“Dizem que a agropecuária está destruindo os biomas, fazendo com que haja as queimadas, mas essa não é a realidade.” A afirmação é de Paulo Pianez, diretor de sustentabilidade e comunicação da Marfrig, um dos maiores frigoríficos do Brasil.
Segundo ele, o agro já entende que o ESG (sigla em inglês para boas práticas ambientais, sociais e de governança) é um movimento inescapável, mas o setor ainda tem sua imagem prejudicada por uma minoria vinculada ao desmatamento.
“Eu acho que criou-se uma narrativa no Brasil que não necessariamente reflete a realidade. Não é que não haja produtores e empresas à margem da lei, mas a maioria produz dentro do que exige a legislação”, afirma.
Segundo o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (Seeg), o agro é a segunda atividade que mais emite gases de efeito estufa no Brasil, respondendo por 28% do total.
Essa proporção pode ser ainda maior, já que a principal causa de emissões no país é a mudança no uso da terra —puxada principalmente pelo desmatamento— que também está atrelada à produção agropecuária. Juntas, essas duas atividades são responsáveis por 72% das emissões brasileiras.
De acordo com Paulo Pianez, todos os fornecedores diretos da Marfrig são comprometidos com o desmatamento zero, legal e ilegal.
No entanto, diferentemente de seus concorrentes, o frigorífico não possui metas públicas de neutralidade de carbono. Segundo o diretor, não faz sentido assumir compromissos futuros sem mostrar como eles serão atingidos. “A gente acredita em políticas robustas de redução, todos os anos”, afirma.
Até 2035, a Marfrig tem o compromisso de reduzir em 43% suas emissões nos escopos um e dois (diretas e relacionadas ao consumo de energia, respectivamente). Para o mesmo ano, a empresa também deve cortar em 35% suas emissões no escopo três (indiretas, que envolvem toda a cadeia de valor).
A relação direta com o meio ambiente coloca o agronegócio como ator importante para o avanço dos princípios ESG no país. Como essa agenda tem impactado o setor?
O agronegócio, ainda mais aqui no Brasil, convive diretamente com as questões ambientais, em especial quando a gente fala da necessidade de conciliar produção com conservação. O agro acontece dentro dos principais biomas brasileiros, então, sem dúvida nenhuma, há esse desafio direto de como produzir sem a necessidade de suprimir.
Numa outra ponta, tem a parte das emissões, e esse é um aspecto que todos olham com lupa, ainda mais depois do último relatório do IPCC [Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU].
Dentro desse contexto, há uma pressão e uma expectativa enorme de que se consiga fazer isso. Eu diria que o ESG se coloca como uma condição sine qua non de continuidade do nosso negócio. Não só na Marfrig, mas ao longo da cadeia de valor na qual a gente se insere.
A gente construiu um modelo de gestão ESG que tem seis pilares: controle de origem, emissões de gases de efeito estufa, bem-estar animal, uso de recursos naturais, tratamento de efluentes e, por fim, as questões sociais. Tudo isso tem que estar calcado em indicadores que a gente possa acompanhar e possa dar transparência.
Você não vai ver a Marfrig colocar determinada meta sem mostrar como ela vai ser atingida, como funciona a memória de cálculo e como ela pode ser periodicamente acompanhada. Por enquanto, não vamos ter uma meta de ser carbono zero até ‘2000 e bolinha’. Não é isso que a gente acredita. A gente acredita em políticas robustas de redução, todos os anos.
Mas firmar metas de descarbonização não seria uma forma de demonstrar um compromisso com o tema?
Sim, é um compromisso, mas é como dizer: ‘vou emagrecer cinco quilos, então eu me matriculei na academia’. Isso para mim são os compromissos net zero que a gente tem visto por aí.
Agora, dizer que eu me matriculei na academia, mas vou comparecer tantos dias, fazer tais exercícios, e que todos os meses vou acompanhar a minha perda de peso, aí sim. É isso que a gente pretende fazer.
Assumir uma meta de longo prazo, mas não dizer como [será cumprida], não é o caminho que a gente acredita. Na nossa visão, quando a gente estabelece alguma meta, temos que mostrar como vamos chegar lá.
Qual o grau de maturidade do agronegócio brasileiro em relação ao ESG?
Estamos num patamar em que o produtor brasileiro, e não só de pecuária, tem consciência de que isso é um movimento inescapável. O produtor que hoje fornece para a Marfrig é comprometido com o desmatamento zero, independentemente da lei.
