Para Marcelo Serfaty, presidente do conselho do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), não existe apenas capital físico e humano, há o capital socioambiental. Em visita à redação da EXAME nesta terça-feira, 15, Serfaty repetiu o raciocínio utilizado por Gustavo Montezano, presidente da instituição, em conversa anterior com a reportagem.
“O retorno não é mais só financeiro, é climático”, disse Montezano, durante a COP26, Conferência do Clima da ONU, realizada em novembro do ano passado na Escócia. Esse alinhamento de ideias não é coincidência.
Presente ao encontro com Pedro Valente e Renato Mimica, co-CEOs da EXAME, Montezano se mostrou orgulhoso e preocupado. Ele confia na perenidade das mudanças estruturantes que implementou no banco, em dois anos e meio de comando. Porém, sabe que não ficará para sempre à frente da instituição de fomento. Por isso, Montezano quer levar o BNDES para um lugar acima da ciclotimia política: o campo das ideias.
“Quero construir um legado de ideias”, afirmou o presidente do BNDES. “Quem sabe inspirar outros bancos. O potencial de impacto socioambiental é muito grande”.
O BNDES e o mercado de carbono
No final de janeiro, Montezano apresentou formalmente suas ideias em carta ao mercado. Os critérios socioambientais e de governança permearão a estratégia de fomento para 2022, e ele prometeu defender a letra “S”, o social do ESG, com unhas e dentes. O banco buscará ter um papel relevante no desenvolvimento do mercado de créditos de carbono, com especial destaque para o setor de florestas e o mercado voluntário.
Essa guinada ESG talvez seja a mais relevante mudança instituída pela atual administração. Como manda o capitalismo de stakeholder, Montezano inverteu a lógica sobre como medir o resultado dos investimentos: em vez de prestar atenção no volume de dinheiro injetado na economia, o BNDES passa a se pautar pelo impacto. “Quando a métrica é o desembolso, autocentrada em dados financeiros, o banco fica avesso a risco”, disse o presidente. “O resultado é a concentração de investimentos em grandes empresas e a criação de barreiras de entrada no setor de infraestrutura.”
Medir o impacto, por sua vez, garante uma aplicação mais assertiva dos recursos. “A eficiência não se mede na contratação”, afirmou Serfaty. “Vamos desembolsar recursos ‘na veia’ da economia”. Para o presidente do conselho, a ideia é fazer do BNDES um agente indutor da nova economia, assumindo o risco de ser o primeiro a derrubar o muro, mesmo que saia ensanguentado.
“É melhor ter 50 milhões em ativos florestais do que especular com Petrobras”, resumiu Montezano. “Nosso desafio é criar a estrutura que permita ao país ter, por exemplo, um mercado de carbono, o que passa pelo Congresso. Há, ainda, um gargalo de qualificação. Temos poucos profissionais com conhecimentos específicos na área socioambiental.”
Banco vai entrar no setor de educação
A mudança mais recente no BNDES é a entrada no setor de educação, ideia que partiu do conselho. Segundo Serfaty, o objetivo é atacar dois extremos: a requalificação da mão de obra atual, que está sem trabalho em função do avanço tecnológico, e a qualificação da mão de obra do futuro. O presidente do conselho destacou o desafio da geração “nem-nem”, nem estuda, nem trabalha. “Certamente, esse jovem não será produtivo para a sociedade no futuro”, disse.
Essa agenda tem grande aderência no BNDES. “Todo mundo aqui é adepto da educação, do meio ambiente e das pequenas e médias empresas (PME)”, diz Montezano. Os três temas formam uma espécie de tripé estratégico que deve sustentar o legado de ideias dessa administração. Montezano e Serfaty apostam no avanço da importância dessas pautas, o que forçaria o novo comando, seja ele qual for, a se manter no trilho construído por eles.
O que não tem como reverter são os desinvestimentos. Montezano promoveu a venda de 80 bilhões de reais em participações detidas pelo BNDES em empresas maduras, com destaque para ativos na Vale e na Petrobras. Isso faz parte da estratégia de transformação definida por ele. Com caixa robusto, o BNDES poderá focar na parte da economia que mais precisa de investimentos subsidiados. “Pra que investir numa gigante, se eu posso investir em quem está começando”, questiona o presidente. A meta, agora, é o impacto.
Fonte: Exame