Além de ter uma fundadora do sexo feminino, algo raro, quase único, no segmento, a Rio8 conseguiu um feito que, garante sua CEO, foi natural: 90% da sua liderança é composta por mulheres, incluindo diretoria, gerência e engenheiras de obras. “Alguns clientes e fornecedores ficam impressionados e perguntam se só tem mulher na minha empresa. Elas são, realmente, a maioria”.
A diversidade de gênero na liderança, algo que se enquadra nos valores prezados por investimentos ESG, começou a atrair interesse de parceiros e fundos de investimentos. A arquiteta Mariliza Pereira, fundadora da Rio8, declara nunca ter se preocupado com a questão de equidade de gênero em sua companhia, mas admite que apenas o fato de ser uma mulher pode ter anulado vieses de gênero que poderiam existir em suas contratações. “Nunca houve uma preferência, mas um currículo e perfil alinhado à empresa, chancelado inclusive por homens da minha equipe”.
Pereira já tinha mais de 20 anos de experiência no mercado imobiliário quando decidiu fundar a construtora, em 2013. A executiva prestava serviço para construtores e se viu forçada a montar o próprio negócio durante uma crise do mercado imobiliário. “Ninguém estava me pagando o que devia, e eu já ia fazer 50 anos. Eu temia criar minha própria empresa porque a gestão de obras é complexa, com muitos riscos trabalhistas e exigências para manutenção de contratos. Mas meus parceiros na Caixa me incentivaram a ir em frente”.
Após uma década, a Rio8 se tornou uma construtora de médio porte com 1,5 milhão de área construída e 122 funcionários. Tem empreendimentos na região serrana do Rio, Baixada Fluminense e se prepara para começar a construir também na capital em 2023. Especializada em imóveis econômicos, no mês que vem pretende expandir sua atuação para imóveis de médio e alto padrão.
‘Olhar feminino’: diferenciais
Na visão de Pereira, ter mulheres como gestoras gera negócios. “Mulher sabe priorizar e se organizar. Somos mães, donas de casa e trabalhamos. Temos uma visão ampla do negócio”.
Essas características ‘femininas’ a levaram a ter preferência por mulheres nas áreas de atendimento ao cliente e contas a receber. “Mulheres tendem a ser mais cuidadosas e atentas a detalhes. Na entrega das chaves e vistoria do imóvel, costumam criar situações onde as pessoas se sentem mais acolhidas”.
Um fator que influencia uma cultura diversa na Rio8, na visão da executiva, é a falta de estímulo a um ambiente de competição. “Em empresas majoritariamente masculinas vi muitas pessoas se massacrando, subindo em cima da outra. Na minha empresa, exijo cooperação”.
Para além dos números
Outra fortaleza da empresa, na visão da CEO, é a preocupação em não reduzir o negócio a números. Para isso, Pereira busca sair de uma gestão puramente administrativa e financeira para participar de todos os processos da empresa, inclusive visitando as obras.
Para desenvolver novos produtos, estuda localização, terreno e principalmente o público para o qual vai vender seus imóveis. “Busco criar empreendimentos nos quais as pessoas têm prazer de morar. Meu senso estético como arquiteta me ajuda a ter um olhar diferente. Tanto que tenho minha própria equipe de arquitetura, enquanto muitas construtoras terceirizam o serviço”.
A executiva cita como exemplo um grande condomínio que a construtora lançou em Petrópolis, antes da pandemia. Nele, optou por colocar 672 unidades, quando poderia ter inserido mil apartamentos. “Não quis criar espaços minúsculos, apenas para dormir. Muitos clientes são jovens casais com crianças pequenas. Então fiz um grande playground para elas. Mirando idosos que vêm viver na região após a aposentadoria, fiz 1,5 quilômetro de ciclovia”.
Como resultado, a velocidade de vendas da obra foi maior do que a média. “Vendemos tudo em 18 meses, quando era esperado que demorasse o dobro do tempo”. É dessa forma que, acredita, fideliza clientes. “À época alguns concorrentes chegaram a me chamar de mentirosa em reuniões de empresários da cidade. Que não era possível que somente eu conseguisse vender”.
Canteiro de obras: a próxima (grande) barreira
A única área da empresa na qual os homens são maioria é o canteiro de obras. Mas Pereira quer mudar esses cenário também. “Já que cheguei até aqui, vou tentar quebrar mais barreiras”.
A executiva conversa com o Concreto Rosa, programa de capacitação para mulheres atuarem como azulejistas em obras. “Em meu próximo empreendimento, já construí um vestiário e banheiro feminino para tentar avançar nesses objetivo”.
O problema, cita a executiva, é que já houve problemas de assédio e incômodos à equipe de limpeza feminina, que é contratada para realizar serviços em determinada etapa da obra. “Quando elas prestam o serviço, preciso ter um encarregado em cada bloco para que fiquem de olho em tudo o que acontece. Então você pode imaginar o cuidado que é ter uma mulher colocando azulejos ao lado de homens. Antes de enfrentar a falta de interesse da mulher por esse trabalho, algo cultural, é necessário um trabalho interno para que os homens as respeitem”.
Apesar de não existir nenhuma mulher entre os trabalhadores da obra, todas os empreendimentos da Rio8 são comandados por engenheiras. “Não há conflito entre elas e os trabalhadores, mas sim com empreiteiros, que costumam ser machistas. Mas autorizo elas que se receberem ‘porrada’, que deem ‘porrada’ de volta”.
Fonte: Exame