Agora, o mercado no Brasil é muito heterogêneo. Das 5 milhões de propriedades rurais no país, metade tem gado de corte, sendo que a maioria é focada na fase da cria de bezerro. Normalmente, esse é um pequeno produtor, que tem menos capacidade de investir em tecnologia, melhoria genética, melhoria do pasto e [com pouco] acesso a recursos financeiros.
Aí vira um ciclo vicioso: ele não consegue captar dinheiro, não consegue melhorar a produção, daqui a pouco ele precisa de pasto novo e, para conseguir, decide suprimir uma área. Então, quando a gente fala do produtor brasileiro, a gente fala de diferentes níveis.
Em dezembro de 2020, a ONG britânica Global Witness disse que a Minerva, assim como outros grandes frigoríficos brasileiros, havia comprado gado de fazendas com desmatamento ilegal. Na época, a companhia negou. Qual é o vínculo da Minerva com o desmatamento hoje?
Falando do fornecimento direto, eu posso assegurar que temos 100% do controle. A gente monitora diariamente uma área equivalente a 30 milhões de hectares, que é maior que o estado de São Paulo. Usamos imagens via satélite, comparadas com o mapa de desmatamento, e se houver qualquer sobreposição, automaticamente esse processo de compra é bloqueado.
Agora, tem o desafio do fornecimento indireto. Daí a importância de fazer o mapeamento completo da cadeia que, para a Amazônia, a gente tem meta de conseguir fazer isso até 2025.
É possível desvincular totalmente a pecuária do desmatamento?
Tenho certeza que sim. Grande parte do desmatamento está vinculado à produção, eu diria, criminosa. Há um vínculo muito forte entre invasão de terras públicas, onde existe o grileiro que invade, desmata, explora a madeira e, depois, coloca boi para marcar território.
Então, na verdade, é uma minoria que faz com que haja vínculo da produção com o desmatamento. Se a gente olhar os maiores produtores, não é do interesse deles ter nenhum tipo de desmatamento. Quando muito, ele está seguindo o Código Florestal [que autoriza o desmatamento em alguns casos]. Os pequenos, muitas vezes, podem estar infringindo a legislação, mas é uma questão mais social e econômica do que ambiental.
Eu acho que criou-se uma narrativa no Brasil que não necessariamente reflete a realidade. Não é que não haja produtores e empresas à margem da lei, mas a maioria produz dentro do que exige a legislação. Só que generalizou. Dizem que a agropecuária está destruindo os biomas, fazendo com que haja as queimadas, mas não é a realidade.
Além do desmatamento, outra fonte de emissões relevante é a fermentação entérica [o popular “arroto do boi”]. Existem hoje iniciativas na companhia para reduzir esse impacto?
A Marfrig é a única empresa do setor no Brasil que tem meta de redução de gases de efeito estufa no escopo 3 [emissões indiretas que não são controladas pela empresa] e que leva em consideração a fermentação entérica. Lembrando que 85% das emissões do nosso negócio vem daí.
Um dos caminhos é o tempo de abate, o ideal é abater o animal entre 24 e 30 meses. O segundo ponto é trabalhar a alimentação desses animais. Hoje, existem aditivos que podem ser inseridos na alimentação que vão fazer com que haja uma diminuição substancial de emissões. Um terceiro ponto é a integração. Quando você integra a lavoura, ou a floresta, com a pecuária, é possível sequestrar metano da atmosfera.
A Marfrig tem um programa que incentiva práticas ILPF [Integração Lavoura Pecuária Floresta] e a gente vem trabalhando com parceiros nesses aditivos para a alimentação. Na outra ponta, também estamos trabalhando na melhoria genética dos animais, para que eles fiquem prontos para o abate num tempo menor.
Os alertas do IPCC subiram o tom da discussão climática global. Você acha que o agro já está fazendo o suficiente pelo meio ambiente ou precisa fazer mais?
Precisa ser feito mais. Não só no agro, na economia como um todo: na siderurgia, na mineração, na indústria automobilística, nos bens de consumo…
Tem muito espaço para que o agro possa responder melhor aos desafios que foram colocados nesse relatório do IPCC, que assustou todo mundo. A gente vinha trabalhando com uma realidade e vimos que ela é bem mais complexa do que imaginávamos.
Qual o principal desafio do agro na agenda ESG hoje?
Eu diria que é a inovação e, para que haja inovação, é [preciso ter] acesso a recursos. Também tem a questão do apoio a ser dado aos produtores para que eles tenham a dimensão da importância desse tema na manutenção do negócio dele no futuro. Acho que tem um quê aí de sensibilização e de conscientização.
Fonte: Folha