Como a Suzano e a Fibria fizeram uma fusão bilionária sem demissões em massa
Faz um ano que as empresas se uniram. A equipe já percebeu que a nova companhia tem muito mais poder — e desafios colossais a superar
Como se escalasse um trecho de montanha todo dia, o executivo Walter Schalka, 59 anos recém-completados, chega em casa, depois do expediente, ainda com a adrenalina em alta. Vai para a cama pensando na manhã seguinte, quando deve reiniciar a escalada. A rotina acontece há pouco mais de um ano, desde que a Suzano Papel e Celulose, maior produtora de celulose de eucalipto do mundo (que Walter preside desde 2013), e a Fibria, outra gigante do mercado, viraram uma só companhia, a Suzano S.A. A fusão, concluída em janeiro de 2018, foi avaliada em US$ 14,5 bilhões.
Para Walter, o ponto mais alto da escalada será alcançado quando as duas organizações passarem a funcionar como um novo grupo, que não esquece de onde veio, mas que tem cultura corporativa independente. “A cada dia chegamos mais perto disso”, diz. “Estamos criando uma terceira empresa.”
O executivo sabe bem que tipo de armadilha costuma dificultar o caminho das grandes fusões. Profissionais podem se sentir preteridos, e processos podem se revelar incompatíveis. Os custos de adaptação e os choques entre as duas organizações são imediatos. Os ganhos costumam aparecer só mais tarde. No plano simbólico, o fruto da união manteve o nome Suzano, mas ganhou a logomarca da Fibria, para mostrar o esforço de aproveitar o melhor de dois mundos. A operação completou um ano em janeiro de 2020, e a nova Suzano quer ser percebida pelo mercado menos como uma produtora de commodities e mais como uma companhia de biomateriais, com um catálogo de produtos e serviços amigos do meio ambiente. “Vamos causar impacto na sociedade com mais sustentabilidade e mais inovação”, diz Walter.
Graças à sinergia entre as antigas Suzano e Fibria, em áreas como cultivo florestal e logística, a nova organização projeta economia anual de R$ 800 milhões a R$ 900 milhões. Deve-se sentir 40% desse efeito já nos resultados de 2019, 90% em 2020 e 100% a partir de 2021.
Apesar do apetitoso corte de despesas no ano inaugural, Walter já viu a face mais escarpada do caminho. Após a fusão, as consequências de movimentos equivocados se tornam ainda mais dolorosas. E o mercado global de celulose levou um susto em 2019, com a retração dos compradores internacionais. O preço do produto chegou a derreter até 40%, batendo nos US$ 160 por tonelada. Especialistas apontam a guerra comercial China-Estados Unidos e o acúmulo da produção mundial como os principais fatores da freada.
INEDITISMO A FuturaGene foi o primeiro laboratório do mundo a ter o aval para o plantio comercial de eucalipto geneticamente modificado (Foto: Divulgação)
Diante desse cenário, com os chineses comprando menos, a reação da Suzano foi continuar enchendo seus armazéns. Assim, quando os compradores voltassem ao mercado, a companhia poderia facilmente despachar o acumulado. “Só que os estoques foram crescendo e tivemos de reduzir o preço para vender”, diz Walter. “Tomei uma decisão errada”, lembra ele, numa atitude rara no cenário corporativo. O episódio deve afetar o primeiro resultado anual, com divulgação programada para 12 de fevereiro.
Diante do menor volume de entregas e de valores mais magros de comercialização, a receita líquida encolheu 33% no terceiro trimestre de 2019, na comparação com o mesmo período de 2018, para R$ 6,6 bilhões. Já a produção de celulose de mercado (a pasta de celulose) caiu para 9 milhões de toneladas em 2019, ante 10,3 milhões de toneladas despachadas em 2018. “Estamos construindo um projeto de longo prazo e não vamos nos pautar apenas em ter um bom resultado a cada trimestre”, diz Walter.
INOVAÇÃO
O executivo se anima especialmente ao tratar de inovação e novos produtos e serviços. A musculatura da nova companhia abre possibilidades. “Estamos buscando o que mais podemos fazer a partir da árvore, além de celulose, papel e geração de energia”, afirma. A matriz energética das duas empresas que geraram a nova Suzano sempre foi sustentada, em grande parte, por fontes renováveis. Utilizam a biomassa de eucalipto como fonte própria para geração de energia e, em algumas unidades, o excedente de eletricidade segue para a rede. A matriz energética da antiga Suzano foi composta, em 2018, por 88% de fontes renováveis, enquanto a da Fibria alcançou 92%.
