O Brasil vive um momento único. Acometido por uma pandemia, que levou mais de 127 mil vidas até esta quarta-feira (9), o país agora enfrenta a necessidade de retomar a economia para evitar mais desempregos e o fechamento de empresas, sem sanar a crise sanitária. O auxílio emergencial de R$ 600, aprovado pelo Congresso, funcionou para conter a fome e a pobreza extrema e impulsionou a popularidade de Bolsonaro, tamanho seu impacto sobre a vida de milhões de brasileiros.
Mas o desafio para o governo neste momento não é pequeno. Bolsonaro terá de agradar todos os perfis que compõem a sua base. E eles são diversos, com necessidades distintas. Para entender esse cenário, entrevistei o economista Maurício Moura, fundador do instituto de pesquisa Ideia Big Data e professor da George Washington University.
A coluna teve acesso exclusivo aos dados de gênero, classe econômica e região sobre a análise mais recente, que aponta um maior apoio das mulheres, mas mostra que elas ainda correspondem ao grupo que mais resiste a apoiar o presidente, como ocorre desde a campanha de 2018. Cerca de 57% das entrevistadas avaliou o governo como ruim/péssimo, enquanto 44% dos homens entrevistados consideraram o governo “ruim/péssimo”. A pesquisa tem abrangência nacional, foi feita por telefone entre os dias 24 a 31 de agosto, com amostra de 1.235 entrevistados e margem de erro de 3 pontos percentuais.
“As mulheres sempre foram um problema para Bolsonaro, desde o começo, um ponto fraco. Ele melhorou bastante essa proporção ao longo do tempo. Agora, com o auxílio emergencial, essa proporção bate positivamente, mas ele sempre foi mais popular com o grupo masculino”, explica Moura.
Há quatro conjuntos principais em sua aprovação. Bolsonaro conta com os que o apoiam em quaisquer circunstâncias, não importa o que ele faça. São sobretudo homens, das classes A e B, de regiões metropolitanas e de ideologia antissistema, os negacionistas. Esses são responsáveis por cerca de 10 pontos percentuais em sua aprovação.
Existem também os liberais de classe A e B, homens e mulheres de até 40 anos, antipetistas, que continuam acreditando no governo. Esses correspondem a cinco pontos percentuais na aprovação de Bolsonaro. Tem também um grupo formado pela classe C, homens e mulheres de grandes e médias cidades e evangélicos. Esse grupo compõe com aproximadamente 10 pontos percentuais a aprovação do presidente.
Há, por fim, o novo grupo, composto pelas classes D e E, do Norte e Nordeste, e que somam principalmente aqueles que foram beneficiados pelo auxílio emergencial. São 12 pontos percentuais em sua base de sustentação, que responde de forma mais pragmática às políticas públicas, pois se relaciona diretamente com o Estado. Ao que tudo indica, segundo Moura, a redução da renda básica para R$ 300 impacta um pouco a popularidade do presidente, mas menos do que voltar ao patamar anterior do Programa Bolsa Família.
Um quinto grupo aparece como ex-apoiador de Bolsonaro. São os lavajatistas, fortes defensores do ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro, das classes A, B e C, de grandes e médias cidades. Para esses, que correspondem a 10 pontos percentuais na perda de apoio a Bolsonaro, Moro seria um herói.
Esse cenário mostra que há um vácuo a ser ocupado nas eleições presidenciais de 2022 que desafiam o presidente: quanto mais o bolsonarismo aposta na polarização dos discursos, mais contrapõe antipetismo versus antibolsonarismo e acaba por abrir uma brecha onde estão aqueles que não apoiam nem um lado, nem o outro. Quem preencherá esse espaço?
É um quadro peculiar. “A gente vive um fenômeno que no meu histórico de fazer pesquisa é único: temos entre os cinco primeiros candidatos um presidente que não tem partido, Lula, com problemas sérios de se viabilizar como candidato, o ex-juiz Sergio Moro, que não tem partido, e o apresentador Luciano Huck, que também não tem partido”, descreve Moura.
