Artigo de Fernando Dantas
Evitar centenas de milhares, talvez milhões de mortes tornou-se a prioridade básica dos governos. E, apesar do altíssimo custo a curto prazo, é o que faz mais sentido para a economia também.
A semana vai terminando um pouco mais calma (se é que ainda se pode usar esta palavra) no mercado financeiro, aliás, como na sexta-feira passada.
Bancos Centrais e autoridades econômicas (não só nos principais países) estão lançando mão de todo o arsenal possível e imaginável de medidas monetárias e fiscais que mitiguem a implosão da atividade econômica em função da urgência de salvar vidas humanas ameaçadas pela Covid-19.
Mas a questão parece estar se deslocando justamente para esse último ponto. Os países conseguirão salvar milhões, talvez dezenas de milhões de vidas humanas, ou não?
Há um gigantesco custo econômico de curto prazo para salvar. Porém, se ele não for pago, e milhões de vidas que poderiam ter sido salvas forem perdidas, qual será o preço econômico, social e político de médio e longo prazo?
Como evitar que a conta macabra das fatalidades maciças e crescentes crie um tal clima de caos que o custo econômico acabará sendo ainda maior e mais prolongado, acompanhado do apodrecimento do tecido social e político que já vinha sendo corroído pela polarização populista antes mesmo do coronavírus?
Quando o foco se volta ao Brasil, apavora pensar que o sistema de saúde de países ricos como a Itália (já está ocorrendo) e os Estados Unidos (pode acontecer em breve) entram em colapso diante de medidas insuficientes de mitigação da disseminação do coronavírus.
O Brasil tem a experiência relativamente bem-sucedida (para padrões de países em desenvolvimento) do SUS, tem uma ampla e pulverizada rede de agentes comunitários de saúde e tem uma medicina avançada para um país de renda média.
São trunfos, sem dúvida. Mas como comparar os recursos econômicos, tecnológicos e humanos do Brasil, diante da pandemia, com os da maior potência do planeta?
Se os Estados Unidos estão despreparados, o que dizer do Brasil, onde parcela significativa da população vive em favelas ou outras áreas sub-urbanizadas, muitas vezes com grande densidade populacional dentro das casas e pouquíssimo espaço entre elas, e acesso precário e até arriscado para serviços de entrega?
Como imaginar que essas pessoas possam fazer longas quarentenas, de semana ou até meses, no estilo “classe média” que se vê na sacada de prédios italianos?
Para não falar na dependência maciça da população mais pobre do Brasil de fontes de renda informal, ligadas basicamente a se estar na rua ou em estabelecimentos precários, vendendo ou produzindo bens e serviços que, por sua vez, dependem em grande parte da circulação das pessoas.
Mesmo com os esquemas que já estão sendo montados pelo governo para colocar recursos nas mãos dos trabalhadores informais durante a crise, é muito possível que essas transferências sejam insuficientes para sustentar padrões mínimos de vida, empurrando muita gente para fora de casa por uma simples questão de sobrevivência.
O mundo está repleto de estimativas de epidemiologistas profissionais e amadores sobre a disseminação do coronavírus. Apesar de muitas diferenças entre os números, parece haver um consenso de que, se um país com a população dos Estados Unidos não fizesse absolutamente nada, o número de mortos pelo coronavírus seria contado em milhões. Como base de comparação, a conta das mortes anuais por gripes do tipo influenza nos Estados Unidos se faz na base de dezenas de milhares.
Não há muito por que ser diferente num país como o Brasil, cuja população é aproximadamente 65% da norte-americana.
Não haverá tantas mortes nos Estados Unidos e no Brasil porque, como em todos os países afetados, as autoridades de ambas as nações estão reagindo. Mas da qualidade, da velocidade e da intensidade dessa reação depende a vida de centenas de milhares, talvez de milhões de pessoas.
Reduzir o custo em vidas humanas para um nível não catastrófico deve ser agora a prioridade de todos os brasileiros, dentro e fora do governo. É uma tarefa difícil, mas não impossível.
Com certeza, o custo econômico, social e político de uma estratégia que privilegie vidas humanas será bem menor para enfrentar este atemorizante momento histórico.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast do Estado de São Paulo