Walter diz que a meta agora é abrir espaço para papel e celulose em novos mercados, como o de tecidos, que movimenta 100 milhões de toneladas ao ano no mundo, e no segmento de biocompósitos (materiais formados pela combinação de outros, incluindo fibras naturais, a fim de obter características especiais). O grupo comprou a startup finlandesa Spinnova, que desenvolveu uma tecnologia de produção de fios a partir de fibras de madeira. O material pode substituir o algodão e a viscose, matérias-primas da indústria têxtil.
No ramo de biocompósitos, a aposta é reduzir o uso de plástico em peças e embalagens, adicionando celulose à mistura. “Em 2025, as embalagens plásticas serão proibidas na Europa, e o candidato natural para substituí-las será o papel, biodegradável e reciclável”, diz Walter. Bem mais perto, em São Paulo, a prefeitura sancionou uma lei no início do ano que proíbe estabelecimentos comerciais de fornecer utensílios plásticos descartáveis, como copos, pratos e talheres. Desde o ano passado, canudos de plástico já estavam proibidos.
A matriz energética da antiga Suzano foi composta, em 2018, por 88% de fontes renováveis. A da Fibria, por 92%
Nessa linha, a fabricante ofereceu ao mercado, no ano passado, o Loop, um papel para a produção de canudos. O material reciclável chega como uma alternativa aos similares de plástico. Em 2018, apresentou o Bluecup Bio, o primeiro papel-cartão para copos feito no país, 100% biodegradável. Em desenvolvimento há dois anos, mira o mercado de descartáveis, estimado em 600 mil toneladas anuais no Brasil e suprido hoje, principalmente, por matéria-prima de origem fóssil ou gerada com papéis importados.
Enquanto isso, uma novidade que exibe avanço comercial é o Eucafluff, um tipo de celulose branqueada de eucalipto aplicado na composição interna de fraldas e absorventes femininos. Resultado de 11 anos de pesquisa, 86% das vendas do produto lançado há três anos já são embarcadas para o exterior, sendo 32% do total na Ásia e 25% na Europa — a lista de compradores reúne 14 países. Um estudo da consultoria americana Risi indica que a demanda pela mercadoria deve crescer 6% ao ano até 2022, em mercados como China e Brasil.
Fernando Bertolucci, diretor executivo de tecnologia e inovação da Suzano — que ocupava o mesmo cargo na “antiga” Fibria —, diz que parte do expediente agora é gasto para reunir o melhor das práticas das duas organizações e evitar o desperdício de tempo e dinheiro em estudos similares. Isso fica evidente em rotas de pesquisas mais avançadas, como a da lignina, molécula que dá sustentação às árvores e era explorada apenas para a geração de energia.
Presente em cerca de 25% da madeira do eucalipto, hoje ela pode ser usada na fórmula da borracha ou para substituir derivados de petróleo, minimizando gastos, por exemplo, na produção de asfalto. “A Suzano já possuía uma planta piloto e estava prestes a concluir a construção de uma unidade comercial de lignina, a primeira na América Latina”, diz. Já a Fibria colecionava várias aplicações com o produto, antes da consolidação. A primeira planta de lignina de eucalipto do mundo, segundo a empresa, deve ser inaugurada em Limeira (SP), possivelmente em 2020. “Estamos abrindo mais possibilidades de inovar.”
O time de pesquisadores da companhia reúne 70 cientistas de 14 nacionalidades, que interagem com mais de 40 parceiros, como universidades, centros de pesquisa e startups no Brasil e em países como França, Canadá e Suécia. “Eles trabalham diariamente para descobrir o que mais podemos fazer nas áreas plantadas”, diz Bertolucci. Nos próximos meses, a agenda de inovação deve incluir projetos de genética florestal, para garantir o melhor aproveitamento dos campos de eucalipto — a empresa tem cerca de 1,3 milhão de hectares de áreas plantadas.
SUSTENTABILIDADE
Nesse setor, depois da unificação das companhias, a Suzano manteve os programas relacionados à proteção de trechos remanescentes de vegetação nativa, nos biomas Amazônia, Mata Atlântica e Cerrado. As zonas de plantio seguem um sistema conhecido como mosaico, que intercala clareiras naturais com bosques de eucalipto, o que pode ajudar na proteção e no desenvolvimento da fauna e da flora nativas.
