Artigo de Duarte Schmidt Lino *
As fusões e aquisições são uma actividade altamente pro-cíclica e hipersensível ao contexto económico. Há muitos motivos para os agentes económicos realizarem fusões e aquisições, mas todos reagem fortemente ao enquadramento macroeconómico.
No essencial, as transacções de M&A assentam sempre na visão que cada uma das partes tem sobre o futuro. Em meados de março, concretizou-se a hipótese terrível que vinha crescendo nos últimos meses, o horizonte tornou-se turvo como a minha geração nunca o tinha visto e muitos negócios em andamento ficaram num impasse.
Temos, portanto, uma tempestade perfeita nas fusões e aquisições e, por conseguinte, no investimento direto estrangeiro em Portugal. Juntam-se a falta de perspetiva, ausência de visibilidade temporal e, como se não bastasse, distanciamento social e impossibilidade de viajar.
Entrámos em Março de 2020 vindos de um período de grande expansão. A travagem não chegou, no entanto, sem aviso, ainda que o seu catalisador – a atual pandemia – tenha surpreendido a todos. No final de 2019, já soavam recados de instituições internacionais e muitos já esperavam que a música começasse a abrandar. Muito poucos ou nenhum antes de janeiro vislumbrou uma travagem absoluta em poucos dias.
Não sabemos o futuro do combate à pandemia nem o efeito dessa luta a curto, médio e longo prazo sobre a confiança dos agentes económicos. A evolução desses fatores será determinante para o futuro de curto prazo das fusões e aquisições. Haverá fusões a aquisições em recessão, mas apenas quando for possível ter e condições mínimas de perspectivar o futuro.
No contexto específico de Portugal surge outra incógnita que é saber que medidas estarão ao dispor das empresas no futuro. As já divulgadas, se não forem suplementadas por outras, deixarão um caminho tragicamente aberto para o tipo de transações mais dramático (e redentor) do leque do M&A: o investimento em distressed assets. Por outras palavras, transações tendo por objecto empresas economicamente viáveis, mas financeiramente feridas de morte.
Como efeito, as medidas que conhecemos hoje para aliviar a dramática situação de tesouraria das empresas portuguesas são o regime do lay-off simplificado e as linhas financeiras de apoio, para além de moratórias sobre contratos de crédito e arrendamentos. Todas estas medidas permitem aliviar a tesouraria das empresas, mas à custa do agravamento dos balanços. Empurram o esforço para a frente com juros mas não o reduzem e a sustentabilidade financeira e económica das empresas fica condicionada a um futuro que seja suficientemente forte para pagar estes montantes adicionais de dívida que acrescem ao que já carregavam nas contas. Ora, no panorama português, em que o sector corporativo já chega a esta crise altamente endividado, esta pressão adicional será fatal para muitas empresas.
É nesse contexto de necessidade que a solução pode passar por operações de fusão ou aquisição que permitam que a força de uns compense a fraqueza de outros. como sempre sucede nestes tempos de recessão ou depressão. As fusões e aquisições serão para muitas empresas uma escolha de vida ou morte
Para desempenhar esse papel, para além dos gestores de fundos alternativos de investimento (capitais de risco, hedge funds, etc) nacionais, será determinante o papel dos investidores estrangeiros, uma vez que escasseia em Portugal o capital para investir. É por isso crucial para o país manter-se um destino apelativo, o que exige a manutenção da confiança institucional – em particular o respeito pela propriedade privada e pela legalidade democrática – e estabilidade fiscal.
A este respeito será também interessante, e particularmente relevante para Portugal, por razões evidentes, perceber qual o impacto que os recentes desenvolvimentos terão na atitude da UE em relação aos investimentos chineses na Europa. A este propósito é relevante o anúncio da comissária Margrethe Vestager sobre a criação de diplomas de proteção do sector empresarial europeu do domínio de empresas estatais chinesas e que representa uma inflexão da política seguida até hoje.
A todas as variáveis já descritas, acresce, naturalmente, a preocupação específica e central desta crise, com a evolução do combate à pandemia no nosso país. O nosso desempenho nesta matéria será critico para mantermos a capacidade de atrair turistas e todos os tipos de investidores que conseguimos trazer para Portugal nos últimos anos, mantendo critério de longo prazo e não urgência para sobreviver ao amanhã.
* Sócio co-coordenador de Corporate M&A da PLMJ