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Greenwashing, a maquiagem verde: como empresas se promovem com práticas sustentáveis duvidosas

O aumento expressivo do interesse na agenda ESG causou ansiedade no mercado de capitais brasileiro e inspirou empresas a se pintarem como alinhadas às melhores práticas ambientais, sociais e de governança. Os discursos podem não se traduzir em transformações na execução e nos processos internos. Existe um termo para essa estratégia: chama-se greenwashing, uma maquiagem verde para propagandear um compromisso ilusório com a sustentabilidade empresarial.

Em relatório de abril de 2019 sobre finanças verdes no Brasil, a Secretaria de Política Econômica (SPE), vinculada ao Ministério da Economia, definiu o greenwashing como estratégia de promoção desligada de uma mudança no processo produtivo para redução dos impactos negativos sobre o meio ambiente. A publicidade de um produto como ambientalmente sustentável, sem paralelo com a realidade.

Em 0,83 segundos, uma pesquisa no Google (GOGL34) com a palavra-chave “ESG” exibe 101.000.000 resultados, entre os quais anúncios pagos, que aparecem antes mesmo da definição da sigla em inglês. Há uma razão para isso: o interesse no termo referente aos três pilares da sustentabilidade empresarial — ambiental, social e de governança — está no pico histórico de cinco anos, de acordo com dados do Google Trends.

Não foi de um dia para o outro. Relatório de dezembro de 2020 do Morgan Stanley (MSBR34) apontou para o crescimento da pressão sobre atores do mercado de capitais para gerenciar riscos ESG e capturar oportunidades. Segundo o banco, metade dos investidores dos Estados Unidos praticavam investimento sustentável, enquanto 80% dos institucionais utilizavam métricas ambientais, sociais e de governança para análise. Os percentuais devem aumentar à medida que cerca de 90% dos gestores planejam dedicar mais recursos à classe nos próximos anos.

No Brasil não foi diferente. Maria Eugênia Buosi, sócia-fundadora e CEO da consultoria especializada Resultante, disse haver ansiedade no mercado devido à expansão do investimento. “Empresas querem provar que estão alinhadas à pauta ESG,” explicou, “mas está todo mundo batendo cabeça”.

É preciso diferenciar greenwashing de tentativa e erro

Por isso, a executiva afirmou ser necessária uma diferenciação fundamental entre greenwashing e o processo de aprendizado em direção à sustentabilidade. Buosi definiu o primeiro como o reporte de erros e/ou a omissão propositais de informações relevantes para a tomada de decisão. O segundo é mais complexo. “O ESG não é verbo de estado, é prática. Não é acordar, meditar e se tornar ESG. É praticar todo dia, como um exercício físico.”

A fim de constatar o compromisso da companhia, a executiva recomendou observar a exposição dos desafios. “Se a empresa diz que ESG sempre esteve no DNA, pode colocar uma bandeira amarela”, diz Buosi.

Entender as metas é o próximo passo. Ficar atento a companhias que se dizem preocupadas e estabelecem prazos longos, como ser net zero em um futuro distante. O negócio precisa deixar claro o que fará todo ano para bater a meta.

Outro sinal de alerta é caso a empresa se vanglorie por seguir a lei. “Cumprir a lei, embora de extrema importância, não é medalha de ouro. Medalha de ouro é trazer para estratégia, gestão de riscos, reportar.

Na visão de Luiz Fernando Quaglio, especialista em investimentos sustentáveis, o greenwashing atrapalha todos os processos de amadurecimento em sustentabilidade.

A relação entre cliente, investidor e companhia tem de ser de confiança, e para isso a comunicação autêntica é fundamental. “Quando há um caso evidente de greenwashing, gera uma descrédito não só com a empresa, mas quebra um elo virtuoso.”

No mais, os negócios tendem a perder a oportunidade de gerar valor. Quando a companhia comunica algo que não faz, cai em descrédito, cria uma cultura de manipulação e falsidade — o que termina por impactar a retenção e atração de talentos, além da captação de investimentos. O planeta também não agradecerá.

Neste passo, não dará tempo de reverter riscos ambientais

Em 9 de agosto de 2021, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) revelou que a destruição das calotas polares, a acidificação dos oceanos e mais efeitos de alterações do clima perpetradas por ação antrópica podem ser irreversíveis. O “código vermelho para a humanidade”, nas palavras do secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) António Guterres, foi publicado em meio ao crescente burburinho do investimento sustentável.

Na avaliação de Fabio Alperowitch, sócio-fundador e gestor da FAMA Investimentos, não há nenhuma ironia. “Daria tempo de mudar se, em vez de falar de ESG, as pessoas praticassem. Na verdade está mais no discurso do que na prática. Continuando assim, não tenho a menor dúvida de que não dá tempo. Pelo contrário, estamos piorando em vez de melhorar.”

Para o gestor, é necessário dar o devido respeito ao assunto. Não adianta ficar só na retórica, escrever em relatórios como a mudança climática é danosa. A assunção do compromisso é imperativa, e de longo prazo. Não há problema em acordar para a sustentabilidade a esta altura do campeonato – mas apenas essa constatação não significa ser “verde”. O histórico consistente é relevante.

Alperowitch deu o exemplo da JBS (JBSS3), cujas campanhas publicitárias podem ser encontradas tanto na mídia tradicional quanto na internet. O frigorífico assumiu a missão de zerar a emissão líquida de carbono até 2040. Ao mesmo tempo, seguem aparecendo notícias de que a companhia estaria contribuindo para a destruição da Amazônia ao adquirir gado de terras desmatadas ilegalmente.

Outra empresa citada pelo diretor da FAMA foi a Vale (VALE3). A despeito do histórico trágico, Alperowitch ponderou e afirmou enxergar avanços na postura da mineradora, como a desistência de processos em terras indígenas. Segundo gestor, a operação da companhia é complexa e, apesar da mudança, ainda há muito jogo de margem.

“Tanto do ponto de vista empresarial quanto de gestoras, vejo mais espuma do que realidade”, pontuou.

É fundamental que investidores estejam atentos

De acordo com César Sanches, superintendente de Sustentabilidade da B3 (B3SA3), a honestidade e responsabilidade são princípios básicos empresas que se propõem a adotar práticas sustentáveis.

“É inaceitável que as empresas tenham a intenção de maquiar ações ou números para apresentar práticas ESG que não possuem,” disse Sanches. “É fundamental que os consumidores e os investidores estejam atentos a essa possibilidade. Questionar, buscar evidências em documentos das companhias, certificações e premiações, e até checar informações com a rede de relacionamentos dessa empresa (fornecedores, funcionários, etc.) são formas de identificar o greenwashing.”

Para apoiar o desenvolvimento da agenda ESG, a Bolsa brasileira criou bootcamps para apresentar conceitos, práticas e formas de dar visibilidade a ações realizadas por empresas. Paralelamente, estimula o debate e a troca de informações entre os participantes do mercado por meio de eventos, fóruns e grupos de trabalho. A B3 ainda tem sete índices de sustentabilidade dar visibilidade a práticas sustentáveis.

Para azeitar as metas, a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) reuniu um grupo consultivo e definiu critérios para fundos com investimentos focados em sustentabilidade. A proposta está em fase de audiência pública, assim como o projeto da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para alterar para a regra para inclusão de informações que reflitam aspectos sociais, ambientais e de governança corporativa.

O cerco ao greenwashing por agentes do mercado de capitais é bem-vindo, mas uma unanimidade entre especialistas é a emergência do pensamento crítico. O investidor deve estar munido de informações de qualidade e vigilante para, assim, abrir um novo caminho de investir.

Fonte: Suno

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