Diversas empresas mundo afora vêm investindo nos chamados “carros voadores” ou “táxis-voadores”. O desenvolvimento desses veículos, oficialmente denominados eVTOLs (aeronaves elétricas de decolagem e pouso vertical, na sigla em inglês), vem recebendo investimentos bilionários nos últimos anos, e esse mercado pode chegar a US$ 1,5 trilhão (R$ 8 trilhões) em 2040, segundo o banco norte-americano Morgan Stanley.
O que justifica empresas colocarem tanto dinheiro em uma tecnologia que ainda não saiu do papel? Desde grandes fabricantes, como Airbus, Boeing e Embraer (com a Eve), até startups, como a alemã Lilium e a chinesa EHang, todos querem estrear nesse mercado o quanto antes.
Para Marcos José Barbieri Ferreira, professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas – SP) e especialista no setor aeronáutico, quem começar primeiro primeiro nesse tem grande chance de estabelecer o padrão que será seguido pelo mercado.
É um negócio disruptivo, e quem entra antes pode ganhar mais no processo. […] Não é uma questão de ‘se’ –eles [os eVTOLs] serão realidade algum dia –mas sim uma questão de ‘quando’ estarão voando.
Marcos José Barbieri Ferreira, professor da Unicamp
O interesse está mais ligado ao modelo de negócio em que esses veículos estarão do que ao “carro voador” em si, destaca. “Para que o sistema seja eficiente, a empresa terá de fornecer um pacote de serviços, e não apenas o veículo”, afirma.
Alternativa a carros, ônibus, trens e metrôs
Os eVTOLs nascem com uma proposta diferente da de aviões e helicópteros. Embora todos tenham como foco o transporte de passageiros e cargas, os eVTOLs usam tecnologia específica para suprir uma demanda de voos em curtos espaços, como dentro das cidades. Poucos desses veículos são feitos para voar mais do que meia hora, por exemplo, ou longas distâncias.
Também não precisam de pistas para decolar, como aviões e helicópteros. São mais baratos, menos poluentes e mais silenciosos, devido ao seu funcionamento elétrico.
Eles surgem como complemento para outros meios de transporte em centros urbanos, como trens, ônibus e os próprios carros. Uma pessoa pode estar no centro de São Paulo, por exemplo, e viajar com um eVTOL para um aeroporto na região metropolitana para pegar um avião. Isso teria um custo maior que um táxi ou trem, mas seria mais rápido. Com o tempo, a expectativa é que os “carros voadores” se popularizem, e o preço caia.
Para Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos, será possível que uma pessoa compre um eVTOL, como há quem tenha jatinho. Mas esse tipo de compra não deve acontecer ser comum, já que esse não é o objetivo principal dessas aeronaves. O foco é a aquisição por empresas, que vão operar os “carros voadores”.
É preciso analisar quais os custos envolvidos, principalmente com a recarga das baterias, que, no país, são mais elevados devido aos custos com energia elétrica. Com isso, no Brasil, a posse desses veículos por particulares tende a ser menor, sendo mais forte o uso de maneira compartilhada, liderada por grandes operadores.
Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos
Consórcios para operar o sistema nas cidades
Segundo Barbieri, uma rede de eVTOLs precisará, além dos veículos, de um sistema de gerenciamento do tráfego aéreo e de comunicação, além daqueles que vêm sendo chamados de vertiportos, locais onde eles pousarão para pegar passageiros e, eventualmente, para passar por manutenção e troca de baterias.
Esse modelo de negócios estará fortemente ligado a um ecossistema de soluções de mobilidade urbana e cidades inteligentes. Os eVTOLs deverão estar integrados a consórcios que irão participar de licitações para operar as redes de voos nos grandes centros urbanos, diz Barbieri.
Dentro desses consórcios, cada empresa deverá ter uma especialidade: uma será responsável pelo controle do tráfego aéreo, outra pela comunicação, uma será fornecedora dos veículos e outra ainda será a operadora de fato dos eVTOLs. “Mas, mais importante do que a tecnologia do próprio veículo em si, é a tecnologia de controle do eVTOL”, diz o professor da Unicamp, destacando que quem estiver mais avançado em todo o processo terá vantagens.
Isso se deve ao fato de que além do tráfego aéreo, é previsto que os eVTOLs sejam operados de maneira autônoma nas próximas décadas, ou seja, sem a interferência de ninguém a bordo, nem mesmo de piloto. Assim, será necessário desenvolver mecanismos para que esses veículos sejam controlados e programados remotamente para seguir determinadas rotas, bastando que o passageiro embarque e seja levado ao seu destino.
Para Arbetman, mesmo que grande parte dos acordos envolvendo esses veículos até o momento esteja concentrada em grandes centros de países desenvolvidos, a tecnologia poderá ser vista no futuro em outras regiões do mundo.
