O big data da Neoway para se tornar referência em bid data no Brasil
Companhia, que tem entre seus investidores Temasek, Accel Partners e Monashees, reforça sua base de dados para ampliar leque de serviços e brigar por um mercado de US$ 4,2 bilhões no Brasil
Há dois anos, o Brasil começou a produzir seus primeiros unicórnios. Desde então, as listas de apostas com as próximas startups a romper a barreira da avaliação bilionária no País tornaram-se frequentes. Assim como a inclusão de uma empresa, não tão nova como boa parte de seus pares, nessas relações.
Fundada em 2002, em Florianópolis (SC), a Neoway vem despertando a atenção com a sua plataforma de análise de dados. E, desde 2014, atraiu três rodadas de aportes, que somaram US$ 105 milhões de investidores globais e locais, como Temasek, Accel Partners e Monashees.
Com essas credenciais, a companhia parece seguir o roteiro para alcançar um valor de mercado superior a US$ 1 bilhão. Mas, internamente, esse patamar é visto como apenas uma escala de uma jornada muito mais ambiciosa.
“Nós vamos chegar bem mais longe”, diz Carlos Eduardo Monguilhott, CEO da Neoway. “Queremos dominar esse mercado, de ponta a ponta. E, em cinco anos, ser a maior empresa de analytics do Brasil.”
A missão não será fácil. Por conta de seu amplo portfólio, a Neoway conta com concorrentes em diversos segmentos. Em áreas como fraude e análise de crédito, por exemplo, estão nomes como Boa Vista e Serasa. Outras empresas que atuam com o big data, como a americana SAS, também figuram nessa lista.
Todas brigam pelo mercado de big data, termo usado para se referir a captura e análise de uma grande quantidade de dados, que movimentou US$ 4,2 bilhões, em 2019, no País, segundo estimativa da consultoria especializada em tecnologia IDC.
A Neoway não revela sua participação nesse bolo, nem o seu faturamento. Mas alguns dados ajudam a entender o porte da operação, que, entre outras ofertas, fornece sistemas para aprimorar a prospecção de clientes e a prevenção de fraudes.
Com clientes em 18 segmentos e 410 funcionários, a companhia atende mais de 700 empresas. A base inclui desde nomes de grande porte, como Itaú, Bradesco, Votorantim e Unilever, até startups como a Loggi.
Para concretizar seu novo plano, a Neoway está ampliando seu foco, até então restrito às ferramentas que movimentam os negócios entre companhias. A empresa começa a abrir espaço para que seus clientes apliquem a análise de dados também em suas relações com pessoas físicas, dentro do conceito conhecido como B2B2C.
Esse pacote passa, por exemplo, pelo uso da plataforma por instituições em frentes como análise de crédito e prevenção contra crimes de lavagem de dinheiro. Para isso, a empresa mescla informações fornecidas por essas companhias com uma base de dados própria, estruturada a partir de mais de 600 fontes públicas. E de anos de atuação em diversas indústrias.
“Estamos entrando em um mercado com um orçamento pelo menos dez vezes maior do que o de pessoa jurídica”, afirma Monguilhott. Ele ressalta que a incursão segue as premissas estabelecidas pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que regula a maneira como dados pessoas devem ser capturados na internet.
O executivo-chefe de transformação da Neoway, Rodrigo Barcia, complementa: “Um banco, por exemplo, tem uma carteira de milhares de clientes empresariais. E de milhões de clientes pessoa física, que até então, nós não acessávamos”, diz Barcia.
Para Luís Dearo, membro do GVAngels e principal executivo da aceleradora americana Plug and Play no Brasil, o movimento traz dois benefícios. “Além de ampliar a receita recorrente, essa estratégia permite que a Neoway acesse ainda mais dados para enriquecer sua plataforma”, afirma Dearo.
O executivo enxerga, porém, desafios nesse processo. “Com uma esfera maior, eles vão ter que fazer uma lição de casa significativa para manter a qualidade, o que passa também pela adequação à LGPD”, diz Dearo. “Mas é um bom caminho para se tornar um unicórnio, algo que geralmente está restrito às empresas B2C.”
Novos mercados
Duas aquisições feitas em 2019 ajudaram a abrir mais frentes. Com a compra da Sevennova, por US$ 15 milhões, a Neoway desenvolveu uma plataforma de marketing digital, que coleta e cruza dados online e offline. A ideia é refinar a identificação do perfil e o contato das empresas com seus públicos-alvo.
Essa abordagem também passa por recursos que indicam tanto o canal como o momento mais propício para abordar esse cliente em potencial.
Outro novo mercado veio com a compra da LegalLabs, por US$ 26 milhões. A Neoway teve acesso a algoritmos de inteligência artificial. Entre outros recursos, é possível analisar um volume grande de processos similares para prever decisões judiciais e o valor das condenações em um determinado caso.
O portfólio abre espaço para a atuação junto a empresas com um volume substancial de ações judiciais, além de segmentos como grandes escritórios de advocacia.
