Artigo de Marcio Pochmann
Comércio externo baseado em produtos de menor valor agregado, desindustrialização e perda de soberania econômica: a ofensiva ultraliberal é insustentável
A agressiva retomada neoliberal no Brasil pós-golpe remete o país a condições semelhantes da colônia ocupada pelos navegadores portugueses30
Desde a sua fundação enquanto colônia, o Brasil se constituiu no formato de um entreposto do comércio externo. Através da grande empresa colonial portuguesa, o território foi dominado pela gerência da terra, opressão da população indígena local e organização da produção para a instalação do ciclo de exportação extrativista.
A arte de governar estabelecida pela grande empresa colonial impôs de forma inédita o domínio transoceânico pela metrópole portuguesa no século 16. Assim, o Brasil colônia estava simultaneamente integrado com a África pelo tráfico escravista e com a Europa pela exportação de primários e a importação de bens de maior valor agregado de cada época.
- Berzoini: programa do golpe é derrotar Vargas, JK, Ulysses e Lula
Três séculos depois, com a independência nacional, em 1822, e mesmo na República Velha (1889 e 1930), a dinâmica da economia brasileira permanecia atrelada ao comércio externo. Em 1930, por exemplo, os sete principais produtos de exportação ainda extrativos (café, couro e pele, cacau, borracha, mate, fumo e algodão) representavam 90% de todo o comércio externo do país.
Com a Revolução de 1930, a noção de subdesenvolvimento começou a ganhar destaque no entendimento do atraso nacional imposto pelo desequilíbrio estrutural presente no Balanço de Pagamentos do país. Na formulação liberal da época, o país deveria se concentrar em sua própria vocação geográfica e histórica, pois a “mão invisível” das forças de mercado determinaria o melhor futuro ao território nacional.
- Do golpe ao caos: o desmonte acelerado do Estado e de uma nação
Acontece que os países industrializados absorviam em proporções crescentes os ganhos de produtividade alcançados pela produção de nações assentadas no comércio externo de bens primários.
Isso porque concentravam o progresso técnico, compensando a importação de produtos agropecuários, cujo preço era definido externamente e em queda no longo prazo, pela exportação de manufaturados com maior valor agregado e preços relativamente estáveis.
Diante de trocas tão desiguais, que sabotavam o desenvolvimento autônomo do país, o projeto de industrialização nacional teve curso com a força liderada pelos tenentistas.
Mas meio século depois, o Brasil havia invertido a composição do seu comércio exterior, cuja pauta de exportação de 1980 era composta por 58% de produtos manufaturados, todos de maior valor agregado que os produtos primários.
E com a inserção passiva e subordinada do Brasil na globalização desde 1990, a desindustrialização se estabeleceu. E com ela, a própria alteração da posição brasileira no comércio externo, motivado pela volta do ciclo das exportações extrativas, com cada vez mais dependência da produção e exportação primária.
A chamada reprimarização da pauta de exportação completou-se, em 2019, quando o conjunto dos produtos básicos que têm contida tecnologia envolvida ou acabamento, como minerais, frutas, grãos e carnes superou o total da exportação dos bens industrializados. Somente os sete principais produtos de exportação no ano passado, constituídos de produtos primários (soja, petróleo, minério de ferro, celulose, milho, carnes e café), representaram 50,1% do total da pauta de exportações do país.
- Como na república Velha, o Brasil ameaçado como nação
Além disso, as importações brasileiras passaram a se fundamentar crescentemente nos produtos manufaturados e com elevada tecnologia incorporada. Destaca-se, por exemplo, a dependência nacional das compras externas de automóveis e peças, produtos eletrônicos e farmacêuticos, bem como a importação de inseticidas, formicidas, herbicidas e produtos semelhantes estratégicos para a sobrevivência do agronegócio brasileiro.
Por ser uma das principais operações econômicas de um país, o comércio externo revela como se encontra a situação produtiva nacional. Percebe-se no caso brasileiro o quanto tem perdido a sua soberania econômica, tecnológica e produtiva desde o neoliberalismo dos anos de 1990. E agora, com a sua volta recente, ainda mais, expressando com precisão o rumo da decadência da nação.