Nova disputa contra a China pode agravar a pior recessão da história dos EUA
Ao longo das últimas semanas, o presidente americano Donald Trump recomeçou uma batalha comercial contra a China. O momento, no entanto, não poderia ser menos oportuno. Com a pandemia esmagando a economia dos Estados Unidos (EUA), o desemprego no país aumenta em ritmo recorde e o Produto Interno Bruto (PIB) despenca numa velocidade sem precedentes. Enquanto isso, os lucros corporativos também caem, à medida em que a atividade industrial sofre uma contração.
Esse impacto financeiro, no entanto, pode ainda aumentar. Caso Trump siga com o plano de tarifar a China para punir o gigante asiático por seu papel na crise da saúde, economistas alertam que o tiro pode sair pela culatra. Medidas como essa, têm o potencial de transformar o que agora é uma profunda recessão em uma depressão completa e generalizada. “Isso é uma loucura. É exatamente disso que a economia dos EUA não precisa agora”, disse o economista-chefe da multinacional RSM, Joe Brusuelas, ao CNN Business.
Em Wall Street, os investidores também estão insatisfeitos com a volta do “Tariff Man” (homem-tarifa, em tradução livre), como Trump se autointitula. Influenciado pela preocupação do mercado com a nova tensão entre os dois países, o índice Dow Jones caiu 600 pontos, ou 2,4%, na tarde da última sexta-feira (1º).
Uma péssima ideia
Vale lembrar que a Grande Depressão foi agravada por uma guerra comercial global. Em 1930, o Congresso aprovou a lei Smoot-Hawley, que aplicava tarifas a todos os países que vendiam mercadorias para os EUA. A medida fez com que os outros países devolvessem na mesma moeda, taxando os produtos americanos que importavam.
Repetir esse erro pode aprofundar a desaceleração econômica que já está em andamento. As novas disputas comerciais podem implodir o acordo comercial fechado entre EUA e China no ano passado. Aplicar tarifas mais altas — ou mesmo uma simples ameaça — pode ampliar o grau de incerteza entre as grandes companhias no mundo todo, fato que pressionaria toda a cadeia produtiva global. “Uma sequência da Smoot-Hawley seria uma péssima ideia”, disse Brusuelas.
Essas taxas não punem apenas a China, mas todas as empresas e famílias americanas que precisam consumir esses produtos e acabam pagando a conta no valor dos impostos.
No passado, o argumento final do governo para travar uma batalha contra a China era de que a economia americana era forte o suficiente para suportar o impacto. Desta vez, no entanto, os próprios assessores econômicos de Trump apontam os 20% de desemprego e o colapso de 40% no PIB. Em outras palavras, a economia dos EUA está extremamente vulnerável.
Wall Street estava apostando em uma rápida recuperação da recessão. Esse otimismo elevou o índice S&P em cerca de 30% acima da baixa de 23 de março. Mas as novas tarifas certamente azedariam esse bom-humor, de acordo com o CIO americano do Deutsche Bank Wealth Management, Deepak Puri. “A confirmação de novas taxas seria uma má notícias não só para os mercados financeiros, quanto para a economia como um todo”, escreveu Puri em um email.
Calote na dívida
Algumas fontes do governo americano disseram à CNN nesta semana que Trump estuda usar várias ferramentas contra a China. A ideia mais alarmante é a de retaliar o país cancelando o pagamento da dívida dos EUA, conforme publicou o The Washington Post.
Mas esse seria um movimento incoerente para Trump, que se refere a si mesmo como “King of Debt” (“rei da dívida”, em tradução livre). Além disso, a China possui US$ 1,1 trilhão em títulos do Tesouro americano, de acordo com o próprio governo dos EUA, coisa que os chineses podem usar como moeda de troca.
Entre os apoiadores da ideia está a senadora republicana Marsha Blackburn. Em entrevista nesta semana, ela disse que os EUA deveriam considerar renunciar pelo menos aos pagamentos dos juros para a China, levando em consideração o custo econômico da pandemia. “Eu acho que essa é uma ideia que vale a pena explorar futuramente”, afirmou.
Caos nos mercados
De acordo com analistas, uma medida como essa, de assumir inadimplência frente à dívida americana, causaria uma forte desestabilização no mercado de ações e na economia como um todo. O maior problema começaria a partir do momento em que as empresas de classificação de risco rebaixassem a nota dos Estados Unidos, pondo fim à ideia de que os títulos do Tesouro americano são os ativos mais seguros do mundo.
“Essa retaliação prejudicaria os mercados financeiros e seria legalmente questionável”, escreveram os analistas da consultoria Eurasia Group em nota aos seus clientes na última quinta-feira (30). A empresa disse que esse movimento por parte do governo é “extremamente improvável”. Chris Krueger, analista do Washington Research Group, concorda. “Não achamos que isso vá acontecer, mas estamos navegando em águas totalmente desconhecidas”, escreveu Krueger.
Brusuelas, economista da RSM, alertou que o cancelamento da dívida americana detida pela China “causaria uma parada brusca nos mercados financeiros globais” e pioraria a crise econômica. “Se alguma coisa desse tipo acontecesse, criaria as condições necessárias para uma depressão global”, disse Brusuelas.
Trump prefere tarifar
Membros da equipe econômica de Trump estão tentando derrubar a ideia do calote na dívida. Para o assessor econômico da Casa Branca, Larry Kudlow, a confiança dos credores nos cofres dos Estados Unidos é “sagrada”, disse ele em entrevista, negando as informações da matéria publicada pelo Washington Post.
Até mesmo Trump parece cauteloso sobre essa estratégia, que é tão radical. Questionado sobre a possibilidade de os EUA não pagarem suas obrigações com a China, Trump expressou preocupação em minar o dólar, caso seguisse adiante com a medida. “Quando você começa a jogar esse jogo, pode estar prejudicando a santidade do dólar, a importância que tem a maior moeda do mundo”, disse Trump na quinta-feira (30).
No entanto, o presidente americano não desistiu da ideia de punir a China por métodos alternativos, que também poderiam prejudicar a economia. “Podemos fazê-lo de outras maneiras. Podemos tarifá-los”, disse Trump. Em outras palavras, o “Tariff Man” está vencendo o “King of Debt”. De qualquer maneira, a economia americana pode ser o grande perdedor.
Foto: Presidente dos EUA, Donald Trump, ao lado do presidente da China, Xi Jinping – Kevin Lamarque/Reuters