Na reunião da Comissão de Meio Ambiente (CMA) da Câmara na manhã da última quinta-feira, a presidente do colegiado, Carla Zambelli (PSL-SP), não se conteve durante o debate em torno de um projeto que ela tentava enterrar. Irritada, disparou sem rodeios contra o relator da proposta, o deputado Célio Studart (PV-CE):
— Reconheço a boa intenção do seu texto, mas de boa intenção o inferno está cheio.
Esse é o clima em boa parte das sessões da CMA. Uma das mais ferrenhas aliadas do presidente Jair Bolsonaro (Sem partido), Zambelli transformou o espaço num portal de aprovação de projetos caros ao Palácio do Planalto. Sem cerimônia, ela coloca em prática a máxima do ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, autor da célebre tese de que o governo deveria “passar a boiada” quando precisa alterar normas e regras que considera importantes.
Nesse cenário, a boiada está de fato passando na comissão. Como estão em maioria, os governistas já aprovaram projetos polêmicos. Entre eles estão o que dificulta a criação de novas unidades de conservação e o que liberou a prática da vaquejada como esporte. Esse grupo também segue empenhado no combate à suposta “indústria de multas” ambientais, como Bolsonaro classificou as penalidades aplicadas a quem infringe leis ambientais.
Na terça-feira passada, a tropa bolsonarista conseguiu aprovar no colegiado umas das propostas mais caras ao atual inquilino do Planalto. Ela inclui policiais militares e bombeiros no Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), medida vista pelos ambientalistas como uma “militarização” de serviços como fiscalização, licenciamento e aplicação de autos de infração, atribuições de técnicos.
A importância também está em quem assina o projeto: o próprio Bolsonaro, que o apresentou em 2014, quando era deputado federal e já alimentava o sonho — ainda distante à época — de chegar onde está.
A CMA integra a “tríplice coroa”, os três colegiados que funcionam sob a batuta de bolsonaristas. Os outros dois são a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a mais importante da Casa, presidida por Bia Kicis (PSL-DF); e a de Agricultura, comandada por Aline Sleutjes (PSL-PR).
Com frequência, Zambelli é acusada pelos opositores de “tratorar”, atuar de forma autoritária. Na mesma acalorada reunião da última quinta-feira, ela trocou palavras ásperas com o deputado Ricardo Izar (PP-SP), da ala ambientalista. Pouco depois, veio a canetada. Ela excluiu Izar da relatoria de três projetos que tramitam na comissão.
— Foi uma retaliação. A presidente atua de forma ditatorial, autoritária e retalia quem ela enxerga como adversário. Vou avaliar acioná-la no Conselho de Ética. Isso é falta de decoro — protestou, irritado, Izar.
Neste ano, a comissão aprovou 22 propostas; a maior parte, 13 delas, de interesse do governo. São projetos que seguem caminhando na Câmara e precisam passar por outras comissões antes de serem votadas no plenário, última etapa da tramitação na Casa. Na lista pró-governo, além do projeto que torna policiais fiscais ambientais, a base aprovou no colegiado a obrigatoriedade que se faça uma consulta pública antes de definir corredores ecológicos em determinadas áreas.
Quando necessário, o time governista joga coeso para não levar gols da oposição. Dessa forma, conseguiu derrubar a iniciativa que permitia maior participação da sociedade civil no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e rejeitou proposta para sustar o decreto de Bolsonaro que flexibilizou multas ambientais.
Os projetos com o objetivo de banir práticas de maus-tratos patinam na CMA, o mesmo colegiado que considerou a vaquejada uma atividade desportiva. Na vaquejada, um boi é solto em uma pista e dois vaqueiros, montados em cavalos, tentam derrubar o animal pelo rabo. O Supremo Tribunal Federal (STF), em 2016, considerou inconstitucional uma lei estadual do Ceará que regulamentava a prática. Logo depois, o Congresso aprovou matéria que a tornou manifestação cultural.
‘Comissão perdeu papel’
Nilson Tatto (PT-SP), ex-presidente da comissão, é um dos parlamentares que tem mais embates com Zambelli. Na avaliação de Tatto, o governo conseguiu travar o espaço institucional da Câmara de enfrentamento a retrocessos na agenda socioambiental.
— A comissão perdeu o seu papel fundamental de acompanhar e fiscalizar os cuidados com o patrimônio ambiental do Executivo — afirma Tatto. — Hoje tem alguém [no comando] que é completamente contrário ao interesse da agenda socioambiental.
A oposição nem chega a comemorar com ênfase suas pequenas vitórias, como a obrigação da publicação da lista de animais silvestres em extinção.
— O que conseguimos aprovar tem valor simbólico, (tudo é) muito simples. Nada de peso — diz Célio Studart.
Zambelli rebate as críticas de seus opositores. Diz que acusá-la de “tratorar” é narrativa dos que não estavam acostumados com uma parlamentar conservadora à frente dos trabalhos na CMA. Ela nega não atender aos pleitos da oposição e afirma que tirou Izar das relatorias por “problemas de produtividade”.
Fonte: O Globo