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“Muitos ainda se sentem prejudicados pelos direitos dos outros”, diz Danielle Torres, da KPMG

A executiva Danielle Torres gosta de lembrar aos pessimistas que as mudanças positivas existem, sim. Diversidade e inclusão avançam, na sociedade e nas empresas, e Danielle  — sócia-diretora de Práticas Profissionais na KPMG, onde trabalha desde 2005 — é testemunha da evolução. A executiva trans acredita que é preciso ter uma “esperança ativa”, reconhecer o que foi conquistado sem deixar de cobrar novos avanços. A gestão de pessoas nas organizações, como outras áreas, requer criatividade e novas formas de trabalhar. Mas Danielle, mestranda em Inteligência Artificial, critica o modo vazio como as organizações tratam a palavra “inovação” atualmente, sem ter estratégica clara a respeito.

Época NEGÓCIOSTemos para você uma pergunta de outra executiva inovadora, a Roberta Bonomi, Head da Enel Green Power Brasil: “Li em seus relatos que o acolhimento no ambiente de trabalho, dentro da KPMG, foi fundamental para que você se sentisse feliz e segura e, consequentemente, atingisse seu pleno desenvolvimento profissional. Na Enel, defendemos a ‘liderança gentil’, baseada na escuta ativa e principalmente na valorização da diversidade.

Qual é a importância das relações humanas no ambiente corporativo? E como essas relações impactam a geração de valor para as pessoas e organizações?”

Danielle Torres – Relações humanas são fundamentais para nos sentirmos acolhidas na organização, especialmente quando fazemos parte de uma minoria. O que nos preocupa é: serei respeitada ao ingressar nessa organização? Tenho chance de ser considerada para uma posição de liderança? Serei avaliada de forma equitativa? É muito difícil pensar no contexto do mundo atual, tão conectado e visível por meio das redes sociais, que dentro da organização não tenha uma contrapartida de profissionais que integram um time capitalizado pela diversidade também.

Se não tivermos uma relação humana, e esse termo é bastante interessante, uma “liderança gentil”, acolhendo os mais diferentes perfis de profissionais, corremos o risco de não ter uma representatividade adequada e sofrer as consequências disso na produtividade desses profissionais.

NEGÓCIOS – Uma pesquisa da PwC constatou que só 5% das organizações afirmam ser bem-sucedidas em programas de inclusão e só 25% dos funcionários alvo dessas iniciativas se sentem contemplados por elas. Como você vê essa realidade nas empresas?

Danielle – Esses números são alarmantes, mas não chegam a me assustar – porque eles estão de acordo com o que eu esperaria em termos de resultados práticos hoje. A inserção da diversidade como uma pauta ampla vem tomando corpo apenas na última década. Antes, falávamos da diversidade quase que exclusivamente em termos masculino e feminino dentro do conceito cisgênero.

Apesar de toda a caminhada que ainda é necessária, vimos um avanço expressivo na inclusão da da mulher cisgênero no mercado de trabalho. A reboque disso, começaram a vir outras discussões: a inserção das pessoas LGBTs, de imigrantes, as questões raciais, o etarismo… Mas, se o direito cisfeminino, que está sendo discutido há 60 anos, ainda está engatinhando, para outras questões, que ainda estão na primeira década de discussão, o caminho é ainda mais longo.

Ao mesmo tempo, eu gosto de ver o aspecto positivo do quanto isso já mudou: a contratação de pessoas trans, por exemplo, que era algo absolutamente impensável há pouco tempo, hoje em dia é perfeitamente plausível. É importante cobrar para que exista uma maior maturidade mas, ao mesmo tempo, perceber o quanto estamos evoluindo.

NEGÓCIOSO que a KPMG está fazendo de concreto sobre diversidade e inclusão? Há resultados efetivos dessas ações?

Danielle – Quando eu era trainee, em 2005, já se falava na organização, majoritariamente masculina, da importância do protagonismo feminino na liderança. Em 2007, já havia um sócio abertamente gay como parte do nosso quadro social. Nos meus 17 anos de organização, vejo a enorme evolução dessa pauta. Sou mulher trans, faço parte do grupo de sócias e tenho inúmeras colegas – antes eram apenas duas ou três sócias. Existe um corpo diretivo feminino muito grande, a equidade de gênero já foi atingida em muitos dos nossos níveis profissionais e existe uma expectativa que para a alta liderança isso venha a ser atingido no curto-médio prazo. Temos um comitê de inclusão e diversidade muito ativo na temática racial, de pessoas com deficiência, na inclusão das mulheres e de pessoas LGBT.

A KPMG tem uma posição de vanguarda em inclusão e diversidade: não é algo que estamos pensando em fazer, é algo do qual já colhemos resultados. Existe ainda uma equivalência do extrato social na organização? Não, porque isso tudo começou há apenas uma década. Mas a KPMG possui sócios negros e LGBTs. É uma evolução impressionante que eu pude ver com os meus próprios olhos.

NEGÓCIOS Como mulher trans, de que forma você sente que se beneficiou dessas essas ações? Há algo que te frusta e que poderia melhorar?