Com presença em 18 setores da economia, a Neoway atende mais de 700 empresas, entre elas, Itaú, Votorantim e Unilever
A empresa também está mudando a forma como ataca alguns de seus setores tradicionais. “O mercado está pedindo profundidade”, diz Monguilhott. “Temos muita proximidade com os clientes. Mas muito focada em tecnologia e menos na realidade do negócio deles.”
A Neoway elegeu quatro setores como foco dessa estratégia: serviços financeiros, construção civil, saúde e fabricantes de alimentos e bebidas.
Cliente da Neoway desde 2015, quando adotou a plataforma para aprimorar sua prospecção comercial, a japonesa Sompo Seguros é uma das empresas que está ampliando esse relacionamento com as novas ofertas. No momento, a companhia trabalha em uma iniciativa voltada aos segurados pessoa física. O plano é desenvolver serviços a partir dos dados coletados.
“Mais do que a tecnologia, o que sustenta essa relação é o fato de que a Neoway nos traz muitos insights. E não apenas do nosso setor”, diz José Ricardo Paulino, superintendente de planejamento estratégico da Sompo Seguros. “E é uma parceria muito próxima. Nós construímos tudo a quatro mãos.”
Outros elementos ajudam a explicar o fato de a companhia ter uma carteira com tantos clientes e ser figura carimbada nas listas de potenciais unicórnios.
“Ferramentas de big data são complexas e caras”, diz Dearo. Ele ressalta, porém, que a Neoway criou um modelo no qual a experiência é mais próxima de um serviço B2C. “A quantidade de dados da plataforma deles é assustadora. Mas é possível ir no detalhe do detalhe, de maneira bem simplificada.”
A entrega centrada na nuvem e no modelo de software como serviço é mais um componente. De um lado, esse formato facilita o acesso de empresas de menor porte. Ao mesmo tempo, 96% das receitas da Neoway são recorrentes, o que agrada investidores, por conta da previsibilidade no faturamento.
Monguilhott coloca outros componentes nessa equação. “Somos uma empresa sustentável financeiramente”, diz o CEO da Neoway. “Claro que é sempre bom captar recursos, mas não queremos ser reféns de dinheiro.”
Nessa direção, a Neoway adota alguns princípios. “Nenhum cliente representa mais de 4% do nosso faturamento. E nenhum setor, mais de 20%”, afirma Barcia. “Gerar caixa também é importante. Nem que para isso tenhamos que penalizar um pouco nosso crescimento.”
Na berlinda
Acostumada a estar sob os holofotes, a Neoway ganhou novo destaque há poucos meses. Mas, dessa vez, com um viés nada positivo. Em setembro do ano passado, o jornal Folha de S. Paulo, em parceria com o site The Intercept, publicou conversas de Deltan Dallagnol, coordenador Força-Tarefa da Lava Jato, que colocaram a empresa na berlinda.
Nos diálogos, Dallagnol diz que a Neoway foi citada na delação premiada do lobista Jorge Luz, em 2016. Segundo Luz, a empresa teria contratado seus serviços para facilitar a conquista de contratos com a BR Distribuidora.
As conversas também mostram que Dallagnol foi contratado pela Neoway, em 2018, para dar uma palestra, por R$ 33 mil. E que ele teria apresentado a empresa a integrantes do Ministério Público, com o objetivo de que os sistemas da companhia fossem adotados pela força-tarefa da Lava Jato.
Monguilhott diz que a companhia não foi notificada sobre essas questões. O caso trouxe, no entanto, mudanças na operação. A primeira delas, a sua nomeação como CEO, em substituição ao fundador Jaime de Paula. “Essa transição já estava em curso desde 2017. Mas esse contexto acelerou o processo.”
Outras medidas vieram na sequência. A empresa contratou uma executiva de compliance para fazer uma auditoria interna. Em andamento, esse trabalho conta ainda com a participação da Koury Lopes Associados.
Segundo estimativa da consultoria IDC, o mercado brasileiro de big data movimentou US$ 4,2 bilhões em 2019
A Neoway também contratou a Ernst & Young (EY) para fazer a análise de controles internos e implantar novas políticas na área. Segundo o executivo, 98% dos funcionários já passaram por um treinamento sobre o programa de compliance e o código de ética sugeridos, em novembro do ano passado, pela EY.
“O caso também serviu para dar mais velocidade a essa questão da governança”, diz Monguilhott. Essa frente já vinha sendo trabalhada como parte da preparação para uma abertura de capital. No início de 2019, a Neoway anunciou os planos para uma dupla listagem, na brasileira B3 e na americana Nasdaq.
Apesar de seguir como uma possibilidade, a estratégia perdeu fôlego. Segundo o executivo, essa mudança não está relacionada à repercussão da reportagem. “Estamos sendo muito procurados por fundos estratégicos que nos veem como catalisadores desse mercado no Brasil”, afirma Monguilhott.
Nesse contexto, a captação privada é a opção favorita na mesa. “Nós temos uma estratégia maior para executar e a volatilidade do mercado de capitais criaria um peso muito grande”, diz Monguilhott. “O mercado privado nos dá mais liberdade. Ainda precisamos dar tiros mais altos.”
Foto: Carlos Eduardo Monguilhott, CEO da Neoway – Repdodução / Divulgação