Malu Pinto e Paiva, diretora executiva de sustentabilidade da Suzano e que desempenhava a mesma função na Fibria, afirma que a conservação da biodiversidade continua como prioridade na nova fase administrativa. “A Suzano dedica quase 40% de sua área total plantada, ou 900 mil hectares, à preservação”, diz.
Prova disso é que um dos braços de pesquisa do grupo, a FuturaGene, ganhou força na área ambiental. A companhia de biotecnologia de origem inglesa foi adquirida há dez anos e mantém centros de pesquisa em Itapetininga (SP), além de China e Israel. Uma das principais frentes de estudo foca na criação de espécies de eucalipto mais produtivas, resistentes a pragas e com menos necessidade de agroquímicos.
Em 2015, a FuturaGene tornou-se o primeiro laboratório do mundo a obter aprovação para o plantio comercial de eucalipto geneticamente modificado. Também testa uma nova proteína com efeito inseticida natural, capaz de prevenir a infestação de insetos nas árvores.
Ao lado de iniciativas ligadas ao meio ambiente, o número de ações comunitárias nas regiões onde a Suzano atua acumulou musculatura depois da ligação dos quadros. “Os projetos sociais atendem um número 30% maior de pessoas do que a Suzano e a Fibria alcançavam separadamente”, garante Malu.
O portfólio inclui atividades de extrativismo sustentável com quebradeiras de coco babaçu no Maranhão, que beneficiam mais de 130 famílias e nove associações de produtores, além do programa Colmeias, que oferece consultoria para a cadeia apícola em São Paulo, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo e Bahia, com 870 produtores e 34 entidades de apicultores envolvidos. Há, ainda, projetos de geração de emprego, renda e educação nas cidades vizinhas às fábricas — são mais de 8 mil famílias atendidas e 117 bibliotecas comunitárias em diferentes regiões.
EQUIPE
Para Walter, a evolução ocorrida nesse primeiro ano não seria obtida se não fosse o time de gestores que ele mesmo garimpou entre as cúpulas das duas organizações. Por coincidência e não por cotas, lembra, o primeiro escalão (com 11 diretorias) ficou equilibrado entre as companhias, além de incluir dois executivos que vieram do mercado. A seleção durou dois meses e meio. O critério de corte, segundo o presidente, foi encontrar gente que pudesse inspirar mais gente. “O líder não pode se limitar a entregar resultados”, diz. “Precisa preparar as equipes com um olhar mais holístico, vislumbrando todos os departamentos.”
Curiosamente, um dos gestores que não vieram dos organogramas originais (o outro é Luís Renato Bueno, diretor de bens de consumo, ex-Vigor) assumiu a área de recursos humanos, crucial nesse processo, responsável por “afinar” a cultura corporativa da nova organização.
“As duas fabricantes adotavam práticas complementares nos departamentos de gestão de pessoal, mas a maneira como o dia a dia era conduzido tinha particularidades”, analisa Christian Orglmeister, diretor de gente, comunicação, TI, digital e estratégia da Suzano, ex-executivo da consultoria Boston Consulting Group (BCG). A Fibria fazia parte do conglomerado Votorantim e adotava um modelo de ações pautado em planejamento rigoroso. Na Suzano, havia um estímulo à autonomia dos times e menor hierarquização. “Agora, estamos unindo essas características para dar agilidade à tomada de decisões.”
Diferentemente do que acontece em muitas fusões corporativas, a aliança das empresas não resultou até agora em demissões em massa. Antes da incorporação, a Suzano Papel e Celulose tinha 9,6 mil funcionários, e a Fibria, 4,9 mil. O quadro continuou no mesmo patamar, com cerca de 14 mil empregados diretos — chega a 35 mil pessoas, com os terceirizados.
Para unir esse contingente, uma das ações do RH foi criar um grupo com os principais influenciadores das duas folhas de pagamento. Por meio de pesquisas internas, foram identificados até 200 nomes de todos os níveis hierárquicos, conhecidos por um perfil atuante entre seus pares, e capazes de ajudar a “espalhar” a cultura da nova Suzano nos corredores. “A principal mensagem era que a união seria de duas equipes vencedoras e não da incorporação de uma companhia pela outra”, afirma Christian.
Diferentemente do que acontece em muitas fusões corporativas, a aliança das empresas não levou até agora a demissões em massa
Ao mesmo tempo, ao longo do ano passado, ganhou força a estruturação da área digital, que precisou concentrar mais de 400 iniciativas espalhadas nas empresas, voltadas à operação, vendas, suprimentos e logística. Agora, têm prioridade os projetos que vão repaginar processos administrativos, estudos associados à internet das coisas, soluções em 3D e machine learning (aprendizado de máquina).
