“A queda da economia vai seguir a curva da pandemia, enquanto essa curva não for domada, a curva da recessão também não vai ser”, diz o professor
A contração histórica prevista para a economia brasileira neste ano em função da pandemia do novo coronavírus começa a aparecer mais claramente nos dados, apontando para uma queda de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) de 2020, e com início de uma recuperação só no ano que vem.
Cálculos feitos pelo professor Emerson Marçal, da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo, indicam que a economia contraiu 8,4% no segundo trimestre em relação aos primeiros três meses do ano, pouco menos do que o esperado por analistas de mercado, cujas expectativas ficam em torno de uma queda de 10%.
Para o terceiro e quarto trimestres, por outro lado, a previsão de Marçal é de mais um tombo em função de uma segunda onda de efeitos negativos que será propagada para o restante do ano. A visão vai na contramão da tímida recuperação sugerida pela mediana das previsões de economistas e instituições privadas reunidas semanalmente pelo Boletim Focus, do Banco Central.
“Empresas que não cortaram gastos porque tinham gordura financeira ou que não demitiram porque tinham horas acumuladas, por exemplo, após tanto tempo paradas, terão de refazer seus planos. Mas como não há horizonte claro para o fim da pandemia, vão ter de se reajustar ao que estão vendo”, justifica Marçal.
O estudo foi feito com base em um conjunto amplo de indicadores de atividade doméstica, como a Pesquisa Industrial Mensal, indicadores monetários, de atividade externa, consumo de energia elétrica, venda de automóveis, emprego, entre outros, disponíveis até dia 9 de junho.
Grande parte dos segmentos monitorados incorporam, portanto, três meses de dados completos sob o efeito das políticas de distanciamento social contra a covid-19.
Os cálculos do professor com ajuste sazonal mostram queda ao redor de 3,7% no PIB do terceiro trimestre seguida de uma variação quase nula do PIB no quarto trimestre, de 0,4%. Para os três primeiros meses do ano, o avanço do PIB é previsto em 4%. “O que os números sem ajuste sazonal dizem é que podemos esperar por uma recuperação mais demorada, em forma de “U”, e não em “V”, como reflete o Focus, por exemplo”, diz.
Na comparação com os mesmos trimestres do ano passado fica mais clara a recuperação em “U”, já que a crise começou neste ano. Nesse parâmetro, o estudo mostra uma quedas do PIB ao redor de 14% no terceiro e no quarto trimestre, seguidas de um recuo menor, na ordem de 7%, nos três primeiros meses do ano que vem.
A comparação anual é mais adequada também para fazer o paralelo com os resultados do Focus. A expectativa do mercado ainda concentra as maiores perdas no segundo trimestre, com queda esperada na ordem de 13%, na comparação com o mesmo período de 2019, mas com recuperação ainda no terceiro trimestre, que passaria a cair cerca de 7%, segundo a mediana das previsões. Para o ano, a expectativa é que o PIB recue 6,5%.
As previsões do Focus costumam demorar mais para refletir a deterioração econômica, já que dependem muitas vezes da divulgação de indicadores oficiais sobre o ritmo da atividade, além disso, não necessariamente incorporam dados novos com a mesma frequência.
Pior cenário
A aposta de Marçal se aproxima do pior cenário previsto para a economia brasileira pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) na semana passada, de uma queda de 9,1% do PIB de 2020, caso ocorra uma segunda onda de covid-19 no país.
O Brasil é o segundo país do mundo com mais casos e mortes da doença, e a previsão da OCDE contempla um cenário no qual novas medidas de fechamento da economia precisariam ser impostas.
“O que tem se materializado é pior do que o esperado inicialmente, porque aparentemente estamos falhado na questão de emergência médica. A queda da economia vai seguir a curva da pandemia, enquanto essa curva não for domada, a curva da recessão também não vai ser”, diz Marçal.
A projeção oficial é de queda de 4,7% para o PIB em 2020, embora o governo já admita que o número deve ser bem maior. A estimativa atual foi feita considerando uma reabertura da economia a partir de 1º de junho, o que não aconteceu, disse o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida em entrevista.
Segundo ele, embora diversas cidades brasileiras já estejam reabrindo o comércio gradualmente, haverá uma perda para a atividade. Além da reabertura em si, a aceleração do consumo e da atividade depende de confiança na contenção da doença e também na própria retomada econômica.
Fonte: Exame