Danielle – Em 2016, quando eu fui falar com a organização, procurei justamente o sócio que era abertamente homossexual, na época, a única referência LGBT que eu tinha na empresa. Eu fui pedir demissão porque não achei que seria aceita ali como mulher trans. Mas ele me deu todo o apoio. A empresa foi muito segura de si ao compreender isso porque os valores da diversidade já estavam ali.

Eu fui anunciada na mídia como a primeira executiva abertamente trans do país, então não havia nenhuma referência na época. Foi um processo de aprendizado tanto para mim quanto para a própria organização. Mas, depois disso, muitas outras portas começaram a se abrir no mercado de trabalho. Foi especialmente marcante na história empresarial brasileira, uma empresa de grande porte sentir-se madura suficiente para abarcar uma diversidade que ainda era pouco compreendida há sete anos.

A minha frustração é sobre a sociedade de uma forma geral. De notar o quanto temos que evoluir no direitos das minorias, quantas pessoas se sentem prejudicadas pelos direitos dos outros, como se o direito fosse limitado e não abundante, como deveria ser visto. Mas é algo que eu vejo na minha vida e compreendo desde muito nova, sem abandonar uma esperança ativa de mudança.

NEGÓCIOSVocê tem MBA em Tecnologia e é mestranda na área. De que forma a inovação tecnológica tem sido implementada na KPMG e quais seus resultados concretos?

Danielle – A empresa oferece prêmios de inovação para incentivar todos os funcionários a trazer projetos e patrocinar ideias inovadoras. Temos áreas de consultoria específica voltada para inovação, iniciativas voltadas a startups, exploração de segmentos digitais, bots internos para tirar dúvidas, otimização de escalas por meio de algoritmos… vi nesses anos uma verdadeira transformação digital.

Uma pergunta que me faço com alguma frequência é: a empresa onde trabalho é aquela que fala sobre inovação, mas sem foco estratégico, ou é aquela que entendeu quanto a inovação é estratégica? Tenho conforto de dizer que eu estou na segunda.

NEGÓCIOSQual palavra da moda, frase pronta ou clichê corporativo você não aguenta mais ouvir? Por quê?

Danielle – Inovação. É uma palavra extremamente importante e relevante, mas vejo em alguns contextos uma ânsia tão grande em busca dessa inovação que acaba até perdendo o sentido. Parece que virou quase um um sinônimo para qualquer coisa. Precisamos de inovação? Sim, mas é importante perguntar: com qual propósito? Qual é a nossa base de clientes? Aonde queremos chegar e qual é o nosso negócio? Essa discussão nem sempre está presente.

NEGÓCIOS Qual foi sua melhor decisão profissional? E a pior?

Danielle – A melhor decisão foi a minha experiência mais recente de ir a Nova York, onde fiz uma espécie de intercâmbio dentro da KPMG após passar por entrevistas durante uma seleção. Foi no final de 2019, coincidiu com a pandemia, mas mesmo assim foi um um período extremamente relevante para o meu desenvolvimento profissional.

A pior foi ter adiado, por uma década, a oportunidade de fazer mestrado. Na época, era na área de administração de empresas com ênfase em desenvolvimento sustentável. Teria sido muito interessante, vendo tudo o que aconteceu depois, especialmente a realidade de ESG, eu ter me especializado nisso. Poderia ter ganhado algum outro tipo de credencial no contexto profissional.

Isso me fez refletir e não postergar uma oportunidade de me desenvolver. Aprendi com o erro e resolvi me desafiar, indo para a área de exatas: atualmente sou mestranda em inteligência artificial.

NEGÓCIOSQual é o seu melhor hábito? E o pior?

Danielle – O melhor é a atividade física, que pratico quase todos os dias. Gosto tanto que me forço a parar um dia no mês para não causar nenhum tipo de contusão. Pratico musculação, artes marciais e pilates. É extremamente saudável conciliar diferentes demandas num mundo tão dinâmico.

O pior é que, com a pandemia, acabei me acostumando a estar no mesmo lugar e fiquei mais caseira. Eu costumava viajar até quatro vezes ao mês e meu nível atual de viagem corporativa caiu a zero. Agora, com a reabertura, estou trabalhando para superar isso e voltar a viajar a trabalho, algo muito importante para ampliar os relacionamentos.

NEGÓCIOS – Qual foi seu livro e série preferidos dos últimos tempos e por quê?

Danielle – Livro: “Mulheres que Correm com os Lobos”, porque ele tem uma figuração de arquétipos femininos que acho extremamente importante. Deve fazer 10 anos que leio e releio porque eu acho cada passagem de uma grande profundidade, em termos de representações e elementos femininos muito fortes.

Uma série de que gostei muito recentemente foi a Euphoria, da HBO. Mostra a complexidade da vida dos adolescentes entrando na fase adulta e passa por temas sociais muito sensíveis. E fizeram a inserção de uma mulher transgênero de uma forma não estereotipada, respeitando a própria identidade da personagem. Foi uma das primeiras vezes que eu vi isso numa série de grande escala.

Fonte: Época Negócios

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