Artigo de César Souza*
Grande parte dos brasileiros tem espírito empreendedor e, em muitos casos, a convergência entre esse DNA e uma oportunidade identificada coloca o sonho do próprio negócio de pé. Assim nascem cerca de 90% das empresas no País, segundo dados do Sebrae e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os números apontam ainda que as empresas familiares são responsáveis por 65% do nosso Produto Interno Bruto (PIB) e 75% dos empregos. Da abertura do CNPJ ao sucesso no mundo empresarial há um caminho de muito esforço e dedicação. Porém, para as empresas familiares, nenhum desafio é tão grande quanto planejar e executar o processo sucessório, garantindo a longevidade das operações.
Em certa ocasião, fui convidado pelo patriarca, fundador de um relevante negócio no Sul do País, para um churrasco. O objetivo era me apresentar seu sucessor, o filho mais velho. Aos 75 anos de idade, já estava óbvio que não teria condições de continuar firme no leme do negócio por muito tempo. Na quarta ou quinta rodada das carnes, já estava claro para mim que aquela escolha não parecia adequada, pois não percebia “encaixe” entre o tipo do negócio e o estilo do primogênito.
No dia seguinte, voltei para continuarmos a conversa e pude observar melhor seus três filhos. Após falar com todos em conjunto e, em alguns momentos individualmente, ficou claro que o mais indicado provavelmente fosse seu filho caçula. Ele era seis anos mais jovem, porém minha experiência e o conhecimento que eu tinha da empresa apontavam que tinha o perfil muito mais adequado.
Três meses depois dessa arquitetura, em uma reunião, o primogênito revelou que não se sentia à vontade com o negócio e queria atuar apenas como investidor no CA. Um dos conselheiros externos assumiu interinamente a presidência do CA e, depois, foi efetivado.
Esse tipo de situação é muito mais comum do que se pode imaginar. A mudança no comando entre gerações de membros da família é uma das questões mais delicadas que esse tipo de empresa enfrenta. Não à toa, a maioria das empresas familiares não sobrevive ao desaparecimento do seu fundador. Estatísticas globais apontam que somente um terço dessas organizações consegue passar o bastão de comando para a segunda geração e, destas, apenas 15% atingem a terceira geração.
Isso acontece, majoritariamente, devido a atritos entre sócios e membros da família. Nessas situações, torna-se questão de tempo a venda do negócio, perda da relevância e, em alguns casos, infelizmente, a falência e o desaparecimento da empresa.
O fato é que muitos fundadores de empresas familiares não sabem como liderar a sucessão de forma natural e harmônica. Esse é, sem dúvida, o “calcanhar de Aquiles” desses empreendimentos. Por conta disso, é imprescindível que o empresário que se tornou líder pense nesse processo serenamente e enquanto está ativo, para que o planejamento e execução sejam conduzidos em tempo hábil e sem tropeços.
Muitos aspectos dificultam o processo de sucessão e, caso não sejam administrados com competência, podem ameaçar a continuidade do negócio. Sem planejamento esse movimento gera risco significativo, bem como a ameaça de deixar a empresa em um ponto de não retorno. Tal cenário pode fazer prevalecer o improviso ou uma solução precipitada quando o inesperado ou indesejado ocorre.
E o que deve ser feito? Essa ação é complexa e vai além da troca de bastão. Há pré-requisitos que devem ser levados em conta na condução dos procedimentos que a jornada sucessória envolve. Alguns passos são importantes para dar mais segurança ao processo, ao sucedido e aos potenciais sucessores:
- Planeje o processo de sucessão com a maior antecedência possível, assegurando o transcorrer gradativo de cada etapa. Não se forma sucessor da noite para o dia.
- Planeje o desenvolvimento dos potenciais sucessores, com critérios claros e transparentes para as escolhas, incluindo definições sobre a ascensão de membros da família diretamente ou a necessidade de executivos intermediários, entre o sucedido e o sucessor, para o devido tempo de capacitação e amadurecimento.
- Crie um grupo de aconselhamento externo com pessoas independentes, especialistas no assunto e com, pelo menos, um membro que já tenha passado por processo semelhante.
- Nos casos de opção por ir ao mercado para contratar um gestor profissional, prepare os herdeiros para o Conselho de Acionistas.
- Defina o modelo organizacional de gestão e seus valores com transparência para conquistar o comprometimento de todas as partes envolvidas. Articule com clareza a estrutura de governança, definindo cargos, funções, alçadas de decisão, responsabilidades e processos de controle.
- Solicite a cada um dos candidatos potenciais que apresente um plano estratégico para a empresa, unidade de negócio ou área funcional para os próximos cinco anos. Essa é a forma mais objetiva de identificar o que se passa na cabeça de um prospect.
Nas empresas familiares, os riscos se potencializam por conta do quanto está em jogo, em termos de harmonia familiar e patrimônio envolvido. Relações dos pais com filhos, entre irmãos ou marido e mulher, bem como entre fundador e agregados tendem a ser bastante complexas e sensíveis. Além disso, esses negócios detêm, em sua base, alta carga emocional protagonizada pelos membros da família que os controlam.
Neste cenário, conflitos gerados por divergência de ideias e expectativas entre os membros da família são comumente encontrados e, se não trabalhados, podem derrubar a harmonia do grupo familiar e, até mesmo, destruir o patrimônio da empresa no médio e longo prazos.
Lidere a articulação do processo sucessório o quanto antes para evitar que o negócio que começou como a realização de um sonho da família se transforme em um pesadelo destrutivo e desagregador.
É preciso se transformar para ser um agente da transformação que sua empresa necessita!
*César Souza, fundador e presidente do Grupo Empreenda®, palestrante e autor do recém-lançado “Seja o líder que o momento exige”