“Vamos desenvolver atividades com inteligência artificial, sensores e drones com uma equipe de cientistas de dados, para otimizar custos e incrementar receitas”, diz Alexandre Cezilla, head de digital da Suzano, sem revelar detalhes. No ano passado, a companhia firmou uma parceria com a Plug and Play, aceleradora de startups do Vale do Silício, nos Estados Unidos, que abriu um escritório em São Paulo. Fontes a par do assunto garantem que a Plug and Play vai apoiar a produtora de celulose em iniciativas de inovação aberta ligadas ao agronegócio.
Enquanto tudo parece caminhar a contento nos departamentos de inovação, sustentabilidade, RH e digital, Walter ainda precisa escalar dois paredões na sua jornada. Um dos mais difíceis, segundo ele, é renegociar contratos, a maioria com validade de um a sete anos, com os fornecedores das fábricas. Antes da fusão, Suzano e Fibria pagavam valores diferentes para um mesmo parceiro e por um mesmo produto. “Agora, como somos uma única fonte de recursos, será preciso tempo e equilíbrio para chegarmos a um bom negócio para todos.”
Outro obstáculo a ser vencido é a integração de processos e tecnologias. As duas companhias trabalhavam com a mesma versão de um sistema integrado de gestão, mas com customizações diferentes para executar tarefas como contabilidade ou o monitoramento da colheita de madeira. “Vamos adotar a cartilha de uma ou da outra?”, pergunta. A decisão do executivo foi fazer a mala.
Saiu de fábrica em fábrica e ouviu os responsáveis por cada sistema. “É preciso aprender com o outro, ter humildade e não chegar a uma reunião achando que o seu programa é o melhor”, diz. “Tem de ser o melhor para a empresa.”
Para André Chaves, sócio da consultoria Falconi, os desafios devem continuar em 2020, um ano após a reunião dos grupos. “Há ações que precisarão ser enfrentadas, como a consolidação dos canais de distribuição [o grupo tem 20] e a gestão da carteira de clientes [são mais de 30 mil somente no segmento de papel]”, avalia.
O especialista lembra que os preços da celulose no mercado internacional continuam em um patamar baixo. Mas, longe de ser apenas um fator negativo para o fluxo de caixa, a celulose barata pode significar uma alternativa de expansão para a companhia consolidada. “Por meio dos ganhos de eficiência obtidos na fusão, a Suzano poderá capturar uma maior parcela dos negócios disponíveis no setor.”
O consultor acredita que o melhor caminho é dar mais atenção à aquisição de ativos, aproveitando oportunidades geradas pelo aperto financeiro e pela desidratação dos preços das commodities.
Na opinião do professor Oscar Malvessi, coordenador do curso de fusões, aquisições e valuation da Fundação Getulio Vargas (FGV), manter a cautela nunca é demais para quem vende no exterior. “Como as operações da empresa são vinculadas aos movimentos globais do mercado de celulose, as oscilações de preço e volume de entrega podem alterar, no curto prazo, os primeiros resultados”, diz. Além do aumento esperado na produtividade e no estoque a ser vendido, as sinergias da fusão serão determinantes para obter números melhores no futuro, avalia.
Relatório divulgado pela XP Investimentos no final de 2019 mostra uma perspectiva positiva para os valores da celulose no longo prazo, empurrada por fatores como a normalização dos estoques e a recuperação das margens dos fabricantes de papel. “Os preços da celulose estão próximos de um piso e esperamos uma recuperação gradual ao longo de 2020, à medida que os estoques se normalizem e a economia chinesa responda aos estímulos do governo”, afirmam os analistas. “A recuperação dos preços deve beneficiar a Suzano este ano”, destaca o estudo.
Walter observa a montanha de trabalho pela frente. Ele traçou uma rota que pontua transformações constantes nas rotinas de trabalho, tranquilidade para reconhecer erros e valorização de talentos que sabem trabalhar em time. “De um lado, temos excelentes pesquisadores e acesso a tecnologia de ponta. Do outro, plantios de eucalipto e as fábricas”, diz. “Está em nossas mãos a condição perfeita para avançarmos na busca da produção sustentável e de mais produtos renováveis.” O executivo quer seguir o mapa que desenhou, mas não vê atalhos. “A fusão só vai acontecer no dia em que todos deixarem de fazer referência às antigas empresas”, afirma. “E isso tem acontecido cada vez mais.”