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Não estamos prontos para uma pandemia

Artigo de: Paul Krugman

Há boas razões para se preocupar bastante com o impacto econômico do que oficialmente ainda não é uma pandemia

É assim que o mundo acaba. Não com uma explosão, mas com um vírus.

Ok, não é tão ruim assim – ou ao menos eu não acho que seja. O coronavírus não é a Peste Negra; nem há motivos até agora para acreditar que ele chegará perto de algo tão mortal quanto a epidemia de influenza que varreu o mundo entre 1918 e 1919, matando pelo menos 50 milhões de pessoas.

Dito isso, está claro que nós desperdiçamos qualquer chance que tínhamos de conter a propagação do vírus. E isso vai ser algo que causará profundos problemas.

Por algum motivo os mercados, que há semanas vinham demonstrando uma estranha benevolência, só agora decidiram entrar em pânico. Não sei por que demorou tanto, mas há boas razões para se preocupar bastante com o impacto econômico do que oficialmente ainda não é uma pandemia, mas obviamente é algo que caminha para este status.

Primeiro, nós temos uma economia mundial profundamente interdependente, e a China – que ainda é o epicentro da pandemia – tem um enorme papel na produção mundial. A última vez que nós vimos um evento comparável, o surto de SARS de 2002-3, a China representava cerca de 7% da produção global. Agora é mais de um terço, e grande parte da produção em todo o mundo depende de componentes chineses.

E não estou falando só de iPhones. A China, na verdade, fornece algumas das matérias-primas fundamentais usadas nos remédios atuais. Este vírus não vai prejudicar só o comércio mundial; ele também vai atrapalhar a resposta médica.

Segundo, a economia mundial está mal preparada para lidar com um choque negativo de qualquer natureza. O desemprego pode estar baixo – ele está particularmente baixo nos Estados Unidos, mas mesmo na Europa ele está baixo para os padrões históricos -, e no entanto nós só conseguimos nos aproximar de uma situação de emprego pleno por causa das taxas de juros extremamente baixas, o que significa que há muito pouca margem para cortar mais taxas caso aconteça algo de errado. E o coronavírus parece esse algo.

É verdade que nós poderíamos responder com incentivos fiscais – gastos públicos e outras medidas para aumentar a demanda. De fato, é isso que os chineses estão fazendo. Já o Ocidente parece paralisado pela ideologia. Na América, os republicanos parecem incapazes de bolar qualquer proposta que não envolva cortes de impostos para os ricos. Na Europa, os alemães ainda tratam a economia como um ramo da filosofia moral; economizar é virtuoso, e ninguém consegue convencer eles de que às vezes é preciso gastar.

Por fim, o governo Trump parece intencional e lamentavelmente despreparado para lidar com uma crise de saúde pública. O presidente Barack Obama criou um cargo de czar das doenças mundiais para lidar com o ebola; Trump extinguiu a posição, e cortou significativamente a verba para o Centro de Controle de Doenças, porque o governo dele não considerava pandemias uma ameaça significativa à segurança nacional.

Dois indicadores da seriedade com que nossa liderança atual vem enfrentando os riscos: O apresentador de tv conservador Rush Limbaugh, ganhador recente da Medalha Presidencial da Liberdade, minimiza o coronavírus como uma simples gripe comum, que vem sendo “instrumentalizada” para ser usada contra Trump. Já Larry Kudlow, principal economista do governo, respondeu aos temores do mercado pedindo…que os americanos comprem ações.

Nós ainda não sabemos o tamanho da encrenca que este vírus vai representar. Mas há razões fortes o bastante para se preocupar muito.

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