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Gestão da crise sanitária deve ser determinante no ritmo da retomada da economia

Após a onda de indicadores econômicos negativos em abril, resultados mais recentes fizeram com que o Ministério da Economia afirmasse que o pior já passou. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, diz que a retomada da economia em “V” – ou seja, com uma queda profunda seguida de uma recuperação veloz – já começou, mesmo que não seja com plena intensidade. No mercado financeiro, o Boletim Focus aponta para uma melhora nas expectativas para o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, com a mediana das projeções para 2020 em -5,95%.

De fato, maio e junho tiveram um conjunto de indicadores positivos, como o aumento de vendas no varejo (13,9% em maio, segundo o IBGE), da produção industrial (7% de alta em maio, também de acordo com o IBGE) e da emissão de notas fiscais eletrônicas da Receita Federal (que, em junho, teve resultados positivos inclusive na comparação com 2019). Entre especialistas, entretanto, a palavra mais frequente é “cautela”: não está dado que esses resultados sinalizam uma recuperação que será sustentada ao longo do tempo.

“Eu não vejo uma retomada em ‘V’. Seria bom que ocorresse, mas acho pouco provável”, diz Claudio Frischtak, economista e sócio fundador da Inter.B Consultoria. Ele atribui os resultados positivos de maio e junho a uma “descompressão” no consumo e na atividade econômica como um todo. O argumento é de que, durante o período de isolamento social, a demanda por alguns bens ficou reprimida, seja por conta da incerteza provocada pela pandemia ou pela própria impossibilidade de comprar em decorrência do fechamento das lojas físicas.

“Muitas pessoas gostam de ter a experiência do consumo presencial. Ao mesmo tempo, milhões estavam recebendo o auxílio emergencial. Mas não vejo um impulso sustentável disso nos próximos meses, porque esse elemento de repressão vai se diluir ao longo do tempo”, avalia Frischtak.

Benefício de R$ 600 impediu que resultados negativos fossem ainda piores

O auxílio emergencial é elemento chave para entender esse fenômeno. O benefício de R$ 600 já chegou a mas de 65 milhões de brasileiros, segundo o último boletim da Caixa Econômica Federal. No total, R$ 128 bilhões já foram transferidos aos trabalhadores informais, considerados os mais vulneráveis durante a pandemia. Inicialmente previsto para durar três meses, o auxílio foi prorrogado por mais dois após acordo entre o Congresso e o governo federal.

A importância do auxílio emergencial durante a pandemia, na recomposição de ao menos parte da renda dos trabalhadores afetados pela crise, é inconteste entre os economistas. Guilherme Magacho, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), explica que o auxílio conseguiu mitigar os efeitos da crise do coronavírus.

“A queda na atividade foi muito menor por conta do benefício. As melhoras que vimos nesses últimos dois meses são, em grande medida, resultado desse tipo de política”, afirma o professor. Ele salienta que, ao proporcionar algum tipo de renda a cidadãos que ficaram impossibilitados de trabalhar durante a pandemia, o auxílio provocou um efeito em cascata, movimentando toda a cadeia de consumo.

A questão é que o benefício pesa nas contas públicas: por mês, são necessários mais de R$ 50 bilhões para bancar o programa. Parece claro, portanto, que não há espaço para que o governo simplesmente torne o benefício permanente sem que haja descontrole fiscal – o que, no médio e longo prazo, teria consequências ainda mais graves para a economia brasileira.

O Ministério da Economia já cogita integrar ao menos parte dos beneficiados pelo auxílio emergencial em um novo programa de transferência de renda, mais abrangente, que se chamaria Renda Brasil. Dificilmente, porém, todos os contemplados atualmente seriam incluídos no novo programa. Além disso, o valor do benefício deve ser menor.

“Certamente, se o auxílio for retirado abruptamente, e não de forma gradual, vai haver mais um baque em uma economia já combalida”, completa o professor.

Fim do auxílio deve trazer trabalhadores de volta ao mercado – mas sem garantia de ocupação

Outro fator precisa ser considerado quando se fala na retirada do auxílio emergencial. Naturalmente, os beneficiários do programa vão voltar ao mercado de trabalho quando o programa acabar – o que deve engordar a massa de trabalhadores que não conseguem recolocação. Os resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), do IBGE – o indicador oficial do desemprego – já mostram que a taxa de desocupação só não cresceu ainda mais durante a pandemia porque parte dos trabalhadores simplesmente deixou de procurar emprego.

No período de março, abril e maio, a taxa de ocupação chegou a 12,9%, o que equivale a 12,7 milhões de trabalhadores sem emprego. Ao mesmo tempo, a taxa de participação na força de trabalho caiu de 54,5% no trimestre móvel de dezembro de 2019 a fevereiro de 2020 para 49,5% entre março e maio deste ano. A próxima divulgação da PNAD Contínua, com dados de junho, será no dia 29.

“Temos que lembrar que, nesse meio tempo, empresas quebraram. Mesmo que o impacto da retirada do auxílio emergencial não seja tão grande, certamente estaremos piores no final deste ano do que estávamos quando ele começou”, diz Magacho.

Além do descompasso entre a oferta de emprego e o número de pessoas procurando uma ocupação, o economista Claudio Frischtak aponta que outros caminhos que poderiam acelerar a retomada – os investimentos e as exportações – também não devem ter resultados amplamente positivos em 2020.

Do lado dos investimentos, a incerteza deve retrair o apetite do setor privado, e o governo federal tem pouco ou nenhum espaço para aumentar os gastos públicos depois da pandemia. Nas exportações, a crise na economia mundial deve impedir que as vendas brasileiras apresentem desempenho suficiente para sustentar a segunda perna do “V” na retomada.

O pano de fundo de toda essa discussão, entretanto, não pode ser deixado de lado. Afinal, de nada adianta a flexibilização do isolamento social ou a disposição em retomar as atividades se a crise sanitária não tiver sido controlada.

“É inegável que o auxílio emergencial teve um efeito e que, quando ele deixar de existir, vai haver uma redução na atividade”, concorda Luciano Nakabashi, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto, vinculada à Universidade de São Paulo (USP). “Mas está ficando cada vez mais claro que o processo de retomada depende muito mais do controle do coronavírus do que de qualquer outra coisa”, avalia.

E engana-se quem pensa que basta suspender a quarentena para que tudo volte ao normal. Nakabashi aponta que, nesse caso, a retomada vai além de decisões de governos para permitir ou não a abertura da atividade econômica. “Com o coronavírus, as pessoas deixaram de interagir socialmente, o que acaba afetando a economia. O cenário de recuperação em ‘V’ é possível, mas não é o único. Não está dado. Vai depender do que estamos fazendo e do que vamos continuar fazendo para combater a pandemia. Não acho que seja provável”, completa o professor.

Com uma perspectiva mais otimista, Vitor Vidal, economista da XP Investimentos, destaca que a agenda de reformas deve ajudar a trazer mais confiança aos investidores e empresários no segundo semestre. “O cenário é muito incerto, mas eu tenho um viés mais positivo. Muita gente ganhou o auxílio emergencial e fez uma poupança, postergando o consumo para quando a vida voltar ao normal. Acho que o mais importante para o desempenho da economia neste segundo semestre vai ser a questão sanitária. Até haver um remédio ou uma vacina para a Covid-19, tudo ainda estará muito incerto”, avalia o economista.

Fonte: Gazeta do Povo

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