Aparecem também na corrida o ex-ministro e ex-deputado federal Ciro Gomes (PDT), único representante da política tradicional sem entraves para se tornar candidato, mas que perdeu as eleições presidenciais de 2018 no primeiro turno, e o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), que já foi do MDB, é militar e médico, mas pouco conhecido no país. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), vem na sétima posição.
Pela primeira vez, Bolsonaro está equilibrado com Lula nas classes D e E, mostra a pesquisa. “Isso é novidade. Vejo duas externalidades para Bolsonaro, uma negativa e uma positiva. A positiva é que ele está ganhando terreno no espaço do principal adversário político. Isso é sempre positivo, do ponto de vista de capital político, de popularidade. A outra, que é complexa, é que se isso se perpetuar, daqui para frente, até 2022, a gente vai ter um tema principal a nível nacional que é a economia”, diz o professor.
“Teremos um cenário que ainda não vivemos enquanto país, que é o desemprego alto, o aumento da informalidade em um curto espaço de tempo, muitas empresas quebradas e a discussão mais real sobre a questão da renda básica, que vai ter um papel enorme.”
Todo mundo sabe que Bolsonaro nunca simpatizou com programas sociais como o Bolsa Família. Tampouco teve empatia com seus beneficiários, perpetuando a noção de que seriam “vagabundos” que se aproveitariam do governo. Agora, as circunstâncias exigem uma discussão aprofundada sobre calibragem e modelo a ser adotado pós-pandemia, que deve durar até 2022. Junte-se a esse quadro uma corrente do governo federal que defende obras de infraestrutura como base de sustentação para gerar emprego, uma linha pouco apreciada pelo ministro Paulo Guedes (Economia). Essa administração será determinante para as eleições presidenciais.
A movimentação do governo Bolsonaro terá de lidar com a complexidade da composição social e econômica, portanto. Para se sobressair, o presidente terá de se contrapor ao PT, seu melhor adversário, o mais visível e mais antagônico. Por isso, é arriscado corroer demais a base do Partido dos Trabalhadores para um eventual segundo turno. “É um equilíbrio complexo, difícil de ver.”
O que está claro é que Bolsonaro está entrando onde nunca esteve e no Nordeste isso é bastante evidente. A tendência, de acordo com Moura, é que o PT entre com menos força nas eleições de 2022. Será fundamental acompanhar o que pode acontecer com aqueles que não querem nem Bolsonaro, nem Lula. Além dos lavajatistas, há um eleitorado de centro-esquerda, principalmente de regiões metropolitanas, que votou no Ciro, foi importante para a ascensão de Fernando Haddad (PT), mas não se identifica nem com Moro, nem com o PT. “Esse espaço é uma incógnita”, afirma Moura. “Se Bolsonaro administrar bem a sua popularidade, estará no segundo turno. A questão é contra quem.”
Neste momento, temos o presidente refém da renda básica (ou Renda Brasil, não se sabe ao certo), encurralado pelas perspectivas econômicas e que acena ideologicamente para o grupo que já o apoia. Diferente de 2018, cujos temas centrais eram anticorrupção, segurança pública, fake news e uso do whatsapp, a campanha de 2022 deve mirar na economia, na geração de emprego e renda e nos efeitos da pandemia, como afirma Moura.
São áreas em que Bolsonaro não transita com facilidade e com as quais não se identifica. As dúvidas são: Bolsonaro e seus ministros terão competência e jogo de cintura para sustentar a aprovação do governo sem levar o país a uma crise econômica muito maior ou postergar a crise? Que preço pagará a população pela postura antidemocrática exposta quase diariamente por Bolsonaro? Diante desse contexto, o país ainda acreditará em forasteiros políticos, salvadores da pátria ou candidatos antissistema?
Fonte: Uol