Internet brasileira segue firme em meio a quarentena e onda de lives
Após ter pico de tráfego nos primeiros dias de isolamento social, infraestrutura de rede no País está estável; segundo especialistas, problemas de conexão podem acontecer ‘na última milha’, perto da casa das pessoas
Cerca de um mês após o início de quarentena no Brasil, nem mesmo a enxurrada de lives promovidas nas redes sociais foi capaz de abalar a internet do País. Segundo dados do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), o volume de tráfego se estabilizou após o pico inicial. Quando começou o período de isolamento social, havia temores sobre abalos na infraestrutura da rede brasileira, algo que acabou não acontecendo.
Segundo Milton Kaoru Kashiwakura, diretor de projetos especiais e de desenvolvimento do NIC.br, entidade que supervisiona a governança da internet no País, a internet brasileira já havia apresentando alta no volume de tráfego. Nos três meses anteriores a março, o crescimento havia sido de 25%. Já durante todo o ano de 2019, o crescimento do tráfego na internet brasileira havia sido de 60% na comparação com a temporada anterior. Dessa maneira, a entidade já via a estrutura de rede do País pronta para a alta causada pela quarentena.
Segundo executivo do NIC.br, nem mesmo a onda das lives abalou a infraestrutura das redes
Após o volume atingir recorde de 11 terabits por segundo (Tbps), a taxa se estabilizou abaixo dessa faixa, em cerca de 10 Tbps. A infraestrutura brasileira tem capacidade de cerca de 25 Tbps. “O que a quarentena fez foi antecipar o volume de quatro meses, mas isso agora não deve ser alterado”, explica Kashiwakura.
Ele diz que as lives de artistas brasileiros, que arrastaram milhões de pessoas para serviços de streaming de vídeo, não causaram mudanças significativas na estrutura geral, embora em pontos regionais possa ter gerado um pouco mais de pressão – segundo ele, a cidade de Salvador chegou a sofrer um pouco mais com perda de qualidade. “De modo geral, porém, é como se as pessoas estivessem trocando de um canal de TV por outro, mudando de um serviço de streaming por outro”.
De acordo com a consultoria OpenSignal, os smartphones no Brasil aumentaram o tempo conectado na internet. Nas últimas três semanas, os aparelhos nacionais estão passando 75% do tempo ligados a conexões Wi-Fi – essa marca era de 65% antes da pandemia de coronavírus. Ainda assim, isso não gerou picos além do esperado. “Em tempos normais, o pico da internet brasileira ocorre por volta das 21h. Isso agora foi diluído ao longo do dia”, explica Kashiwakura.
Última milha
Outra medida que ajudou a aliviar o impacto nas conexões foi a medida dos serviços de streaming de vídeo, como Amazon Prime, Globoplay e Netflix, de reduzir a qualidade de imagem do material transmitido, algo que aconteceu também no final de março. “Essas decisões foram tomadas por causa do cenário europeu, o que acabou refletindo positivamente para gente, principalmente na última milha”, diz Kashiwakura.
A ‘última milha’ se refere à etapa final da conexão entre consumidores e a internet. É a parte do caminho dos dados feita pelos provedores de internet, após se conectarem à infraestrutura profunda de conexões. É a parte da internet que as pessoas percebem como sua conexão à rede, e que pode sofrer congestionamentos e gerar reclamações.
Foi justamente isso o que aconteceu. O NIC.br fez um estudo que mostra uma queda de velocidade no download a partir da segunda quinzena de março – o ponto mais baixo é por volta do dia 20. No mesmo período, o número de reclamações relacionadas a conexão de internet cresceu 32% junto à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Isso não significa problemas com a infraestrutura da internet brasileira, mas sim gargalos da operadora do serviço ou até nas casas dos clientes.
“Nem sempre todas as localidades da última milha são conectadas com a fibra óptica. Algumas dependem de um simples cabo telefônico. Essas estruturas podem sofrer com congestionamentos”, diz Vivaldo Breternitz, professor da Faculdade de Computação e Informática da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “Além disso, muita gente tem equipamentos antigos em casa, como roteadores e modems, que também podem sofrer com mais gente em casa”, explica.
“Para uma operadora que não tem uma infraestrutura adequada, o aumento de 20% no tráfego pode gerar a sensação de qualidade pior na conexão. A medida dos serviços de streaming foram importantes para essa situação”, diz Kashiwakura. “Estamos orientando para que eles aumentem sua capacidade também”.
Para os próximos meses, com o fim ou não da quarentena, não há expectativa de aumento no volume significante – mesmo com uma possível volta de pessoas aos escritórios e de crianças às escolas. “Só se as pessoas pararem de dormir e ficarem com o streaming ligado 24 horas por dia. Fora situações pontuais não esperamos nenhuma desgraça”, diz Breternitz.