Os investimentos estrangeiros no Brasil registram quedas em 2020 sob todas as óticas. Dados do Banco Central e da B3, a bolsa de valores de São Paulo, apontam que, diferente do que afirmou o presidente Jair Bolsonaro em seu discurso na ONU, o caminho do capital estrangeiro no Brasil tem sido a porta de saída.
Além de uma redução do fluxo global de investimentos, natural em uma crise de tamanha dimensão, o Brasil sofre com instabilidade política, preocupações com a situação fiscal do país após a pandemia e com uma crise de governança ambiental que impacta a reputação do país no mercado externo, e pode contribuir para reduzir ainda mais o investimento vindo do exterior.
“Deixamos a desejar em competitividade e potencial de crescimento. As questões ambientais estão ganhando força e, agora, temos um fator adicional de preocupação”, afirma a economista Zeina Latif.
O que mostram os números
De acordo com o BC, os investimentos diretos no país somam US$ 22,841 bilhões no primeiro semestre deste ano, uma queda de 26,6% na comparação com o mesmo período do ano passado, que foi de US$ 31,147 bilhões. Trata-se, inclusive, do menor valor para esse período em 11 anos.
A mesma curva de queda se vê no mercado de capitais. Os investidores estrangeiros retiraram R$ 88,9 bilhões da bolsa brasileira neste ano até o dia 18 de setembro, praticamente o dobro do volume registrado em 2019. Os números só consideram negociações de ações já em circulação na bolsa.
Em todo o ano passado, em que a bolsa anotava crescimento de novos investidores pessoas físicas e subida do índice, a retirada foi de R$ 44,5 bilhões – o maior volume anual de toda a série histórica divulgada pela B3, iniciada em 2004.
Falta de confiança externa
O país acompanha um fluxo de investimentos menor em todo o mundo. Segundo o Relatório de Investimento Global 2020 (World Investment Report 2020), da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), a queda deve ser de 40% em 2020, por conta da pandemia do novo coronavírus. Em 2019, o valor chegou a US$ 1,54 trilhões e, neste ano, deve ficar abaixo da casa do trilhão pela primeira vez desde 2005.
As preocupações no Brasil, assim como em outros países da América Latina, são ainda maiores pela dependência da indústria extrativista e commodities, que devem cair ainda mais forte no período. A região terá entre 40% e 55% de redução no ano, segundo a Unctad.
“O Brasil vinha perdendo participação no fluxo global de investimentos porque a China passou a preferir estimular a própria economia. A taxa de investimento mais baixa reforça as fragilidades da economia”, diz a economista Zeina Latif.
Para ela, a saída de recursos tirou não só dinheiro do país como também evoluções que viriam de expertise internacional e exigências de governança de países desenvolvidos. Além disso, investimento estrangeiro é reflexo de confiança interna, que o país, no momento, não tem.
Preocupações ambientais
Para Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, a atitude de Jair Bolsonaro de minimizar eventos como os incêndios no Pantanal ou o aumento do desmatamento na Amazônia intensifica desconfianças sobre o setor mais produtivo e que trouxe resultado durante a crise, que é o agronegócio.
Os efeitos principais são dois: de reputação, visto que economias desenvolvidas perceberam demanda por produtos com cadeia produtiva mais sustentável, e de relevância em longo prazo, pois, aos poucos os produtos brasileiros podem ser preteridos na competição global.
“É verdade que boa parte dos nossos compradores, como China e Oriente Médio, têm menos preocupações sobre isso que os países desenvolvidos. Mas tais ações do governo podem afetar outras áreas, como acordos de livre comércio, que não conseguem mais avançar enquanto o governo não mudar radicalmente de atitude sobre o meio ambiente”, afirma o economista.
Há, de fato, um movimento entre investidores de pressão para uma melhora no trato com o meio ambiente: no primeiro semestre, sete grandes empresas de investimento europeias disseram à Reuters que desinvestirão em produtores de carne, operadoras de grãos e até em títulos do governo do Brasil se não virem progresso rumo a uma solução para a destruição crescente da Floresta Amazônica.
Um grupo de 230 investidores institucionais, responsáveis pela gestão de US$ 16,2 trilhões, também está pedindo às empresas que ajam contra o desmatamento e as queimadas.
Crescimento baixo
Em termos mais específicos, o Brasil tem a particularidade de uma discussão interna sobre a trajetória da dívida pública sem um plano de resolução clara da deterioração fiscal.
As políticas de contenção da pandemia levarão o déficit primário nas contas do governo a cerca de R$ 861 bilhões neste ano, informou nesta terça-feira (22) o Ministério da Economia no relatório de receitas e despesas do orçamento deste ano. A dívida em relação ao PIB já passa de 86%, com expectativa de chegar perto dos 100%.
O cenário instiga o mercado a perguntar sobre as reformas administrativa e tributária, que se arrastam em Brasília. A insegurança afasta investimento e não dá firmeza para a retomada do consumo, motor de crescimento da economia brasileira.
“Há um risco muito grande de Bolsonaro entregar em 2021 a segunda pior média de crescimento desse período democrático, um triênio que só não seria mais baixo que o Fernando Collor. Para investimento direto, que depende de crescimento, esse é o pior cenário”, diz Vale.
Isolamento
Com saída de capitais, o Brasil ainda conta com alguma estabilidade por manter a balança comercial positiva. No último dia 14, a parcial deste mês mostra que as exportações somaram US$ 8,124 bilhões, valor 5,1% maior do que o registrado no mesmo período do ano passado, enquanto importações totalizaram US$ 4,751 bilhões, recuo de 24,4% na mesma comparação.
Além do superávit, que conta com efeitos da alta do dólar, o país tem ao seu lado reservas cambiais robustas. O risco surge com a política externa do governo, que aposta suas fichas em um alinhamento com os Estados Unidos de Donald Trump. Em seu discurso, Bolsonaro acenou ao americano.
A China segue sendo o maior parceiro comercial do Brasil em 2020. Para cada dólar que o Brasil exportou para os EUA no primeiro semestre, foram US$ 3,40 para os asiáticos. Enquanto acumula superávit comercial com os chineses de US$ 17,6 bilhões, tem déficit com os americanos de US$ 3,1 bilhões.
“A política que o governo segue é suicida. O Brasil estabeleceu essa referência em Trump, mas podemos ficar órfãos. Foram 35,4% do total das nossas exportações para a China no semestre”, diz Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e ex-embaixador nos Estados Unidos.
Para ele, no momento, os desinvestimentos têm mais relação com as dúvidas fiscais que o governo deixa no ar, mas as políticas ambientais trarão dificuldade de atração de aportes futuros.
“Quem sai da bolsa e do Tesouro Nacional está com medo do que vai acontecer aqui, porque o ‘posto Ipiranga’ está sem combustível. É assim que começam as crises”, afirma.
Fonte: G1