Brasil tem um dos piores cenários entre os emergentes no relatório do FMI divulgado nesta quarta-feira
As previsões para a economia brasileira estão cada vez mais sombrias. Nesta quarta-feira (24), o Fundo Monetário Internacional (FMI) revisou de 5,3% para 9,1% a sua projeção para a queda do PIB (Produto Interno Bruto) do país em 2020.
Se confirmado, seria o pior resultado da série histórica iniciada em 1900. A título de comparação, a recessão já histórica do país no biênio 2015-2016 representou uma queda acumulada de 7,2% do PIB.
O Brasil foi um dos que tiveram maior corte na projeção desde o último relatório do FMI, em abril. A previsão para o país ainda está longe do patamar previsto de 12% de tombo em países como França, Itália e Espanha, mas é destaque negativo entre os emergentes.
“O que eles estão falando é que a doença afetou fortemente a confiança dos consumidores e empresários e que o fluxo de capital para a América Latina diminuiu muito, assim como o preço das commodities”, diz Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating.
A previsão é de crescimento de 1% na China e quedas menores na África do Sul (-8%), Rússia (-6,6%) e Índia (-4,5%). De países comparáveis, só a Argentina (-9,9%) e o México (-10,5%) teriam quedas maiores.
“O tom do FMI piorou bastante de abril para cá, sobretudo pela percepção de que o consumo caiu para um patamar mais deprimido, a mobilidade urbana segue em baixo nível e os impactos no mercado de trabalho ainda estão longe de serem superados”, diz Arthur Mota, da EXAME Research.
A crise do coronavírus é inédita, o que dificulta o exercício de projeções, dependentes de fatores externos difíceis de medir como curvas epidemiológicas e o prazo para novos tratamentos e vacinas.
“Me parece que os dados para Brasil e Estados Unidos (-8%) estão um pouco exagerados ou pessimistas demais. Nossa expectativa para 2020 aqui é de queda de 7%, com possível revisão para baixo”, diz Mota.
A previsão do Boletim Focus, que reúne semanalmente as previsões de mercado, é de uma queda de 6,5% em 2020. O governo ainda prevê um tombo menor, de -4,7% no ano.
O que deu errado
Economistas apontam que o Brasil é um dos destaques negativos no cenário econômico global porque também é exemplo mundial negativo na gestão da pandemia. Com mais de 1,15 milhão de casos e 52 mil mortes, o país é o segundo maior epicentro mundial da doença, atrás apenas dos Estados Unidos.
“Como em outros casos, na região e fora, o prolongamento do período de infecções deverá também prolongar confinamentos e outros efeitos recessivos”, diz Otaviano Canuto, ex-diretor do Banco Mundial e diretor do Policy Center for the New South.
O país está em seu terceiro ministro da Saúde desde o início da pandemia e nunca teve uma coordenação nacional das medidas de isolamento social, testagem e atendimento médico, ou sequer uma campanha nacional divulgando as formas de reduzir o risco de contaminação.
“Por divergências incontornáveis entre governo federal e o resto, fizemos quarentena parcial. Enquanto o mundo ocidental está saindo dela, nos estamos com a curva ainda ascendente”, diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados.
Além disso, a equipe econômica subestimou inicialmente o tamanho da crise e apresentou falhas no desenho e na execução de programas de ajuda.
“O programas feitos não chegaram adequadamente na ponta que precisa, tanto para as empresas quanto para os consumidores, diferente do que aconteceu na Europa e EUA. Esses países estão mantendo o padrão de renda e melhorando emprego por terem feito programas eficientes”, completa.
Em conversa ao vivo ontem com EXAME, o economista Marcos Lisboa, presidente do Insper, avaliou a reação como “atabalhoada” e lembrou que “a economia brasileira já não vinha bem antes da crise”.
O mundo inteiro vai aumentar o seu nível de endividamento para conter os efeitos da doença, mas o Brasil é mais afetado pois já partia de um patamar maior e de uma crise fiscal ainda não resolvida.
Outro destaque negativo do país é a crise política. O presidente Jair Bolsonaro entrou em embates constantes com os governadores e elevou o tom das ameaças de ruptura institucional. Ao mesmo tempo, se viu alvo de inquéritos que destrincham os elos de sua família com disseminação de notícias falsas e as milícias do Rio de Janeiro.
“Temos uma crise política que vai longe, que nenhum outro país tem. E a necessidade de reformas será inversamente proporcional à capacidade política do governo de fazê-las”, diz Vale.
Um alento: para 2021, a projeção de crescimento do FMI para o Brasil aumentou de 2,9% no relatório anterior para 3,6%. Muito pouco, no entanto, para compensar o tombo.
Fonte: Exame