Várias frentes de negócios
Além das empresas que fabricam os modelos em busca de pioneirismo, existem os compradores dos eVTOLs. Apenas o Eve, o veículo voador elétrico da Embraer, por exemplo, já tem mais de 600 unidades adquiridas por empresas de diversas regiões, como Bristow (Austrália) e Halo (EUA e Reino Unido).
No Brasil, a Helisul, uma das maiores operadoras civis de helicópteros da América Latina, também fechou parceria com a Embraer. A empresa comprou 50 unidades do Eve, é parceira no desenvolvimento do projeto e irá operar os voos de teste que serão realizados no Rio de Janeiro neste último trimestre.
“As empresas que compram esses modelos têm interesse porque elas devem ser parte dos consórcios”, destaca Barbieri. Além do interesse em agregar os veículos às frotas próprias, elas buscam já estar qualificadas e homologadas para situações em que pode haver um consórcio ou disputa para operar voos com os eVTOLs no futuro”, diz o professor.
Outra frente é a venda de horas de voo. Um interessado pode adquirir apenas as horas, deixando a cargo do operador como irá usá-las, como uma empresa que pode fechar um pacote para o transporte de seus funcionários.
É o caso da francesa Helipass, que contratou 50 mil horas de voo da Eve para serem oferecidas dentro da França e em outros países da Europa.
Na América do Sul, a startup brasileira Flapper, que atua com gerenciamento de voos executivos sob demanda, espera fornecer até 25 mil horas de voo do Eve por ano nas principais cidades da região, como São Paulo, Rio de Janeiro, Santiago (Chile) e Bogotá (Colômbia).
Outros interessados são, por exemplo, a EDP, brasileira que atua no setor elétrico e fechou uma parceria com a Embraer para desenvolver os pontos de recarga elétrica dos eVTOLs no país. Em outras localidades, se uniu à Skyports para a construção dos vertiportos.
Ainda podem entrar nos consórcios empresas de engenharia civil para a construção de infraestrutura e de tecnologia, como a Flapper, que irão desenvolver os sistemas de reserva e atendimento, por exemplo.
Gol e Azul preevem operar em 2025; Embraer, em 2026
No Brasil, as companhias aéreas Azul e Gol anunciaram recentemente o investimento para compra de eVTOLs, com previsão de entrada em operação a partir de 2025. O modelo escolhido pela Azul foi o da alemã Lilium, e o da Gol foi o VA-X4, da britânica Vertical Aerospace.
Já entre as empresas aeronáuticas mundo afora, a Embraer está em uma posição avançada, pois tem contratos com outras empresas para atuar em grandes centros urbanos, como Londres (Inglaterra), Bangkok (Tailândia), Manila (Filipinas), Melbourne (Austrália), Singapura e Tóquio (Japão). Junto a isso, além do Eve, a companhia tem o conhecimento necessário para controlar essas novas aeronaves em voo, já que sua subsidiária Atech é responsável pelos sistemas de controle de tráfego aéreo do Brasil.
Para André Stein, CEO e presidente da Eve, o projeto de mobilidade urbana que os “táxis-aéreos” representam é algo viável para um futuro próximo, com o início das operações do modelo da empresa a partir de 2026. “Pptamos por desenvolver isso porque há um mercado em potencial. Existe uma demanda reprimida gigantesca nessa fatia da mobilidade nos grandes centros, que pode ser suprida com veículos elétricos”, diz.
Para o executivo, não será preciso esperar o eVTOL estar pronto para começar a desenvolver todo o ecossistema ao qual ele pertencerá. Suas várias frentes devem andar simultaneamente, incluindo a regulatória.
É um bom negócio para todo mundo. É uma opção de mobilidade a mais para a cidade, então é um bom negócio para a comunidade. E é um negócio totalmente novo, que traz muitas oportunidades para várias empresas de vários pedaços do ecossistema.
André Stein, CEO e presidente da Eve, da Embraer
Acordos puxam para ações na Bolsa para cima
Seja com a venda de unidades desses veículos voadores, parcerias para criar o ecossistema para os eVTOLs ou venda de horas de voo, os impactos nas ações das empresas são positivos.
“Nem o mais otimista investidor da Embraer via a possibilidade de criação de uma alameda de crescimento tão rápida quanto a que os eVTOLs representam para a empresa. Dadas as dificuldades que a empresa demonstrou ao longo dos últimos dois anos, não há dúvidas de que essa subsidiária, a Eve, se mostrou como a solução para o mercado ver que a companhia consegue gerar valor para a sociedade de forma rápida, contínua e perene”, diz Arbetman.
Em 10 de junho, por exemplo, os papéis da Embraer subiram 15% após o anúncio de que a empresa havia iniciado discussões para uma combinação de negócios da Eve com a norte-americana Zanite.
Outra empresa que apresentou alta nas ações após o anúncio de investimento em “carros voadores” foi a Gol. Em 21 de setembro, após a companhia informar a compra e/ou arrendamento de 250 unidades do VA-X4, as ações da aérea apresentaram subiram 3,87%.
Fonte: Uol