial, gestão e tecnologia, temos uma nota fiscal de royalty. É uma nota fiscal separada, cobrada uma vez por mês. Isso a gente prorrogou por 60 dias. Já os produtos, que a gente paga para a fábrica, estamos tendo um bom índice de adimplência.
E custos como aluguel de shoppings?
Negociamos com os shoppings para reduzir brutalmente os custos. Por último, nos aproximamos dos sindicatos dos trabalhadores, principalmente, na área do Vale dos Sinos, onde estão nossas fábricas e fornecedores, para que os sindicatos fossem muito parceiros na implementação das medidas provisórias. Conseguimos implementar a MP 936 pagando 30% do custo e o governo os outros 70% porque são salários médios de até dois salários mínimos. Agora a questão é esperar o tsunami passar para ver qual terreno teremos nos nossos pés para começar uma nova era.
“A questão é esperar o tsunami passar para ver qual terreno teremos nos nossos pés para começar uma nova era”
Que nova era seria essa?
Nessas últimas cinco décadas, a empresa passou pela era industrial, a era do crescimento do modelo de franchising com foco em marca, a era corporativa quando vendemos 25% do capital e fizemos o IPO há 10 anos, e agora estamos criando a era digital. E ela veio para ficar.
Por mais que as vendas digitais tenham crescido bastante em tão pouco tempo e que seja impressionante o que o grupo fez, o faturamento ainda está bem longe do que tinha com as lojas físicas abertas. Quanto tempo o grupo aguenta isso?
Estamos prevendo que as lojas ficarão fechadas até o final de julho. É aquela frase, ‘espere o pior, mas torça para que ele não aconteça.’ Estamos nos preparando para o pior. Mas estamos crescendo também as vendas através do link, que é utilizar o estoque da loja e operar a venda através desse link sem estar com a loja aberta. A equipe dos franqueados vende por WhatApp ou Instagram e os franquiados têm acesso ao estoque das lojas. Em março, essa ferramenta tinha dado R$ 1,5 milhão de receita. Em abril, até o dia 15, tinha dado R$ 3,5 milhões e vai terminar com R$ 6,5 milhões. Se eu continuar nessa escala, vou para R$ 25 milhões no mês que vem. Então, vamos chegar entre 35% e 45% da receita original a partir de 15 de maio, com as lojas fechadas. O cenário que estamos prevendo pior é lojas fechadas até o final de julho e, a partir daí, uma retomada gradual com 40% do que era o business anterior, terminando com 90% no fim do ano. Esse é o pior cenário que estamos trabalhando.
Mas a empresa aguenta até julho?
Aguentamos até mais. Tenho um custo fixo de R$ 25 milhões por mês e tenho mais de R$ 600 milhões em caixa. Aguentamos um ano, se for preciso. Óbvio que isso vai deixar sequelas. Mas tem uma frase que uso desde o início dessa crise que é a seguinte: ‘essa empresa não começou a se preparar para a crise há um mês, ela foi forjada na crise’. Temos muitas cicatrizes no corpo, de 50 anos de batalha.
“Essa empresa não começou a se preparar para a crise há um mês, ela foi forjada na crise. Temos muitas cicatrizes no corpo, de 50 anos de batalha”
O grupo tem operação fora do Brasil. Você sentiu diferença com os negócios daqui?
Nos Estados Unidos, o baque foi muito mais forte. A situação lá está muito complicada. Tivemos de tomar uma cautela maior em relação a redução de custos. Lá, fizemos uma redução grande de pessoas, fechamos algumas lojas que não reabriremos e estamos enxugando a operação para torná-la digital mesmo. A Schutz, que já tem quase 50% da receita vindo do e-commerce, juntando o nosso e de terceiros, vai virar um business praticamente digital com poucas flagships para o fortalecimento da marca.
Quantas lojas pretendem fechar em definitivo?
Das nove lojas lá, três devem ser fechadas.
Nos últimos anos, a indústria calçadista chinesa ganhou muito mercado. Atualmente, eles estão com problemas de fornecimento. Você acredita que a indústria calçadista brasileira pode sair fortalecida mundialmente?
A parte que ficar de pé vai.
Qual é a sua opinião sobre o lockdown? É a favor do formato horizontal ou vertical?
Sou a favor de seguir as regras da Organização Mundial de Saúde (OMS) e dos governos, sejam o Federal, os estaduais ou municipais.
Como será a moda e o seu mercado depois de tudo isso?
Haverá uma depuração muito grande no mercado de moda. A mídia, que já estava em transformação, de mídia offline para online, não volta mais a ser offline. A economia circular, a necessidade de origem de matérias-primas usadas, isso tudo veio para ficar. Digital, sustentabilidade e questões humanitárias e sociais. A consciência de consumo veio para ficar.
Foto: Alexandre Birman, CEO do grupo Arezzo&CO