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“Trouxe da Suécia lições de diversidade de gênero”, diz Valéria Balasteguim, da Electrolux

Depois de seis anos atuando na Electrolux em Estocolmo, na Suécia, Valéria Balasteguim, 51, decidiu voltar ao Brasil para um novo projeto: assumir a vice-presidência de Recursos Humanos para a América Latina. Encontrou outra equipe, novos chefes e uma pandemia global que se aproximava: era janeiro de 2020 e o momento não poderia ser mais complexo.

Nos dois anos seguintes, a executiva se concentrou em garantir a sustentabilidade do negócio, ao mesmo empo em que promovia algumas inovações:implementou processos de recrutamento às cegas, criou uma área de Diversidade e Inclusão e treinou lideranças para perceberem vieses inconscientes na contratação de talentos. 

Hoje, à frente de mais de 10 mil funcionários da empresa no continente, ela tem entre suas prioridades manter o engajamento alto, mesmo quando os tempos são difíceis. Confira os principais trechos da entrevista que Valéria Balasteguim concedeu a Época NEGÓCIOS.

EN – Você atuou durante seis anos no escritório da Electrolux em Estocolmo, na Suécia, e passou por vários cargos de liderança. Na volta ao Brasil, que aprendizados trouxe?

Valéria Balasteguim – Durante os anos que passei em Estocolmo, despertei para as diferenças de hierarquia, diversidade e cultura entre a Suécia e o Brasil. Era para ficar só um ano e meio, fiquei seis. Durante esse tempo, troquei de posições quatro vezes. A última foi Head de Talent Management para o grupo Electrolux, algo de que tenho bastante orgulho, porque fui a primeira não-europeia a sentar nessa cadeira.

Na Suécia, há uma hierarquia mais horizontal. Aqui no Brasil, quando você tem uma reunião com o vice-presidente, geralmente você se desloca até a sala dele. Lá, o CPO escrevia para mim: “Você está ocupada?”. Eu me apressava para ir até a sala dele, e ele dizia: “Já estou descendo”.  Além disso, no escritório de Estocolmo, tínhamos profissionais de 62 nacionalidades diferentes, então falar sobre diversidade era algo natural.

EN – O que pesou na decisão de voltar?

Valéria – Eu queria trabalhar tudo que aprendi no exterior aqui no Brasil, tornar tudo menos hierárquico, cultivar a diversidade e fortalecer a cultura. É muito legal morar fora e sou muito grata por todas as experiências que tive, mas nada se compara a viver no próprio país.

EN – Pode dar exemplos de aplicações do que aprendeu na Suécia?

Valéria Balasteguim – Criamos uma área de Diversidade e Inclusão dentro da área de Talent Management, com metas monitoradas. Estendemos a licença maternidade para todos os modelos de família e criamos um grupo voluntário de discussões sobre gênero. Na Suécia, independentemente do gênero do funcionário, se você tem uma reunião na escola, isso é considerado prioridade. Outra diferença: aqui, quando o filho fica doente, espera-se que a mulher se ausente para cuidar dele. Na Suécia, um dia a mulher fica em casa, no outro o marido. Esses foram diálogos que eu comecei a trazer frequentemente para cá. A gente ainda precisa aprender muito. Lá a igualdade existe.

EN – Como levou isso para a aquisição e retenção de talentos?

Valéria – Desde que eu cheguei, estamos fazendo um trabalho muito forte de trabalhar os vieses inconscientes de gestores e recrutadores. E estamos começando a implementar o recrutamento às cegas. Retiramos do currículo nome, parte da formação, de onde a pessoa veio… O foco é na experiência do candidato, que é o que realmente importa no currículo. Também fizemos um censo para entender quem está na organização, e com base nisso começar a adotar medidas para conseguir uma maior representatividade. Sabemos que uma organização mais diversa é mais inovadora, traz mais resultados. Não é só a diversidade pela diversidade.

EN – Qual o feedback dos gestores sobre os processos de recrutamento às cegas?

Valéria – Extremamente positivo. No recrutamento tradicional, a tendência é que você busque pessoas iguais a você, que pareçam com a sua turma. Quando você tira esses filtros, avalia o currículo de outra forma. Os gestores disseram que talvez não tivessem escolhido aquela pessoa pela universidade onde ela estudou, por exemplo. 

EN –  Você voltou ao Brasil um pouco antes de uma pandemia mundial, liderando uma nova equipe. Qual foi seu maior desafio à frente do cargo na América Latina?

Valéria – O RH teve um papel de protagonismo durante a crise. Conversamos com as lideranças para discutir o que fazer. Conseguimos estabelecer alguns compromissos com a nossa alta gestão, com base em três objetivos: proteger o negócio, proteger o caixa e proteger as pessoas. Decidimos que não demitiríamos ninguém, e cumprimos a promessa. Depois, aconteceu um movimento interessante. Como as pessoas começaram a ficar mais em casa, voltaram a consumir nossos produtos e as vendas foram se recuperando. 

EN – A Electrolux incorporou ferramentas de inteligência artificial nos processos seletivos?

Valéria Balasteguim – Não caminhamos nessa linha. Nesse sentido, somos um pouco mais conservadores. Na última fase da contratação, acreditamos nas entrevistas “olho no olho”. É óbvio que dá muito mais trabalho, porque você tem mais candidatos para entrevistar. Então temos encontrado outras formas de filtro, como, por exemplo, programas de estágios regionais. O fato de a gente fazer processos seletivos de maneira um pouco mais tradicional nos ajuda a encontrar as pessoas que combinem com a nossa cultura.  

EN – A Electrolux revisou suas expectativas de crescimento na América Latina para baixo, depois de um trimestre de queda no lucro líquido em relação ao mesmo período do ano anterior. Qual o papel do RH em um momento de maior desafio para o negócio?

Valéria Balasteguim – Nesse momento, os resultados têm muito mais a ver com o cenário desafiador que estamos vivendo, de inflação alta, falta de matéria-prima, inflação e pressão na cadeia logística, do que com alguma falta de engajamento dos colaboradores. Acabamos de fazer nossa última pesquisa de clima e nossa nota de engajamento foi alta, 86. Então temos apenas que manter o bom trabalho. 

EN – Entre as metas da empresa, está atingir de 40% a 60% de mulheres nos cargos de liderança na América Latina. Hoje, a taxa é de 28%. O que estão fazendo para chegar lá?

Valéria – Uma das providências é garantir que haja sempre mulheres na short list de candidatos do recrutamento às cegas. Se não aparecem candidatas, estamos procurando errado, e vamos buscar em outros lugares. Também fazemos revisão de talentos, quando discutimos os processos de sucessão, identificando mulheres que podem entrar nesse planejamento. Também criamos planos personalizados. Se tenho uma profissional que ainda não tem presença ou exposição suficiente para um cargo de liderança, elaboramos um plano para que ela desenvolva essas competências. Por último, em relação ao banco de vagas, fazemos uma discussão semanal de todas as posições abertas na América Latina, para ver quem podemos indicar internamente, se existe algum funcionário pronto. Nessa hora, minha obrigação é perguntar: “Tem alguma funcionária?”

EN – Você mencionou que às vezes não aparecem candidatas na etapa de atração. Por que acha que isso acontece?

Valéria – Estudos mostram que, quando uma mulher vê um anúncio de emprego e ela não cumpre dois requisitos, desiste. Com o homem, acontece o oposto. Se ele cumpre apenas dois requisitos, já se considera perfeito para a vaga. Isso aconteceu comigo na Suécia, quando fui promovida pela primeira vez. Apesar de ter as qualificações necessárias, hesitei em aceitar o cargo. Nós, mulheres, tendemos a achar que nunca estamos prontas.

Para tentar resolver esse problema, fizemos um trabalho de reposicionamento dos anúncios. Quando você lê os job ads, percebe que não são neutros: um anúncio que pede “disponibilidade de viagens”, por exemplo, tende a limitar a atração de mulheres. O que fizemos foi deixar os job ads atrativos tanto para homens quanto mulheres. Com o anúncio neutro, tivemos feedbacks de várias engenheiras que disseram “Achava essa vaga perfeita para um colega meu, nunca pensei que era para mim”. 

EN – Qual palavra da moda, frase pronta ou clichê corporativo você não aguenta mais ouvir? Por quê?

Valéria Balasteguim – “Alinhamento” é um bom exemplo. Quando alguém fala: “Estamos todos alinhados?”, mas cada um entendeu algo diferente. (risos).

EN – Qual foi sua melhor decisão profissional?

Valéria Balasteguim – Houve duas. A primeira, no início de carreira, quando decidi sair da área educacional e migrar para a área organizacional, mesmo sem saber muito o que me esperava. E a segunda quando decidi ir para a Suécia. u tive a oportunidade de conviver com muitas culturas diferentes, e isso abriu muito minha cabeça. Você vive de verdade o conceito de empatia quando está num país diferente.

EN – E a pior decisão?

Valéria Balasteguim – Quando as coisas não dão muito certo, sempre penso que vou aprender alguma lição. Procuro passar pelas fases ruins bem rápido para mudar para a próxima. Tive sim situações difíceis de lidar, mas não há algo que eu considere minha pior decisão na carreira. 

EN – Qual livro você leu nos últimos tempos que te conquistou?

Valéria Balasteguim – Agora estou lendo “A morte é um dia que vale a pena viver”, da Ana Claudia Quintana Arantes. É muito inspirador. E há outros que estou sempre lendo. Os da Brené Brown, por exemplo, são livros de cabeceira. 

Fonte: O Globo

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